domingo, 31 de março de 2013

AS NOSSAS DIVISÕES EUROPEIAS




Eric Maurice – Presseurop, editorial

Será um sinal dos tempos? No passado domingo, um artigo assegurava que “à semelhança de Hitler, Angela Merkel declarou guerra à Europa”, desta vez para aumentar “o espaço vital económico” da Alemanha. Uma comparação absurda, mas que ecoa em alguns cartazes que há algum tempo se veem nas ruas de Atenas ou, mais recentemente, em Nicósia.

Este artigo provocou grande alarido por ter sido publicado no sítio da Internet de um dos jornais europeus mais bem considerados, El País.

Pela primeira vez, o paralelismo entre a chanceler e o ditador chega às páginas (eletrónicas, à falta da edição em papel) da imprensa considerada séria e de referência. Perante as reações, El País retirou o artigo em questão, da autoria de um colaborador externo, que não representa assim a linha editorial do jornal.

A crise cipriota, por enquanto, não se traduz em crise do euro, mas acentuou as divisões e os ressentimentos que ferem a Europa desde que a crise económica e a política de austeridade abalaram as sociedades. A tradicional desconfiança em relação a “Bruxelas” e aos seus burocratas transformou-se em antagonismo entre o Norte e o Sul da Europa e numa mistura tóxica de desconfiança e agressividade para com a Alemanha, acusada de querer impor o seu modelo e a sua vontade a todos os povos da União.

Numa gradação diferente e segundo pontos de vista analíticos ou mais comprometidos, esta tendência é bem notória na imprensa europeia. Ou melhor, nas imprensas europeias, visto as opiniões, as sensibilidades e as expectativas poderem variar entre um país e outro. E estes artigos, estas primeiras páginas, estas polémicas aparecem no Presseurop que tem, como linha editorial, deixar refletir os debates que agitam o nosso continente.

Ao lermos os comentários dos nossos leitores, constatamos o ponto a que este ambiente se reflete nas mentalidades do espaço público. Muitos leitores sentem-se obrigados a defender e até mesmo justificar a sua visão do mundo e o seu modo de vida. Alguns põem em causa a Europa, tal como esta existe hoje. Outros lamentam que os nossos artigos, e os debates que deles resultam, contribuam para estas divisões.

A Europa e, em particular, a União Europeia atravessam um período difícil. Para além de se terem posto em causa equilíbrios mundiais, assistimos à desestabilização do nosso modelo político, económico e social e a uma desorientação sobre o sentido a dar ao que os europeus andam a construir desde 1945. A leitura da imprensa diária assemelha-se assim a considerações sobre a crónica de uma depressão, com acessos de pessimismo e de cólera. Mas o mal subjacente que os europeus ignoram há décadas é a ignorância e a incompreensão sobre aquilo que os outros vivem, pensam e sentem.

Ser-se confrontado com clichés e críticas do outro é realmente desagradável e, muitas vezes, injusto. Mas esta tomada de consciência talvez seja necessária para superar a crise de confiança que atravessa a UE. Ignorar os sintomas desta ignorância mútua é abrir mão dos meios para a combater. Porque, mesmo com todas estas divergências, o nosso destino continua a ser comum.

*Eric Maurice é um jornalista francês, nascido em 1972, chefe de redacção dopresseurop.eu. Após completar os cursos de História e de Jornalismo, entrou para o Courrier Internacional em 2000, onde foi responsável das páginas sobre França, cobriu a actualidade norte-americana e dirigiu a secção de Europa Ocidental.

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