Eric Maurice –
Presseurop, editorial
Será um sinal dos
tempos? No passado domingo, um artigo assegurava que “à semelhança de Hitler,
Angela Merkel declarou guerra à Europa”, desta vez para aumentar “o espaço
vital económico” da Alemanha. Uma comparação absurda, mas que ecoa em alguns
cartazes que há algum tempo se veem nas ruas de Atenas ou, mais recentemente,
em Nicósia.
Este artigo
provocou grande alarido por ter sido publicado no sítio da Internet de um dos
jornais europeus mais bem considerados, El País.
Pela primeira vez,
o paralelismo entre a chanceler e o ditador chega às páginas (eletrónicas, à
falta da edição em papel) da imprensa considerada séria e de referência.
Perante as reações, El País retirou o artigo em
questão, da autoria de um colaborador externo, que não representa assim a linha
editorial do jornal.
A crise cipriota,
por enquanto, não se traduz em crise do euro, mas acentuou as divisões e os
ressentimentos que ferem a Europa desde que a crise económica e a política de
austeridade abalaram as sociedades. A tradicional desconfiança em relação a
“Bruxelas” e aos seus burocratas transformou-se em antagonismo entre o Norte e
o Sul da Europa e numa mistura tóxica de desconfiança e agressividade para com
a Alemanha, acusada de querer impor o seu modelo e a sua vontade a todos os
povos da União.
Numa gradação
diferente e segundo pontos de vista analíticos ou mais comprometidos, esta
tendência é bem notória na imprensa europeia. Ou melhor, nas imprensas
europeias, visto as opiniões, as sensibilidades e as expectativas poderem
variar entre um país e outro. E estes artigos, estas primeiras páginas, estas
polémicas aparecem no Presseurop que tem, como linha editorial, deixar refletir
os debates que agitam o nosso continente.
Ao lermos os
comentários dos nossos leitores, constatamos o ponto a que este ambiente se
reflete nas mentalidades do espaço público. Muitos leitores sentem-se obrigados
a defender e até mesmo justificar a sua visão do mundo e o seu modo de vida.
Alguns põem em causa a Europa, tal como esta existe hoje. Outros lamentam que
os nossos artigos, e os debates que deles resultam, contribuam para estas
divisões.
A Europa e, em
particular, a União Europeia atravessam um período difícil. Para além de se
terem posto em causa equilíbrios mundiais, assistimos à desestabilização do
nosso modelo político, económico e social e a uma desorientação sobre o sentido
a dar ao que os europeus andam a construir desde 1945. A leitura da imprensa
diária assemelha-se assim a considerações sobre a crónica de uma depressão, com
acessos de pessimismo e de cólera. Mas o mal subjacente que os europeus ignoram
há décadas é a ignorância e a incompreensão sobre aquilo que os outros vivem,
pensam e sentem.
Ser-se confrontado
com clichés e críticas do outro é realmente desagradável e, muitas
vezes, injusto. Mas esta tomada de consciência talvez seja necessária para
superar a crise de confiança que atravessa a UE. Ignorar os sintomas desta ignorância
mútua é abrir mão dos meios para a combater. Porque, mesmo com todas estas
divergências, o nosso destino continua a ser comum.
*Eric Maurice é um
jornalista francês, nascido em 1972, chefe de redacção dopresseurop.eu. Após completar os cursos de História e de
Jornalismo, entrou para o Courrier Internacional em 2000, onde foi responsável
das páginas sobre França, cobriu a actualidade norte-americana e dirigiu a
secção de Europa Ocidental.
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