Ana Carolina Dani -
Especial para a BBC Brasil de Paris
Como a grande
maioria da população do Chipre, a brasileira Ana Lima, de 37 anos, foi pega de
surpresa pela crise no país e há mais de uma semana tenta se adaptar a viver
praticamente sem dinheiro.
Sem acesso às
contas bancárias, Ana e a família, que vive há 3 anos em Nicósia, capital do
Chipre, têm se limitado a comprar o estritamente necessário para comer.
"Fomos ao
supermercado e compramos água, pão e muito macarrão, que é barato",
relatou ela à BBC Brasil.
Os bancos no país
estão fechados há mais de uma semana, desde que o governo anunciou um acordo
com o FMI e o Banco Central Europeu, posteriormente frustrado, para taxar
contas bancárias em até 10% em troca de um empréstimo de 10 bilhões de euros
(cerca de R$ 26,1 bilhões).
A proposta foi
posteriormente rejeitada pelo Parlamento cipriota, aumentando a incerteza no
país. Muitos correram para sacar dinheiro de caixas eletrônicos, que logo
ficaram sem recursos. A maioria dos bancos vêm impondo um limite de 100 euros
para saques.
No domingo, as
autoridades do Chipre anunciaram um acordo de última hora para evitar o colapso
do sistema bancário do país, com uma possível taxação de até 40% somente para
depósitos acima de 100 mil euros (cerca de R$ 261 mil). O segundo maior banco
do país, o Laiki, será fechado.
O Chipre é a
terceira menor economia da zona do euro, com um PIB de US$ 24,7 bilhões em
2011, segundo o Banco Mundial, para uma população de 1,1 milhão.
O país representa
apenas 0,2% do PIB da zona do euro, mas os líderes da região temem que a crise
possa afetar outros países europeus, principalmente os que já vinham
enfrentando problemas econômicos, como Grécia, Espanha e Itália.
'Tudo bloqueado'
Ana Lima conta que
na sexta-feira dia 15 de março, um dia antes do anúncio do primeiro acordo, seu
marido tentou fazer, sem sucesso, uma transferência online de uma conta de
poupança para conta corrente. "Pensamos que fosse um problema no site do
banco. No dia seguinte, tentamos de novo e nada. Foi quando ficamos sabendo que
estava tudo bloqueado", conta.
Praticamente todo o
dinheiro do casal, que vivem com os dois filhos, de 7 e 18 anos, estava
aplicado em uma conta de poupança. O casal prefere deixar o dinheiro na
poupança para aproveitar as taxas de juros atrativas do Chipre. À medida que
precisam, transferem o dinheiro para a conta corrente.
''O problema é que,
desde o dia 15, todas as transferências estão bloqueadas e os bancos, fechados.
Quem tem dinheiro na conta corrente, pode sacar nos caixas eletrônicos, mas a
gente não tem. Quando isso aconteceu, o meu marido tinha só 70 euros na conta
(cerca de R$ 182). Tem uma semana que não conseguimos sacar nada'', lamenta.
Outro problema,
segundo ela, é que os comerciantes já não estão mais aceitando pagamentos com
cartão de crédito e preferem dinheiro vivo. O próximo passo da família será
recorrer ao dinheiro que a filha de 7 anos ganhou de aniversário e que estava
guardando num cofrinho pra comprar um laptop.
''Vamos pegar, mas
não diremos nada a ela. Depois, devolvemos", diz.
Com os bancos
fechados por tanto tempo, ninguém sabe o que vai acontecer quando as agências
reabrirem. Muita gente deve fazer como Ana, que promete tirar todo o dinheiro
do banco na terça-feira e guardar em casa, no armário. ''Vai ser uma loucura'',
comenta.
Situação instável
Outros brasileiros
que moram no Chipre dizem viver momentos de tensão e estão atônitos diante da
crise, que ameaça implodir todo o sistema bancário do país.
Pamela Martins, de
30 anos, que vive há 12 anos no Chipre, diz já pensar em deixar o país e
regressar ao Brasil. Desde 2001, ela vive com o filho de 8 anos em Nicósia. Ela
conta ter adotado o Chipre como seu segundo país.
Filha de mãe grega
e pai brasileiro, Pamela foi ao Chipre pela primeira vez quando tinha 4 anos de
idade. Ela concluiu seus estudos em Nicósia, onde cursou faculdade de
Psicologia.
''A situação está
muito instável. Eu penso em voltar para o Brasil, e muitos cipriotas também
estão pensando em deixar o país'', afirma.
Pamela, que
participou de um protesto realizado no final de semana em frente ao Parlamento
cipriota, diz temer pelo futuro do país, que ela afirma ter conhecido em seus
tempos "áureos".
"O país está
se segurando por um fio. Eu conheci o Chipre numa época diferente. Há 5 anos, a
taxa de desemprego no país era de 2%. Temo pelo futuro do meu filho, das novas
gerações", diz.
'Filas enormes'
Com os bancos
fechados e as operações bloqueadas, quem quiser tirar dinheiro tem que ir
diretamente aos caixas eletrônicos. ''Mas as filas estão enormes. E muitos
caixas não têm mais dinheiro ou estão fora do ar'', explica.
A brasileira teve
que pedir dinheiro emprestado para arcar com as despesas básicas até que a
situação melhore. Ela também foi pega de surpresa pelo anúncio do acordo que
previa a taxação de todos os depósitos bancários. Tinha somente 80 euros em sua
conta, que já gastou comprando comida.
Como tantos outros,
Pamela promete correr ao banco assim que as agências abrirem na próxima terça-feira
para retirar todo o dinheiro. Ela teme, entretanto, que os bancos imponham
limites de saques para evitar a fuga de capitais em massa.
"Quero o
melhor pra este país, mas a gente não pode mais confiar no sistema
bancário", afirma.
Para Pamela, mesmo
se o governo cipriota decidir não tributar os depósitos, o estrago já foi
feito. ''Os investidores vão retirar o dinheiro dos bancos, pois a situação
está muito instável'', considera.
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