Inês Pedrosa – Sol,
opinião
A máquina do Estado
é pesada e tem deficiências graves de organização. Isso toda a gente sabe; já
estava escrito nos sermões do padre António Vieira, no século XVII.
Não se entende por
que é que só agora este Governo que se anunciou como ‘reformista’ decidiu
reduzir o número de funcionários públicos.
O programa inicial
da troika, subscrito pelos partidos que hoje estão no poder, apontava
claramente essa necessidade: a diminuição de custos do país devia focar-se nas
despesas e não nas receitas. O Governo tem feito exactamente o contrário, com
os resultados que estão à vista: o estrangulamento da economia pela mão
inclemente das Finanças.
Mais uma vez,
seguiu-se a tão portuguesa estratégia de adiar o difícil e necessário, fazendo
o justo pagar pelo pecador. A grande massa de portugueses que nunca soube o que
era viver acima das suas possibilidades, porque nem a consciência dessas
possibilidades lhe era acessível, serve uma vez mais de bode expiatório ao
pequeno número dos eleitos pela sorte.
Que alguns desses
eleitos tenham a má-educação de perorar publicamente sobre a necessidade de
aumentar a miséria alheia é apenas uma humilhação suplementar para um povo
habituado a deixar-se amesquinhar por uma elite sem maneiras, como a portuguesa
tem sido desde tempos imemoriais.
Nesta última
avaliação, a troika zangou-se e deu um puxão de orelhas à rapaziada do guichê
lusitano.
O primeiro-ministro
apareceu prontamente, esta segunda-feira, a explicar que rescisão não é
sinónimo de despedimento mas antes «uma opção de natureza individual» e uma
oportunidade para o «empreendedorismo».
Seria cómico, se
não fosse trágico. Particularmente cómico, dado que, como Passos Coelho também
explicou, a primeira leva de rescisões se destina aos funcionários públicos com
menos qualificações.
É sabido que a
falta de competitividade nacional está directamente ligada à falta de formação
dos empresários; é um facto que centenas de pequenas empresas morrem,
diariamente – no entanto, imune à realidade, o primeiro-ministro aconselha os
administrativos da Função Pública a tornarem-se empresários.
A própria ‘ideia’
de cortar a eito, às cegas, por categorias profissionais, manifesta uma
incompetência calamitosa na arte de governar.
Em muitos sectores
da Função Pública há excesso de chefes e falta de executantes. Há
administrativos mais produtivos do que muitos técnicos superiores; acresce que
um técnico superior dificilmente aceitará cumprir tarefas ‘inferiores’.
Portugal, como todos os países complexados, tem em alta conta os sinais
exteriores de poder, por ínfimos que sejam.
O Governo ficou
excitado com o estudo que demonstra que os cargos mais baixos da função pública
têm melhor remuneração do que os lugares idênticos nas empresas privadas, e
terá pensado, sei lá, que com este critério criava mais igualdade.
Francamente, tenho
dificuldade em perceber o que pensa e como pensa este Governo, admitindo que
faz o esforço de pensar. É evidente que a reforma do Estado não se faz à pressa
nem por camadas salariais: tem de ser analisada, caso a caso. Isto é o óbvio
ululante, caramba.
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