quinta-feira, 28 de março de 2013

SÓCRATES, CAVACO E O BLÁ, BLÁ




Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

Excitação. Muita excitação. E sem necessidade de recorrer ao famoso comprimido azul. Rádios, televisões, jornais (online) atrelaram durante todo o dia de ontem os portugueses a todo um "must": o regresso (comunicacional) de José Sócrates após dois anos de silêncio e, supõe-se, concentração nos estudos em Paris. As edições impressas são para ler hoje....

Santificado ou diabolizado, consoante os gostos e as meninges, José Sócrates gozou de liberdade de expressão em entrevista à televisão pública e deixou o rasto previsível: os mais variados analistas, politólogos e aparentados esmiúçam agora o que o senhor disse, quis dizer ou devia ter dito. Emocionante!

José Sócrates, afinal, não foge à regra sistemática de se tentarem aclarar pensamentos.

Sempre e quando alguém dotado do poder de influenciar as nossas vidas usa da palavra, recorre-se ao esforço de tradução. E de interpretação. Especulativa, em certas circunstâncias; simplificadora, noutras.

Decifrar frases - ou enviesá-las - faz parte, de resto, de um exercício apreciado, sobretudo quando em causa estão afirmações produzidas por primeiros-ministros, presidentes da República ou ex. Pior só mesmo o caso dos condenados em tribunal, especialistas em queimar prazos rumo à prescrição de crimes pela via da aclaração do que já está aclarado - e sem vergonha de poderem ser classificados de analfabetos.

José Sócrates retomou momentos de fama. Felicidade a dele.

Ele há coincidências....

Ainda Sócrates não tinha dito ui ou ai e não é que Cavaco Silva lançou o alerta segundo o qual "a retórica inflamada e sem conteúdo, as intrigas e as jogadas político-partidárias não acrescentam um cêntimo à produção nacional e não criam um único emprego"?

O presidente da República referia-se a quem? A Sócrates, por antecipação?, recordando-se certamente de não ter sido informado das negociatas que conduziriam à salvação através do famoso PEC4? Aos "jongleurs" de todo o sistema partidário? Ao PS e à moção de censura cantada? A Passos Coelho e às orelhas moucas sobre os métodos usados por um Governo a confirmar todas as semanas a existência de uma espiral recessiva?

Os profissionais tudólogos da análise terão o cuidado de nos ajudar a perceber as várias mensagens das últimas horas. Cavaco Silva, no caso de haver necessidade de uma aclaração à falta de quem enfie o barrete, bem pode dar-nos explicações via facebook. Já Sócrates, o célebre animal feroz, terá novos e mais confinados tempos de antena como comentador do canal público de televisão para animar as hostes dos indefetíveis e tentar convencer os críticos da sua governação.

Por mais bem-intencionadas que sejam, as narrativas de Cavaco Silva e José Sócrates afunilam numa questão incontornável: substantivamente só produzem ruído. Foram - e são - um passa-culpas, retratado no prefácio de há um ano do "Roteiro VI" do presidente da República, e, ontem, na atribuição de responsabilidades ao inquilino de Belém na crise atual pelo ex-primeiro-ministro.

Mais do que dispor de quem puxe dos galões da razão, o país precisa de quem resolva os problemas. Trocando a retórica pela ação pragmática.

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