Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
Excitação. Muita
excitação. E sem necessidade de recorrer ao famoso comprimido azul. Rádios,
televisões, jornais (online) atrelaram durante todo o dia de ontem os
portugueses a todo um "must": o regresso (comunicacional) de José
Sócrates após dois anos de silêncio e, supõe-se, concentração nos estudos em Paris.
As edições impressas são para ler hoje....
Santificado ou
diabolizado, consoante os gostos e as meninges, José Sócrates gozou de
liberdade de expressão em entrevista à televisão pública e deixou o rasto
previsível: os mais variados analistas, politólogos e aparentados esmiúçam
agora o que o senhor disse, quis dizer ou devia ter dito. Emocionante!
José Sócrates,
afinal, não foge à regra sistemática de se tentarem aclarar pensamentos.
Sempre e quando
alguém dotado do poder de influenciar as nossas vidas usa da palavra,
recorre-se ao esforço de tradução. E de interpretação. Especulativa, em certas
circunstâncias; simplificadora, noutras.
Decifrar frases -
ou enviesá-las - faz parte, de resto, de um exercício apreciado, sobretudo
quando em causa estão afirmações produzidas por primeiros-ministros,
presidentes da República ou ex. Pior só mesmo o caso dos condenados em
tribunal, especialistas em queimar prazos rumo à prescrição de crimes pela via
da aclaração do que já está aclarado - e sem vergonha de poderem ser
classificados de analfabetos.
José Sócrates
retomou momentos de fama. Felicidade a dele.
Ele há
coincidências....
Ainda Sócrates não
tinha dito ui ou ai e não é que Cavaco Silva lançou o alerta segundo o qual
"a retórica inflamada e sem conteúdo, as intrigas e as jogadas
político-partidárias não acrescentam um cêntimo à produção nacional e não criam
um único emprego"?
O presidente da
República referia-se a quem? A Sócrates, por antecipação?, recordando-se
certamente de não ter sido informado das negociatas que conduziriam à salvação
através do famoso PEC4? Aos "jongleurs" de todo o sistema partidário?
Ao PS e à moção de censura cantada? A Passos Coelho e às orelhas moucas sobre
os métodos usados por um Governo a confirmar todas as semanas a existência de
uma espiral recessiva?
Os profissionais
tudólogos da análise terão o cuidado de nos ajudar a perceber as várias
mensagens das últimas horas. Cavaco Silva, no caso de haver necessidade de uma
aclaração à falta de quem enfie o barrete, bem pode dar-nos explicações via
facebook. Já Sócrates, o célebre animal feroz, terá novos e mais confinados
tempos de antena como comentador do canal público de televisão para animar as
hostes dos indefetíveis e tentar convencer os críticos da sua governação.
Por mais
bem-intencionadas que sejam, as narrativas de Cavaco Silva e José Sócrates
afunilam numa questão incontornável: substantivamente só produzem ruído. Foram
- e são - um passa-culpas, retratado no prefácio de há um ano do "Roteiro
VI" do presidente da República, e, ontem, na atribuição de
responsabilidades ao inquilino de Belém na crise atual pelo
ex-primeiro-ministro.
Mais do que dispor
de quem puxe dos galões da razão, o país precisa de quem resolva os problemas.
Trocando a retórica pela ação pragmática.
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