LIDOVÉ
NOVINY, PRAGA – Presseurop – imagem Oliver
A solução para a
crise cipriota pode ser encarada como uma tentativa bem sucedida da UE de se
livrar de um paraíso fiscal internacional e de limitar a influência da Rússia
no Mediterrâneo. Contudo, a longo prazo, a Rússia poderá vir a tirar partido da
situação, adverte um editorialista checo.
A Rússia está
irritada. Atenção: vai mesmo zangar-se. A maior parte dos depósitos
estrangeiros em Chipre pertence a empresas russas (o montante total foi
avaliado em entre €20 e €30 mil milhões). O Presidente russo, Vladimir Putin, e
o seu primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, disseram claramente que veem a
"confiscação" organizada de uma parte dos depósitos russos como um
gesto hostil.
Medvedev considera
que a UE está a comportar-se como "um elefante numa loja de
porcelanas" e comparou a ação da União às práticas dos bolcheviques. A
cólera russa abateu-se também sobre os cipriotas, que terão tentado "jogar
com um pau de dois bicos" (com a Rússia e a UE), quando, no fim da semana
passada, apresentaram um plano que associa os capitais russos ao saneamento da economia
do país.
O insucesso dos
enviados cipriotas a Moscovo mostrou que, contrariando as expectativas dos
empresários russos com interesses na ilha, o Kremlin prefere uma estratégia
político-económica a longo prazo à perspetiva de alguns benefícios a curto
prazo. A oferta apresentada à Rússia por Chipre incluía um conjunto de
propostas que iam da aquisição dos bancos endividados da ilha a uma
participação na exploração de gás natural ao largo da ilha. "Os nossos
investidores analisaram a oferta e nenhum se mostrou interessado", resumiu
o ministro russo das Finanças, Anton Siluanov.
Alternativa à UE no
espaço euro-asiático
No entanto, a
maioria dos especialistas em política russa entende que não há dúvidas quanto
ao facto de, por trás da "falta de interesse" das empresas russas
semiestatais, está uma decisão do Presidente Putin. É verdade que as perdas
imediatas das empresas russas, incluindo nas contas das instituições públicas,
irão atingir, devido ao lançamento do imposto sobre os depósitos bancários,
centenas de milhões de euros, ou mesmo milhares de milhões de euros. Mas também
é verdade que, mesmo com apoio oficial, não será possível manter as posições
estratégicas da Rússia na sua "base insular". Em especial, porque a
evolução brutal da crise cipriota se verifica num período em que o gigante
russo do gás, Gazprom, enfrenta uma descida das receitas, devido ao crescimento
exponencial das exportações de gás de xisto provenientes dos Estados Unidos.
Investir em poços situados em zonas sísmicas e politicamente instáveis (tensões
entre a Turquia, Israel e inclusive Chipre) significaria correr um risco
insensato.
A exclusão da
Rússia, por Bruxelas, quando da reunião sobre a gestão da crise, veio reforçar
a posição da linha política russa que pretende criar uma alternativa à UE no
espaço euro-asiático, em detrimento da linha que sempre se sentiu tentada pela
possibilidade de cooperação com a União. Esta evolução é muito conveniente para
figuras influentes do Kremlin, como Sergei Glaziev, conselheiro de Putin e
vice-secretário-geral da Comunidade Económica Euro-Asiática (CEEA).
Reduzir a
influência russa
A UE vai conseguir
libertar o seu pátio das traseiras cipriota da influência russa, que se exerce
tanto no setor financeiro como ao nível da recolha de informação sensível sobre
a política de Bruxelas junto de fontes locais. Mas é esse o único benefício que
a UE pode esperar retirar. A lista das perdas que a vingança de Moscovo causará
à União é vasta, segundo especialistas russos e ocidentais. Vai do lançamento,
em represália, de impostos sobre as transações comerciais e financeiras das
empresas da UE (sobretudo alemãs) à aplicação rigorosa das regras sobre a
obtenção de autorizações, passando por aquilo que constitui o instrumento de
eleição da administração russa: as "rusgas" realizadas por inspetores
das autoridades financeiras, dos serviços de higiene e segurança no trabalho,
dos bombeiros, etc.
Resta saber se a
Rússia aceitará no seu próprio território leis que facilitem as operações
financeiras. Nesse caso, o Estado russo poderia sair reforçado, porque as
preocupações dos empresários russos perante a política imprevisível "de
confiscação" da UE servem os seus interesses.
É ainda mais
provável que a Rússia venha a intensificar os seus esforços no sentido de
tentar impor o rublo e o yuan chinês como moedas de reserva. O facto de a
gestão da crise cipriota ameaçar igualmente os interesses chineses e indianos
pode ajudar. Não há dúvida que a UE "deu um tiro no pé", com a sua
própria arma do "nacionalismo". E também prejudicou a sua reputação.
Alimentou as preocupações que a imprevisibilidade da UE suscita e reforçou a
posição das potências desejosas de construir "centros alternativos"
de influência mundial.
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