Martinho Júnior,
Luanda
1 – O capitalismo
neo liberal e suas obrigatórias políticas de portas abertas em África está a
assumir-se recorrendo às velhas potências coloniais, às multinacionais que lhes
são decisivas e às suas esferas de influência, o que não é uma questão
fortuita: de facto está em curso um regresso às origens sombrias dum passado de
pouco mais de meio século, a ponto da arquitectura e engenharia do presente
estar a constituir-se como um autêntico colonialismo do século XXI!
Em “A guerra do
ocidente contra África”, Dan Gazebrook sintetiza:
“O que o ocidente
obtém da África é obtido de várias, muitas maneiras. Dentre essas maneiras, os
fluxos ilícitos de recursos; os lucros que, invariavelmente, acabam nos cofres
dos bancos ocidentais pelas trilhas dos paraísos fiscais, como já está
fartamente documentado no livro PoisonedWells [Poços envenenados], de Nicholas
Shaxson. Ou pelo mecanismo de extorsão do sistema das dívidas nacionais, pelo
qual bancos ocidentais emprestam dinheiro a governantes militares, quase sempre
postos no poder com a ajuda de forças ocidentais, como Mobutu, ex-presidente do
Congo; esses governantes apropriam-se do dinheiro emprestado, quase sempre em
contas privadas no próprio banco que emprestou ao país, cabendo ao país a
missão de pagar juros exorbitantes que crescem exponencialmente.
Pesquisa recente de
Leonce Ndikumana e James K. Boyce descobriu que mais de 80 centavos de cada
dólar emprestado deixaram o país devedor em voos do capital, no período de um
ano, sem jamais terem sido investidos no país devedor; e que US$ 20 bilhões são
drenados da África, por ano, como pagamento do serviço da dívida desses
empréstimos essencialmente fraudulentos.
Outra via pela qual
a África serve ao Ocidente, muito mais que o contrário, é o saque de minérios.
Países como a República Democrática do Congo são saqueados por milícias armadas
que roubam recursos naturais do país e os revendem a preços inferiores aos dos
mercados a empresas ocidentais; muitas dessas milícias são controladas de
países vizinhos, como Uganda, Ruanda e Burundi, os quais, por sua vez, são
patrocinados pelo ocidente - como relatam rotineiramente os relatórios da ONU.
E há também a via,
talvez a mais importante, pela qual a África serve ao Ocidente, muito mais que
o contrário: os preços escandalosamente baixos pagos na compra de matérias
primas da África e, sempre, da força de trabalho africana que minera minérios,
cultiva o que seja cultivável ou colhe o que tenha de ser colhido. Assim
acontece que a África, de fato, subsidia os altos padrões de vida no ocidente e
as empresas e corporações ocidentais.
Esse é o papel
atribuído à África pelos donos da economia capitalista ocidental: fornecedora
de recursos e de mão de obra de baixo preço. Para que o trabalho e os recursos
continuem baratos, exige-se, basicamente, que a África continue subdesenvolvida
e pobre; se prosperar, os salários crescem; se se desenvolver em termos
tecnológicos, os preços dos recursos se somarão ao valor agregado antes da
exportação; e valor agregado tem de ser pago”…
2 – Outro analista
de África, Carlos Lopes Pereira, sintetiza por seu turno em “O saque
imperialista das riquezas de África”:
“O imperialismo
planeia dominar os países do Norte de África e desestabilizara região e todo o
continente de forma a perpetuar a pilhagem das riquezas africanas.
A agressão da NATO
à Líbia (produtor de petróleo), a intervenção da França no Mali (ouro e
urânio), a construção de uma base militar dos EUA no Níger (urânio) e o cerc» à
Argélia (petróleo e gás) são peças dessa estratégia que visa, face à crise do capitalismo
mundial, intensificar a exploração dos trabalhadores e o saque dos recursos
naturais africanos”…
…
“Em 2008 surgiu o
Africom, comando militar que o presidente G. W. Bush pretendia instalar em
território africano. Mas a UA rejeitou a presença de tropas norte-americanas e
o Africom teve de montar o quartel-general na Alemanha.
Maior humilhação
para os EUA foi ver Khadafi eleito presidente da UA em 2009 e a Líbia tornar-se
o principal suporte da organização pan-africana.
O Império não
tolerou as propostas da UA no sentido de um processo de integração africana.
Depois de justificar a agressão à Líbia com um pacote de mentiras ainda maior
do que o que servira de pretexto para a invasão do Iraque – como escreve
Glazebrook –, a NATO destruiu o país, reduziu-o à condição de mais um estado
africano falhado e facilitou a tortura e o assassinato de Khadafi, assim se
libertando de um seu opositor.
A guerra contra o
coronel destruiu o seu regime e também a paz e a segurança no Norte de África.
O dirigente líbio
tinha organizado desde 1998 a Comunidade de Estados Sahel-Saharianos, com o
foco na segurança regional, travando a influência das milícias salafistas e
apaziguando os líderes tribais tuaregues.
Com a queda de
Khadafi, os radicais islâmicos da região obtiveram armas modernas – cortesia da
NATO – e as fronteiras meridionais da Líbia entraram em colapso.
A primeira vítima
dessa desestabilização regional foi o Mali. O avanço islamita, resultado da
agressão à Líbia, foi pretexto para a intervenção militar da França”…
3 – A actual
“narrativa” da França em África está intimamente associada à perspectiva da
lógica capitalista neo liberal para o continente, às obrigatórias políticas de
portas abertas a favor das multinacionais estratégicas que são o esqueleto do seu
poder e domínio, ao “diktat” económico e financeiro que gere a enorme área do
Franco CFA desvalorizado, aos Tratados Militares e de Segurança paridos do seu
tradicional saque em relação aos países africanos redundantes do seu império
colonial e aos fantoches que para serem trocados não precisam sequer das
“democracias representativas”, basta a sucessão de rebeliões e golpes de
estado, golpes de estado e rebeliões, sem fim à vista…
Nessa perspectiva
os radicais islâmicos são os “amigos úteis” de serviço, como o foram no caso da
manobra da Líbia, ou “inimigos úteis” de serviço, sem os quais impossível seria
estabelecer sua geo estratégia e utilizar seu próprio poder militar, como o são
nos casos do Mali, do Níger, do Tchade e da República Centro Africana, os
países do Sahel que para a França constituem o verdadeiro “arco do urânio”, a
actual “coroa de glória” da “FrançAfrique”!
…Foram-se os
“terríveis” comunistas, chegaram os “terríveis” terroristas e, quando se acabar
a actual saga, outros “terríveis” se seguirão, para que se perpetue o domínio…
A “FrançAfrique”
enquanto Projecto (neo) colonial em pleno século XXI, inscreve-se assim com
toda a permeabilidade e facilidade no processo da hegemonia anglo-saxónica, com
todos os condimentos que ele possui, estabelecendo o contraponto do domínio com
a África Austral liderada pela emergente África do Sul enquanto sucedâneo do
poderoso esboço imperial de Cecil John Rhodes.
A competição parece
clara: dum lado a “FrançAfrique” ciosa do “espaço natural” do império colonial
francês em África que tem no CEDEAO sua engenharia dilecta mas que procura a
todo o transe chegar-se cada vez mais a sul, do outro um ainda muito incipiente
emergente, que confunde os BRICS em razão do histórico espectro anglo-saxónico
de que de algum modo se nutre, um espectro que se inscreve na origem da União
Sul Africana, mas também na ebulição do “apartheid” e se faz valer sobretudo na
SADC, por via agora do módulo “correctivo” da “democracia representativa”…
4 – O poder da
“FrançAfrique” com o actual enquadramento que lhe é conferida em função das
linhas com que se define a hegemonia, chegou ao ponto de criar as condições
para que, por exemplo, até o Tribunal Penal internacional emite cada vez mais
decisões parciais e por conseguinte injustas.
Essa questão está a
ser posta a nu pelo Human Rights Watch em relação ao facto de, no que diz
respeito aos acontecimentos sangrentos na Costa do Marfim, só se sentar no
banco dos réus Laurent Gbagbo, quando nele deveria estar também sentado
Alassane Ouattara.
A razão de fundo é
só uma: enquanto o que está sentado no banco dos réus não era simpático aos
interesses e procedimentos do âmbito da “FrançAfrique”, o actual Presidente da
Costa do Marfim é um dos seus promotores africanos, um “esclarecido” fantoche!
Mapa: A divisão de
tarefas coloniais em África em pleno século XXI!
A consultar:
- A guerra do
ocidente contra África – http://www.odiario.info/?p=2813
- O saque imperialista
das riquezas de África – http://www.odiario.info/?p=2802
- Les vraies
visages du terrorisme en Afrique – http://www.legrandsoir.info/les-vrais-visages-du-terrorisme-en-afrique.html
- Redesenho de
África: os EUA apoiam a Al Qaeda no Mali. A França vem em socorro – http://www.mondialisation.ca/redessiner-lafrique-les-etats-unis-appuient-al-qaida-au-mali-la-france-vient-a-sa-rescousse/5319230
- Por que razão a
Europa não deve perder a influência – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/02/ue-africa-por-que-razao-europa-nao-deve.html
- A invasão real da
África não está nos noticiários – http://resistir.info/pilger/pilger_31jan13.html
- França neo
colonial – http://www.odiario.info/?p=2773
- AREVA – Wikipedia
– http://fr.wikipedia.org/wiki/Areva
- TOTAL S. A. – http://en.wikipedia.org/wiki/Total_S.A.
- TOTAL accélère
son dévelopment en Afrique – http://www.lesafriques.com/actualite/total-accelere-son-developpement-en-afrique.html?Itemid=89
- L’Afrique enrichi
le Groupe Bolloré: ou est la responsabilité social de l’entreprise? – http://www.africamaat.com/L-Afrique-enrichit-le-Groupe
- Business profits
souterrains et stratégie de la terreur. La recolonisation du Sahara – http://www.legrandsoir.info/business-profits-souterrains-et-strategie-de-la-terreur-la-recolonisation-du-sahara.html
- FrançAfrique –
Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7afrique
- Les zones d’ombre
de l’intervention française au Mali – http://survie.org/francafrique/mali/article/les-zones-d-ombres-de-l;
http://survie.org/IMG/pdf/Dossier_d_information_-_Les_zones_d_ombres_de_l_intervention_francaise_au_Mali_-_Survie_-_24_janvier_2013.pdf
- Quand
la France se brûle les doigts dans le brasier syrien – http://www.afrique-asie.fr/component/content/article/75-a-la-une/5323-quand-la-france-se-brule-les-doigts-dans-le-brasier-syrien.html
- O arco de crise
em direcção a África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html
- África obrigada a
reagir – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/07/africa-obrigada-reagir.html;
http://www.debatesculturais.com.br/africa-obrigada-a-reagir/
- O fardo da
hegemonia – http://www.debatesculturais.com.br/africa-obrigada-a-reagir
- La CPI a légitimé
une justice dês vainqueurs – http://www.slateafrique.com/141973/justice-internationale-partiale-cote-divoire-cpi
- Le rapport de Human
Rights Watch qui éclabousse Ouattara – http://www.slateafrique.com/141685/cote-divoire-rapport-human-rights-watch-eclabousse-ouattara;
http://www.hrw.org/sites/default/files/reports/CDI0413fr_ForUpload.pdf
1 comentário:
CONSTATE-SE A IMENSA HIPOCRISIA, O IMENSO CINISMO DE SARKOZY, "PATRONO" DE HOLLANDE NO SAQUE:
Discurso de Dakar - O neocolonialismo, o paternalismo e o racismo explícitos de Sarkozy
http://matutacoes.org/2012/01/11/discurso-dakar-neocolonialismo-paternalismo-racismo-explicitos-sarkozy/
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