Pedro Santos
Guerreiro - Jornal de Negócios, opinião
Não há demissão,
não há eleições antecipadas, não há aumento de impostos. Muito bem. Há corte de
despesa. O Presidente apoia. E o Constitucional abre a porta à igualdade
definitiva entre funcionários públicos e privados. Afinal, o que poderia Passos
Coelho querer mais para fazer o que sempre quis?
Passos aprendeu a
lição. Desta vez, não foi apanhado a sair da ópera nem a entrar para o Coliseu.
Geriu a reacção. Dramatizou. Culpou o Tribunal Constitucional. E prepara-se
para aproveitar as janelas que se abriram à frente da porta que se fechou. É
uma habilidade política. É uma oportunidade para cumprir uma política para o
Estado que nunca se fez.
Passos Coelho quis
fazer do programa de ajustamento a via para reformar o Estado e criar
instituições para uma sociedade mais moderna, numa cultura de concorrência e
numa economia com igualdade de direitos e oportunidades. Não o conseguiu porque
nem tentou. Em vez do progresso, ficou-se pelo regresso - aos mercados. Ainda
hoje não sabemos o que quer o Governo para a reforma do Estado. Sabemos que é
preciso cortar despesa pública para sempre. Mas o objectivo de reduzir 2,5 mil
milhões em 2014 para um total de quatro mil milhões em 2015 tornou-se política
e socialmente impossível. Até ao chumbo do Constitucional?
O país que não quer
mais impostos deixou de querer cortes de despesa quando percebeu que isso
significa salários e pensões. Mas esse é o caminho certo, sempre foi. Mas é um
caminho, não é um destino. O caminho será agora provavelmente fechar hospitais,
reduzir subsídios, despedir professores, extinguir empresas públicas. Parte
desse caminho já devia ter sido percorrido há muito. Dois anos depois do pedido
de intervenção externa, as famílias e as empresas ajustaram-se, o Estado não.
O Constitucional
escancara ainda outra janela: a da igualdade entre funcionários públicos e
privados. Nesta coluna, sempre se escreveu que o Constitucional faz justiça e
não política. E sempre se criticou qualquer desigualdade entre funcionários
públicos e trabalhadores privados. Qualquer. Por isso aqui se foi contra o
corte de salários da função pública mas a favor do despedimento de
funcionários. Se o Tribunal defende a igualdade, defende... toda a igualdade.
Igualar significa
que os 65% dos funcionários que não podem ser despedidos por terem contrato em
funções públicas devem poder ser despedidos como os privados; que outros 15%
que têm vínculo de nomeação também não devem estar protegidos; que possa
portanto haver despedimentos colectivos; que na função pública se trabalhe
também até 40 horas (e não 35) por semana, que as férias sejam de 22 dias (e
não de 25 a 32) por ano; que haja igualdade nas pensões, que por exemplo juízes
do Tribunal Constitucional não se possam reformar aos 40 anos, como os
deputados já não podem ao fim de 12 anos de Assembleia; que a ADSE deixe de ser
financiada pelos contribuintes. Por outro lado, os funcionários públicos não
devem ter salários discriminatoriamente cortados, devem ter acesso a subsídio
de desemprego, devem trabalhar em instituições onde o mérito e não a cunha
prevaleça, onde os chefes sejam altos dirigentes da administração pública e não
amigos do partido, onde a política salarial seja feita sem automatismos e com
incentivo.
Haverá pedidos de
flexibilização de défice e renegociação de condições da dívida pública. A
austeridade que aí vem aumentará a pobreza, por via dos cortes sociais, e o
desemprego, por via dos funcionários públicos. Até porque, mais uma vez, a nova
austeridade não substitui a velha, acumula. Cortar despesa do Estado é apenas
uma parte do que está em causa, que é um Estado melhor, um sistema político não
corrompido, instituições mais fortes, uma sociedade com um projecto em que
acredite. Passos Coelho perdera já qualquer ensejo. Vai esta decisão do
Constitucional e a saída de Miguel Relvas do Governo virar a página ou rasgar o
livro?
Aqui entra o PS. O
país está politicamente extremado: direita de um lado, esquerda do outro, o
centro temporariamente vazio. Há um corte de relações. Se este corte for
permanente, o Governo que não acabou em 7 de Abril não dura até 15 de Outubro.
Este ano, o desvio do défice acomoda-se. Mas para o Orçamento para 2014 é
impossível dobrar sem partir. O país não reforma bem sem a esquerda e a direita
sentadas ao centro. E nem Passos nem Seguro estão a mover um grama da montanha
que ergueram entre si.
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