Como Getúlio e
Juscelino, cada um deles em seu tempo, Lula é símbolo do povo brasileiro.
Acusam-no hoje de ajudar os empresários brasileiros em seus negócios no
Exterior. O grave seria se ele estivesse ajudando os empresários estrangeiros
em seus negócios no Brasil.
Mauro Santayana –
Carta Maior
O Ministério
Público do Distrito Federal – por iniciativa do Procurador Geral da República –
decidiu promover investigação contra Lula, denunciado, por Marcos Valério, por
ter intermediado suposta “ajuda” ao PT, junto à Portugal Telecom, no valor de 7
milhões de reais.
O publicitário Marcos Valério perdeu tudo, até mesmo o senso da conveniência. É
normal que se sinta injustiçado. A sentença que o condenou a 40 anos de prisão
foi exagerada: os responsáveis pelo seqüestro, assassinato e esquartejamento de
Eliza Salmúdio foram condenados à metade de sua pena.
Assim se explica a denúncia que fez contra o ex-presidente, junto ao Procurador
Geral da República, ainda durante o processo contra dirigentes do PT.
O Ministério Público se valeu dessas circunstâncias, para solicitar as
investigações da Polícia Federal - mas o aproveitamento político do episódio
reclama reflexões mais atentas.
Lula é mais do que um líder comum. Ele, com sua biografia de lutas, e sua
personalidade dotada de carisma, passou a ser um símbolo da nação brasileira,
queiramos ou não. Faz lembrar o excelente estudo de Giorg Plekhanov sobre o
papel do indivíduo na História. São homens como Getúlio, Juscelino e Lula que percebem
o rumo do processo, com sua ação movem os fatos e, com eles, adiantam o destino
das nações e do mundo.
Há outro ponto de identificação entre Lula e Plekhanov, que Lula provavelmente
desconheça, como é quase certo de que desconheça até mesmo a existência desse
pensador, um dos maiores filósofos russos. Como menchevique, e parceiro teórico
dos socialistas alemães, Plekhanov defendia, como passo indispensável ao
socialismo, uma revolução burguesa na Rússia, que libertasse os trabalhadores
do campo e industrializasse o país. Sem passar por essa etapa, ele estava
convencido, seria impossível uma revolução proletária no país.
É mais ou menos o que fez Lula, em sua aliança circunstancial com o
empresariado brasileiro. Graças a essa visão instintiva do processo histórico,
Lula pôde realizar uma política, ainda que tímida, de distribuição de renda,
com estímulo à economia. Mediante a retomada do desenvolvimento econômico, com
a expansão do mercado interno, podemos prever a formação de uma classe operária
numerosa e consciente, capaz de conduzir o processo de libertação.
Não importa se o grande homem público brasileiro vê assim a sua ação política.
O importante é que esse é, conforme alguns lúcidos marxistas, começando pelo
próprio Marx, o único caminho a seguir.
Como Getúlio e Juscelino, cada um deles em seu tempo, Lula é símbolo do povo
brasileiro. Acusam-no hoje de ajudar os empresários brasileiros em seus
negócios no Exterior. O grave seria se ele estivesse ajudando os empresários
estrangeiros em seus negócios no Brasil.
Lula não é uma figura sagrada, sem erros e sem pecados. É apenas um homem que
soube aproveitar as circunstâncias e cavalga-las, sempre atento à origem de
classe e fiel às suas próprias idéias sobre o povo, o Brasil e o mundo.
Mas deixou de ser apenas um cidadão como os outros: ao ocupar o seu momento
histórico com obstinação e luta, passou a ser um emblema da nacionalidade.
Qualquer agressão desatinada a esse símbolo desatará uma crise nacional de
desfecho imprevisível.
*Mauro Santayana é
colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na
Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou
nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82),
de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África
do Norte.
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