LA REPUBBLICA, ROMA
– Presseurop – imagem Nath Paresh / Caglecartoons
Depois de dois
meses de crise política, o novo Governo liderado por Enrico Letta parece
responder, pelo menos em parte, ao apelo a favor de uma renovação da classe
política em Itália. Restam algumas incógnitas, começando pela aliança com
Silvio Berlusconi e os seus problemas judiciais.
Ninguém ignora as
dificuldades que esperam o novo Governo. Baseia-se numa aliança que terá
dificuldades em ultrapassar a sua natureza de quimera semi-progressista,
semi-conservadora, com uma linha política obscura e um eleitorado de
centro-direita em crise, confuso com o pacto com Berlusconi.
Este Governo é, de
resto, fruto da urgência e de um resultado eleitoral no mínimo nebuloso. Sem
maioria clara e com um Partido Democrata (PD) – primeiro partido do país –
esfrangalhado, por causa da maneira calamitosa como geriu a eleição
presidencial.
No entanto, este
Governo representa, de certa maneira, uma viragem no remanso da política
italiana. De uma só vez, quase todos os chefes de fila que lideraram e
condicionaram a vida do país nos últimos vinte anos foram afastados. Não
faltaram as pressões a favor do status quo – tanto da parte dos
partidos como do exterior. Mas a necessidade de renovação e de sucessão acabou
por prevalecer.
“Congelado” para a
política
O Presidente da
República, Giorgio Napolitano, desempenhou um papel determinante. Por agora, o
resultado é surpreendente: o centro-esquerda perdeu os seus líderes históricos.
Alguns tentaram, não sem insistência, ficar no novo gabinete, mas não
conseguiram. Perdendo também, talvez, a sua última hipótese [de governarem].
Pela primeira vez,
desde 1994, o centro-direita faz parte de uma equipa governamental sem Silvio
Berlusconi. O símbolo dessa época ficou sem lugar. Tal como os seus antigos
ministros. O primeiro-ministro anterior, Mario Monti, também ficou de lado.
“Congelado” para a política sendo quase um septuagenário. Sem dúvida,
assistimos ao fim de um ciclo. Resta saber se é o início de um New Deal.
A idade média dos
membros da equipa de Letta é muito mais baixa do que a do Governo cessante. Com
a nomeação, pela primeira vez na história de Itália, de um ministro de origem africana.
É a imagem mais
marcante das mudanças que estão a acontecer na sociedade italiana e na sua
estrutura demográfica. Assim sendo, o primeiro-ministro conseguiu constituir
uma equipa melhor do que a aliança que a apoia. Se pensarmos nesta coligação,
talvez tenha conseguido evitar o pior. Ainda assim, essas escolhas, apesar de,
em parte, necessárias, marcam agora um ponto de não-retorno.
Difícil voltar aos
símbolos da velha geração
A partir de agora
será difícil, nas próximas eleições ou na formação de um novo governo, voltar
aos símbolos da velha geração. A Itália fez uma limpeza profunda, como durante
a “operação mãos limpas” dos anos de 1992-1994, mas sem processos. Uma operação
que fez recuar um dos vícios típicos de Itália: a tutela quase feudal das
posições dominantes – o ascensor social frequentemente bloqueado, a classe
política agarrada ao poder.
Para Enrico Letta,
no entanto, este foi apenas o primeiro obstáculo. E para o ultrapassar, teve de
pagar um preço: confiou o poderoso Ministério do Interior a Angelino Alfano, o
braço direito do Cavaliere. Um Ministério que é igualmente determinante para os
problemas judiciais do líder do PDL. O Partido Democrata perdeu a quase
totalidade dos grandes ministérios, apesar de ter segurado as pastas
socioculturais. Uma situação que vai obrigar o novo inquilino do Palácio Chigi
[sede da presidência do Conselho de Ministros] a fazer, diariamente,
malabarismos entre as reticências do centro-direita e as exigências de mudança.
Cavaliere é o
principal obstáculo
Porque o mal-estar
reinante entre os simpatizantes e a opinião pública de centro-esquerda acabará
por se manifestar. As contradições são demasiado evidentes e os confrontos dos
últimos 20 anos estão demasiado abertos para se poder esquecer, de um dia para
o outro, os conflitos de interesse, as leis feitas à medida e a política
económica que reforçou as desigualdades e aumentou o fosso entre pobres e ricos
deste país (10% das famílias mais ricas possuem atualmente cerca de 45% da
riqueza total do país).
Enrico Letta sabe,
sem dúvida, que o principal obstáculo no seu caminho será o Cavaliere.
Sobretudo, a volubilidade política deste último, diretamente proporcional aos
seus problemas judiciais. Essa será a verdadeira variável incontrolável para o
palácio Chigi. Enrico Letta vai precisar de provar – mesmo ao seu eleitorado
mais rebelde – que este casamento da carpa com o coelho é útil ao país e que a
aliança com o centro-direita não terá efeitos nocivos para o contrato.
REAÇÕES
Otimismo em
Bruxelas, preocupação em Berlim
Após a nomeação do
Governo de Enrico Letta, “o sentimento predominante em Bruxelas oscila entre a
prudência, o alívio e o otimismo”, escreve o jornal Il Sole
24 Ore. Para este diário económico,
a Itália é, em
vários aspetos, considerada como decisiva na crise da dívida soberana. Por
enquanto, os mercados confiam no establishment italiano. […] A
esperança de Bruxelas é que o Governo se mantenha em funções pelo maior período
de tempo possível, para evitar novas eleições demasiado rápido. […] O regresso,
em Itália, de um Executivo com plenos poderes é igualmente útil para
reequilibrar as relações de força no seio de um Conselho, no qual a fraqueza
francesa, a fragilidade espanhola e a insegurança italiana deram à Alemanha um
peso que não convém nem à Europa nem à própria Alemanha.
No entanto, apesar
de o passado de Letta como deputado europeu contribuir para tranquilizar os
seus parceiros europeus, as declarações que fez logo após a nomeação, segundo
as quais “a UE deve mudar estas políticas demasiado centradas na austeridade,
que não são suficientes”, irritaram profundamente o Governo alemão e, em
especial, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, salienta o Linkiesta. Em
Berlim, receia-se que o novo Governo venha a alimentar o debate lançado, na
semana passada, pelas declarações do
presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, sobre os “limites
da austeridade”.
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