JOSÉ MORGADO – Público,
opinião
Sempre que passa
mais um 25 de Abril, e já lá vão muitos, sobretudo nos últimos anos em que as
dificuldades têm crescido e atormentado mais gente, são razoavelmente
frequentes discursos de descrença e desesperança ouvindo-se enunciados como
“afinal o 25 de Abril... e estamos como estamos”, ou “isto está pior do antes
do 25 de Abril”.
Devo dizer que não
simpatizo com este tipo de enunciados e daí estas notas. Sendo certo que
estamos atravessar tempos de chumbo e com a confiança em baixo, também é
verdade que não é sequer possível comparar o Portugal de hoje com o país de
1973.
Para refrescar
algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale
da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta. Escolho falar da
escola porque é uma área que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo
exercício em todas as outras áreas de funcionamento da nossa sociedade.
Não me esqueço,
antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto,
atravessa um período complicado e com problemas muito sérios, mas só a falta de
memória ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vou-vos
falar um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
Na escola do meu
tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco
tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava
para um país atrasado, rural e sem necessidade de qualificação.
Na escola do meu
tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
Na escola do meu
tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro
trazia.
Na escola do meu
tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por
nada.
Na escola do meu
tempo, ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer
que fosse.
Na escola do meu
tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
Na escola do meu tempo
aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e
dos filhos.
Na escola do meu
tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia
para o campo”.
No tempo da minha
escola, quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas,
só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da
quarta classe, não era frequente naquele meio. Para ser serralheiro como ele
não precisava de estudar mais.
Na escola do meu tempo
não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do
Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa
para não falar de certas coisas na escola, era perigoso. As pessoas até podiam
ser presas e maltratadas.
Sim, eu sei, não
precisam de me dizer que a escola deste tempo ainda tem muitas coisas parecidas
com a escola do meu tempo. Também estou muito preocupado com o que vai
acontecendo na escola de hoje.
Mas o caminho é
mesmo melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu
tempo.
José Morgado é
professor universitário no Instituto Superior de Psicologia Aplicada -
Instituto Universitário
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