Ex-presidente
brasileiro e atual mandatário uruguaio participam do debate em Montevidéu
“Transformações em risco? Perspectivas e tensões do progressismo na América
Latina”. "Penso que nós não devemos ter monopólios de mídia no Brasil,
onde poucas famílias mandam no setor", disse Lula. Já Mujica comparou o
“despotismo” da ditadura militar com o comportamento dos grandes conglomerados
de comunicação e defendeu “mecanismos de regulação”.
Leonardo Wexell
Severo e Isaías Dalle - Carta Maior
Montevidéu -
“No mundo inteiro os líderes políticos reclamam dos meios de comunicação. Eu já
ouvi o Obama reclamando, a Merkel, e dirigentes de vários países. Esse é um
tema muito delicado e penso que nós não devemos ter monopólios de mídia no
Brasil, onde poucas famílias mandam no setor. Isso é contra a democracia que,
para mim, não é uma coisa menor. A democracia é a única razão de ser e a única
maneira de um governo de esquerda implementar as mudanças necessárias”.
A afirmação acima foi feita pelo ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da
Silva, na noite desta quinta-feira (4), na sede do Parlamento do Mercosul, em
Montevidéu, no debate entre lideranças políticas e sindicais “Transformações em
risco? Perspectivas e tensões do progressismo na América Latina”, realizado
pela Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas
(CSA), com o apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES).
O presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, comparou o “despotismo” da ditadura
militar com o comportamento dos grandes conglomerados de comunicação e defendeu
“mecanismos de regulação” que garantam a diversidade de opiniões. Hoje,
condenou, “a liberdade de imprensa tem de passar pelo olho da fechadura de um
sistema empresarial muito estreito”. Na verdade, esclareceu, em vez de
liberdade de imprensa o que há é liberdade de empresa, havendo uma manipulação
“do peso conceitual aparente, através de posições políticas e filosóficas
conservadoras”.
O tema da democratização dos meios de comunicação foi introduzido no debate
pelo secretário geral da CSA, Victor Báez, o primeiro a responder à pergunta do
mediador, o historiador Gerardo Caetano, sobre os desafios mais imediatos da
América Latina para consolidar e avançar a democracia e o combate à
desigualdade. “Nós do movimento sindical notamos que toda vez que a imprensa
noticia algum tema de cunho social, a matéria vem cheia de preconceito e
críticas ao processo de inclusão”, declarou Victor.
Combate à desigualdade
Ainda que apontando alguns dos inúmeros avanços obtidos do ponto de vista
econômico e social na última década, o moderador lembrou que a região continua
apresentando a terceira maior desigualdade de renda do planeta e questionou os
debatedores sobre quais as medidas a serem adotadas frente à tamanha
adversidade.
Lula respondeu que a primeira ação é o povo continuar elegendo governos
democrático-populares, “pois não se consegue mudar em 10 anos toda uma herança
de desmandos, mas é possível que um governo conservador retroceda do dia para a
noite”. “Em vários dos nossos países da América Latina conseguimos reafirmar o
Estado como um polo de desenvolvimento. Conseguimos acabar com a ideia que o
Estado não servia, não prestava, e que o mercado, que só atua onde tem lucro, é
quem tinha as soluções. Mas o que vimos na Europa é que o deus mercado faliu e
quem teve de socorrer foi o pobre diabo do Estado”, advertiu.
O presidente uruguaio disse acreditar na capacidade essencialmente renovadora
da democracia, que ventila o ambiente e traz elementos rejuvenescidos a cada
tempo. “Esse exercício efetivo, real da democracia, fortalece a participação
popular e supre os erros que, inevitavelmente, serão cometidos por quem
governa”, acrescentou.
Ao comentar o combate à desigualdade, Victor Báez propôs: “Os países têm de
criar impostos sobre os mais ricos. Só vai acabar com a desigualdade e pobreza
quem diminuir a concentração de renda”. Mais adiante, o secretário geral da CSA
também lembrou que os países da região que mais avançaram no combate à
desigualdade são aqueles em que a maioria dos trabalhadores é protegida por
acordos coletivos celebrados por organizações sindicais.
Integração
A necessidade de continuar e fortalecer o processo de integração,
principalmente via o Mercosul, foi apontado como uma das formas de enfrentar as
assimetrias e reduzir os impactos negativos da crise dos países capitalistas
centrais. Os três debatedores concordaram que essa integração, no entanto, não
deve se limitar às trocas comerciais, mas que deve priorizar igualmente a
valorização do trabalho.
“Acho que daqui há 15 anos seremos o Continente mais invejado do mundo, porque
somos detentores de recursos de caráter estratégico, com abundância de água,
por exemplo, com imensas potencialidades que agora começam a se tornar
realidade”, comentou Mujica, ao fazer um prognóstico do futuro da região.
Victor Báez também afirmou sua crença num futuro promissor, desde que a
esquerda e as forças progressistas promovam uma “centrifugação política”, em
que a solidariedade volte a ser um valor essencial.
Encerrando a noite, Lula reiterou seu otimismo em relação ao Continente e às
decisões coletivas que devem ser implementadas, sintetizando nossa perspectiva
de futuro com uma metáfora: “Quem comeu carne pela primeira vez dificilmente
vai se acostumar a comer sem carne. Não há nada que faça a América Latina
retroceder. Que se cuide quem quiser ser governo, pois o povo aprendeu a
conquistar as coisas”.
Fotos: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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