sábado, 6 de abril de 2013

NEOLIBERALISMO, DOMÍNIO E ALIENAÇÃO




Rui Peralta, Luanda

I - Não é o neoliberalismo apenas uma ideologia que defenda a retirada do estado, ou o seu desmantelamento a favor do mercado, um laissez faire da invisible hand do capital financeiro. Não. Nem é o neoliberalismo, apenas uma construção positiva que se apropria da ordem do Estado, nem um permanente produtor de regras institucionais, jurídicas e normativas que dão forma a uma nova racionalidade dominante, conforme supunha Foucault ou conforme supõem os seus actuais acólitos como Christian Laval e Pierre Dardot. Afirmar que essa racionalidade apossou-se do tecido social institucional da União Europeia, é uma visão irrealista da situação, tão irrealista como garantir que o neoliberalismo é apenas uma máquina que destrói as regras ou que esta racionalidade propõe-se organizar uma nova relação entre governantes e governados, baseada na maximização do lucro como princípio universal extensível a todos os elementos da esfera pública.

O neoliberalismo é a fase actual do capitalismo e a fase actual do capitalismo é caracterizada pelo necessário reordenamento institucional, a começar pelo Estado como aparelho central do domínio. E isso acontece porque estamos perante um rejuvenescimento das elites capitalistas (as elites do mercado), que necessitam de novas regras políticas e económicas para se implementarem. Isso implica novas regras institucionais, jurídicas e normativas, mas a racionalidade dominante e o papel cru e fundamental do Estado são os mesmos.

A racionalidade dominante permanece a racionalidade do domínio do capital, instaurada pela burguesia quando se apossou definitivamente do Estado, no século XVII. Desde esse instante que a mão invisível ficou livre para desferir golpes por toda a parte e em todas as esferas da vida social, ao ponto de transformar toda a teia multifacetada da realidade humana em uma só realidade: a realidade económica.

No estado actual do capitalismo, a fase neoliberal, as crises já não derivam das imperfeiçoes no sistema de produção das mercadorias, mas sim no seu desenvolvimento. Nesta fase o pior mal que o capitalismo faz á Humanidade já não é a exploração, é a expulsão, pela simples razão de que já não haverá mais ninguém que valha a pena explorar. E porquê? Pela mesma razão que terminou a escravatura. Sai mais caro e é menos produtivo.

II  - O Estado moderno é, assim, uma criação da lógica da mercadoria, é a sua outra face. A relação entre Estado e mercadoria mudou sempre que foram efectuados saltos qualitativos no sistema capitalista. Não faz por isso qualquer sentido afirmar que o neoliberalismo é contra o Estado (o que é desmentido na práctica, pois o Estado na fase actual do capitalismo, é neoliberal, porque é essa a característica da actual realidade económica), tal como é de uma extrema falta de discernimento acusar o Capital de ser contra o Estado.

O capitalismo sempre recorreu de forma persistente ao Estado. Sempre que existem convulsões nos sistemas produtivos de mercadoria, ou no mecanismo de circulação das elites do mercado, o capitalismo recorre ao Estado em força e ao Estado forte. É somente nos períodos em que o mercado funciona de forma sustentável que o capital reduz os falsos encargos criados com o aparelho central de domínio.

É por isso um contra-senso a crítica inúmeras vezes efectuada de que o capital destrói o Estado e um delírio as teses da esquerda sobre o regresso do Estado, sempre identificado como Estado Social. Mas a esquerda (toda ela) engana-se ao atribuir ao Estado um poder soberano. Primeiro porque a Politica é - na actual fase de completo domínio do capital, o neoliberalismo - Politica Económica, Tal como na maioria das sociedades pré-capitalistas tudo era motivado pela religião, hoje, nas sociedades capitalistas, tudo é motivado pela economia. Toda a discussão política tem como pano de fundo a questão económica. Após a II Guerra Mundial as diferenças entre a esquerda reformista e a direita parlamentar consistem apenas nas receitas económicas. Na realidade dominante da actual fase do capitalismo, a política já não é soberana e move-se no interior da esfera económica.

A importância do Estado nesta fase é apenas referente áquilo que constituiu a sua origem e que lhe oferece o atributo de Poder: o aparelho repressivo e coercivo. E este é um conceito que coloca os burgueses de esquerda com os cabelos em pé, os calvos cultores do Estado multifuncional, os inventores de funções e atributos extras do Estado. Só que o inexorável mecanismo da circulação das elites capitalistas e os actuais sistemas de produção de mercadorias tornaram obsoleta esta visão do Estado somos todos nós.

O Poder exerce-se, não se partilha! Esta é uma realidade que sempre assustou os falsetes da esquerda.

III  - O sujeito neoliberal, o cidadão alienado da actual fase capitalista, é um ser absolutamente unidimensional, empreendedor, mergulhado no máximo rendimento, um empresário de si mesmo, em constante adaptação, um sujeito que vive uma relação de permanente subordinação com o lucro, o rendimento, a produtividade e a concorrência ilimitada. É um ser profundamente ignorante da sua condição, que vive uma realidade virtual, uma realidade construída em função de, uma realidade que já nem é dominante, mas que é o domínio em si mesmo.

Este sujeito é produzido pelos dispositivos dessa realidade virtual. Como já não necessita de sujeitos que perdurem por muitos anos na cadeia produtiva, o capitalismo na fase actual produz um sujeito de duração produtiva rápida, que se esgota facilmente, em virtude do excedente de produção. É um sujeito que produz em pouco tempo e que depois é dispensado do sistema de produção. Se fez dinheiro sobreviverá mais ou menos ou muito bem, conforme o montante efectuado, se não fez, irá viver dos subsídios atribuídos pelo Estado e viverá muito mal (cada vez pior).

Este é o sujeito produzido pelo capitalismo e ponto alto da alienação. Saber se o sujeito é apenas um produto dos dispositivos do poder, segundo os foucaultianos, ou se a trindade Freud, Heidegger, Lacan, tem razão e existem certos elementos na constituição estrutural do sujeito que nenhuma ordem histórica-politica-económica pode integrar de forma total e definitiva, faz parte desta realidade virtual-económica criada pelo Capital. É uma discussão inerente á cultura burguesa, instituída para os meio académicos e um factor inerente ao processo alienatório intelectual do capitalismo.

De facto é importante manter a distância entre as temática que o capitalismo mantem como orgânicas da sua superestrutura e as temáticas inerente ao homem comum. A figura do intelectual orgânico de Gramsci não é realizada apenas em função da superestrutura proletária, é também realizada na superestrutura burguesa. A Academia serve de fronteira entre as temáticas da superestrutura e as temáticas do homem comum (da estrutura).

IV - Actualmente já não há lugar para oposições ou soluções imanentes ao sistema. É necessário abandonar a ilusão de que os problemas do capitalismo podem ser resolvidos pelas reformas dos mecanismos mercantis. Urge acabar com a besta, para que a besta não acabe connosco.

Durante mais de um século e meio o movimento operário rodeou a besta com milhares de paliçadas e aplicou-lhe fortes grilhetas. Mas em vão. A primeira crise da valorização, ou a primeira contestação mais séria e profunda, são factores suficientes para que a besta esqueça as limitações ao seu espaço. O capitalismo socialmente limitado (Estado Social), democrático, humano e ecológico, passa, de um dia para o outro, a ser apenas aquilo que é: Capitalismo, sem adjectivos, pronto a devorar tudo á sua volta, para assegurar a sua sobrevivência.

V - Angola é o protótipo do deslumbramento perante a atitude alienante do neoliberalismo. As insuficiências registadas nos serviços públicos de distribuição são um exemplo flagrante do que é a simulação de incompetências diversas. Luanda é uma capital africana submersa em crises constantes na distribuição energética e nas péssimas condições do abastecimento de água, constituindo este ultimo factor uma ameaça á saúde publica, sendo a qualidade da agua paga pelos consumidores de Luanda responsável pelos desastrosos índices de febre tifóide, cólera e outras maleitas que aos poucos dizimam os cidadãos mais incautos.

As desculpas iniciais recaiam sobre a guerra, causadora da destruição das infra-estruturas. No entanto hoje torna-se evidente que para alem desse factor existe um boicote constante ao abastecimento, criado por uma evidente incompetência técnica e indisciplina no local de trabalho, cujo objectivo mais não é do que demonstrar que o estado não é competente para lidar com esses serviços, implantando a crença da necessidade de privatizar esses serviços de forma a melhorar a sua qualidade. Nada mais falso, atendendo á rapinagem da burguesia nacional angolana, habituada ao lucro fácil e a uma estranha engenharia financeira que consiste em misturar facturação com lucro, ou á fome e avidez de resultados que caracterizam o investimento estrangeiro que acorre ao país, na sua maioria constituído por investidores que fogem á crise nos seus locais de origem.

Em sectores como o transporte, saúde, educação, o panorama é tão criminoso como o da energia e da água. Com uma burguesia nacional incipiente e subserviente ao capital estrangeiro, grande parte dos empreendedores, empresários e outras aves raras são quadros superiores provenientes do sector público e do aparelho militar e de segurança (Forças armadas e Policia Nacional) que gerem a rede de transportes, clínicas e estabelecimentos de ensino médio e superior, pela bitola das suas carteiras rotas e sem fundo e no mesmo quadro de preocupações de gestão que têm com as inúmeras cantinas em sociedade com malianos, senegaleses e outros cidadãos provenientes da África Profunda. A isto será necessário acrescentar os negócios dos ministros, governadores provinciais, etc., negócios que decorrem das suas actividades administrativas como servidores públicos (não servem o cidadão mas servem-se a si próprios).

Este quadro degradante do neoliberalismo é um padrão visível em vastas áreas do continente africano, com mais ou menos condimentos. Neste quadro deve-se acrescentar o papel das igrejas no factor da alienação geral. Grande parte das igrejas e dos seus pastores, padres e pregadores, inculcam na cabeça dos crentes os comportamentos e forma de estar do homo sapiens neoliberal, gerando seres completamente iludidos e deslumbrados com a riqueza (coisa que, na sua grande maioria, nunca chegarão a ter, nem mesmo após o passamento físico).

Cidadãos dóceis, iludidos e mergulhados nos seus umbigos, eis o papel do neoliberalismo em África, para que o Capital possa melhor subjugar as grandes e amplas massas africanas e implementar os novos desígnios territoriais neocoloniais, baseado na nova cartografia que o imperialismo desenhou para o continente.

(Dar-es-Salam / Turim / Luanda, Março de 2013)

Fontes
Jappe, Anselm. Les aventures de la marchandise – Pour une nouvelle critique de la valeur ; Ed. Denoël, Paris, 2003
Kurz, Robert ; La fine della politica e l’apoteosi del denaro; Manifestolibri, Roma, 1997.
Alemán, Jorge; Neoliberalismo y subjetividad; http://www.pagina12.com.ar/diario/contratapa/13-215793-2013-03-14.html

1 comentário:

Anónimo disse...


O CAPITALISMO NEO LIBERAL APLICA A DOUTRINA DE CHOQUE!

EM ÁFRICA O CHOQUE TEM UMA FACTURA: DIVISIONISMO, SANGUE E RAPINA, RAPINA, SANGUE E DIVISIONISMO!

POR ISSO PARA O NEO LIBERALISMO SÃO MUITOS OS "CHAMADOS", MAS CADA VEZ MENOS OS "ESCOLHIDOS"!

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