Rui Peralta, Luanda
I - Não é o
neoliberalismo apenas uma ideologia que defenda a retirada do estado, ou o seu
desmantelamento a favor do mercado, um laissez faire da invisible hand do
capital financeiro. Não. Nem é o neoliberalismo, apenas uma construção positiva
que se apropria da ordem do Estado, nem um permanente produtor de regras
institucionais, jurídicas e normativas que dão forma a uma nova racionalidade
dominante, conforme supunha Foucault ou conforme supõem os seus actuais
acólitos como Christian Laval e Pierre Dardot. Afirmar que essa racionalidade
apossou-se do tecido social institucional da União Europeia, é uma visão
irrealista da situação, tão irrealista como garantir que o neoliberalismo é apenas
uma máquina que destrói as regras ou que esta racionalidade propõe-se organizar
uma nova relação entre governantes e governados, baseada na maximização do
lucro como princípio universal extensível a todos os elementos da esfera
pública.
O neoliberalismo é
a fase actual do capitalismo e a fase actual do capitalismo é caracterizada
pelo necessário reordenamento institucional, a começar pelo Estado como
aparelho central do domínio. E isso acontece porque estamos perante um
rejuvenescimento das elites capitalistas (as elites do mercado), que necessitam
de novas regras políticas e económicas para se implementarem. Isso implica
novas regras institucionais, jurídicas e normativas, mas a racionalidade
dominante e o papel cru e fundamental do Estado são os mesmos.
A racionalidade
dominante permanece a racionalidade do domínio do capital, instaurada pela
burguesia quando se apossou definitivamente do Estado, no século XVII. Desde
esse instante que a mão invisível ficou livre para desferir golpes por toda a
parte e em todas as esferas da vida social, ao ponto de transformar toda a teia
multifacetada da realidade humana em uma só realidade: a realidade económica.
No estado actual do
capitalismo, a fase neoliberal, as crises já não derivam das imperfeiçoes no
sistema de produção das mercadorias, mas sim no seu desenvolvimento. Nesta fase
o pior mal que o capitalismo faz á Humanidade já não é a exploração, é a
expulsão, pela simples razão de que já não haverá mais ninguém que valha a pena
explorar. E porquê? Pela mesma razão que terminou a escravatura. Sai mais caro
e é menos produtivo.
II - O Estado moderno é, assim, uma criação da
lógica da mercadoria, é a sua outra face. A relação entre Estado e mercadoria
mudou sempre que foram efectuados saltos qualitativos no sistema capitalista.
Não faz por isso qualquer sentido afirmar que o neoliberalismo é contra o
Estado (o que é desmentido na práctica, pois o Estado na fase actual do
capitalismo, é neoliberal, porque é essa a característica da actual realidade
económica), tal como é de uma extrema falta de discernimento acusar o Capital
de ser contra o Estado.
O capitalismo
sempre recorreu de forma persistente ao Estado. Sempre que existem convulsões
nos sistemas produtivos de mercadoria, ou no mecanismo de circulação das elites
do mercado, o capitalismo recorre ao Estado em força e ao Estado forte. É
somente nos períodos em que o mercado funciona de forma sustentável que o
capital reduz os falsos encargos criados com o aparelho central de domínio.
É por isso um
contra-senso a crítica inúmeras vezes efectuada de que o capital destrói o
Estado e um delírio as teses da esquerda sobre o regresso do Estado, sempre
identificado como Estado Social. Mas a esquerda (toda ela) engana-se ao
atribuir ao Estado um poder soberano. Primeiro porque a Politica é - na actual
fase de completo domínio do capital, o neoliberalismo - Politica Económica, Tal
como na maioria das sociedades pré-capitalistas tudo era motivado pela
religião, hoje, nas sociedades capitalistas, tudo é motivado pela economia.
Toda a discussão política tem como pano de fundo a questão económica. Após a II
Guerra Mundial as diferenças entre a esquerda reformista e a direita
parlamentar consistem apenas nas receitas económicas. Na realidade dominante da
actual fase do capitalismo, a política já não é soberana e move-se no interior
da esfera económica.
A importância do
Estado nesta fase é apenas referente áquilo que constituiu a sua origem e que
lhe oferece o atributo de Poder: o aparelho repressivo e coercivo. E este é um
conceito que coloca os burgueses de esquerda com os cabelos em pé, os calvos
cultores do Estado multifuncional, os inventores de funções e atributos extras
do Estado. Só que o inexorável mecanismo da circulação das elites capitalistas
e os actuais sistemas de produção de mercadorias tornaram obsoleta esta visão
do Estado somos todos nós.
O Poder exerce-se,
não se partilha! Esta é uma realidade que sempre assustou os falsetes da
esquerda.
III - O sujeito neoliberal, o cidadão alienado da
actual fase capitalista, é um ser absolutamente unidimensional, empreendedor,
mergulhado no máximo rendimento, um empresário de si mesmo, em constante
adaptação, um sujeito que vive uma relação de permanente subordinação com o
lucro, o rendimento, a produtividade e a concorrência ilimitada. É um ser
profundamente ignorante da sua condição, que vive uma realidade virtual, uma
realidade construída em função de, uma realidade que já nem é dominante, mas
que é o domínio em si mesmo.
Este sujeito é
produzido pelos dispositivos dessa realidade virtual. Como já não necessita de
sujeitos que perdurem por muitos anos na cadeia produtiva, o capitalismo na
fase actual produz um sujeito de duração produtiva rápida, que se esgota facilmente,
em virtude do excedente de produção. É um sujeito que produz em pouco tempo e
que depois é dispensado do sistema de produção. Se fez dinheiro sobreviverá
mais ou menos ou muito bem, conforme o montante efectuado, se não fez, irá
viver dos subsídios atribuídos pelo Estado e viverá muito mal (cada vez pior).
Este é o sujeito
produzido pelo capitalismo e ponto alto da alienação. Saber se o sujeito é
apenas um produto dos dispositivos do poder, segundo os foucaultianos, ou se a
trindade Freud, Heidegger, Lacan, tem razão e existem certos elementos na
constituição estrutural do sujeito que nenhuma ordem
histórica-politica-económica pode integrar de forma total e definitiva, faz
parte desta realidade virtual-económica criada pelo Capital. É uma discussão inerente
á cultura burguesa, instituída para os meio académicos e um factor inerente ao
processo alienatório intelectual do capitalismo.
De facto é
importante manter a distância entre as temática que o capitalismo mantem como
orgânicas da sua superestrutura e as temáticas inerente ao homem comum. A
figura do intelectual orgânico de Gramsci não é realizada apenas em função da
superestrutura proletária, é também realizada na superestrutura burguesa. A
Academia serve de fronteira entre as temáticas da superestrutura e as temáticas
do homem comum (da estrutura).
IV - Actualmente já
não há lugar para oposições ou soluções imanentes ao sistema. É necessário
abandonar a ilusão de que os problemas do capitalismo podem ser resolvidos
pelas reformas dos mecanismos mercantis. Urge acabar com a besta, para que a
besta não acabe connosco.
Durante mais de um
século e meio o movimento operário rodeou a besta com milhares de paliçadas e
aplicou-lhe fortes grilhetas. Mas em vão. A primeira crise da valorização, ou a
primeira contestação mais séria e profunda, são factores suficientes para que a
besta esqueça as limitações ao seu espaço. O capitalismo socialmente limitado
(Estado Social), democrático, humano e ecológico, passa, de um dia para o
outro, a ser apenas aquilo que é: Capitalismo, sem adjectivos, pronto a devorar
tudo á sua volta, para assegurar a sua sobrevivência.
V - Angola é o
protótipo do deslumbramento perante a atitude alienante do neoliberalismo. As
insuficiências registadas nos serviços públicos de distribuição são um exemplo
flagrante do que é a simulação de incompetências diversas. Luanda é uma capital
africana submersa em crises constantes na distribuição energética e nas
péssimas condições do abastecimento de água, constituindo este ultimo factor
uma ameaça á saúde publica, sendo a qualidade da agua paga pelos consumidores
de Luanda responsável pelos desastrosos índices de febre tifóide, cólera e
outras maleitas que aos poucos dizimam os cidadãos mais incautos.
As desculpas
iniciais recaiam sobre a guerra, causadora da destruição das infra-estruturas.
No entanto hoje torna-se evidente que para alem desse factor existe um boicote
constante ao abastecimento, criado por uma evidente incompetência técnica e
indisciplina no local de trabalho, cujo objectivo mais não é do que demonstrar
que o estado não é competente para lidar com esses serviços, implantando a
crença da necessidade de privatizar esses serviços de forma a melhorar a sua
qualidade. Nada mais falso, atendendo á rapinagem da burguesia nacional
angolana, habituada ao lucro fácil e a uma estranha engenharia financeira que
consiste em misturar facturação com lucro, ou á fome e avidez de resultados que
caracterizam o investimento estrangeiro que acorre ao país, na sua maioria
constituído por investidores que fogem á crise nos seus locais de origem.
Em sectores como o
transporte, saúde, educação, o panorama é tão criminoso como o da energia e da
água. Com uma burguesia nacional incipiente e subserviente ao capital
estrangeiro, grande parte dos empreendedores, empresários e outras aves raras
são quadros superiores provenientes do sector público e do aparelho militar e
de segurança (Forças armadas e Policia Nacional) que gerem a rede de
transportes, clínicas e estabelecimentos de ensino médio e superior, pela bitola
das suas carteiras rotas e sem fundo e no mesmo quadro de preocupações de
gestão que têm com as inúmeras cantinas em sociedade com malianos, senegaleses
e outros cidadãos provenientes da África Profunda. A isto será necessário
acrescentar os negócios dos ministros, governadores provinciais, etc., negócios
que decorrem das suas actividades administrativas como servidores públicos (não
servem o cidadão mas servem-se a si próprios).
Este quadro
degradante do neoliberalismo é um padrão visível em vastas áreas do continente
africano, com mais ou menos condimentos. Neste quadro deve-se acrescentar o
papel das igrejas no factor da alienação geral. Grande parte das igrejas e dos
seus pastores, padres e pregadores, inculcam na cabeça dos crentes os
comportamentos e forma de estar do homo sapiens neoliberal, gerando seres
completamente iludidos e deslumbrados com a riqueza (coisa que, na sua grande
maioria, nunca chegarão a ter, nem mesmo após o passamento físico).
Cidadãos dóceis,
iludidos e mergulhados nos seus umbigos, eis o papel do neoliberalismo em
África, para que o Capital possa melhor subjugar as grandes e amplas massas
africanas e implementar os novos desígnios territoriais neocoloniais, baseado
na nova cartografia que o imperialismo desenhou para o continente.
(Dar-es-Salam /
Turim / Luanda, Março de 2013)
Fontes
Jappe, Anselm. Les
aventures de la marchandise – Pour une nouvelle critique de la valeur ; Ed. Denoël,
Paris, 2003
Kurz, Robert ; La
fine della politica e l’apoteosi del denaro; Manifestolibri, Roma, 1997.
Alemán, Jorge; Neoliberalismo
y subjetividad; http://www.pagina12.com.ar/diario/contratapa/13-215793-2013-03-14.html
1 comentário:
O CAPITALISMO NEO LIBERAL APLICA A DOUTRINA DE CHOQUE!
EM ÁFRICA O CHOQUE TEM UMA FACTURA: DIVISIONISMO, SANGUE E RAPINA, RAPINA, SANGUE E DIVISIONISMO!
POR ISSO PARA O NEO LIBERALISMO SÃO MUITOS OS "CHAMADOS", MAS CADA VEZ MENOS OS "ESCOLHIDOS"!
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