quinta-feira, 18 de abril de 2013

Portugal: NEGOCIAÇÕES PARA BUROCRATA VER




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

E lá assistimos a mais uma encenação em que a nossa política se transformou. Pedro Passos Coelho fingiu que foi negociar com António José Seguro, para cumprir uma ordem da troika. Ficou-lhe um pouco estranho, depois de ter passado cinco meses sem dar cavaco a ninguém sobre as propostas que ia fazer a Bruxelas. António José Seguro foi lá, porque a troika mandou, e fingiu que acreditava que ia ouvir alguma coisa de novo. O mesmo: cortes na saúde, educação e prestações sociais, que o PS já disse há muito que não aceitaria. E que tendo em conta que tal coisa não consta no memorando original, não tem obrigação sequer de discutir. Trata-se do programa ideológico de Passos Coelho. E os programas ideológicos de quem ganha eleições não devem transformar-se nos programas ideológicos dos partidos da oposição. Caso contrário, não haveria grande razão para perdermos um domingo a votar.

Os jornalistas fingiram que aquilo era mesmo uma negociação e falaram o dia todo de um acontecimento que sabiam não ter qualquer relevância. A troika fingiu que todos lhe tinham obedecido. E Cavaco, supremo comandante de todas as irrelevâncias, mostrou enorme contentamento por os senhores terem falado um com o outro. Ele, que quando era primeiro-ministro nunca perdeu cinco minutos a falar com a oposição (nem mesmo a debater com ela no parlamento), quer consensos. Até porque sem eles raramente sabe o que dizer. Imagino que até virá a dizer que, nos bastidores, o encontro foi, no fundo, obra dele.

Nada disto tem qualquer importância. A importância que tem é o mal que estas encenações fazem à confiança dos portugueses na democracia. Criando expetativas que resultam sempre em coisa nenhuma. Aumentando o cinismo com que todos olham para os políticos. É que enquanto se entretêm a fingir que está a acontecer alguma coisa, está mesmo a acontecer alguma coisa na vida das pessoas. E não é coisa boa.

Talvez seja preciso explicar aos senhores da troika, que agora deram em casamenteiros e organizadores de eventos, que por cá, como nos outros lugares, as pessoas negoceiam quando têm alguma coisa para negociar. Que têm de partir de uma base razoável para as negociações. E que têm de acreditar que são mesmo elas que estão a tentar chegar a um entendimento. Quando a conclusão já foi escrita por outros nada têm para conversar. Quando a proposta que está em cima da mesa é o tudo ou nada não há sequer começo de conversa. E quando uns funcionários expatriados jugam que, para além de inventarem economias e governos, também inventam oposições e consensos nacionais, o máximo que podem esperar é conversas para burocrata ver.

Agora que já brincámos todos um bocadinho às negociações, para os engenheiros das nações se sentirem mais confortáveis, a política, a divergência e o debate pode continuar. Se a democracia incomoda os três funcionários, podem sempre ir à praia. As nossas ainda não foram privatizadas e o clima está convidativo.

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