Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
E lá assistimos a
mais uma encenação em que a nossa política se transformou. Pedro Passos
Coelho fingiu que foi negociar com António José Seguro, para cumprir uma ordem
da troika. Ficou-lhe um pouco estranho, depois de ter passado cinco meses
sem dar cavaco a ninguém sobre as propostas que ia fazer a Bruxelas. António
José Seguro foi lá, porque a troika mandou, e fingiu que acreditava
que ia ouvir alguma coisa de novo. O mesmo: cortes na saúde, educação e
prestações sociais, que o PS já disse há muito que não aceitaria. E que tendo
em conta que tal coisa não consta no memorando original, não tem obrigação
sequer de discutir. Trata-se do programa ideológico de Passos Coelho. E os programas
ideológicos de quem ganha eleições não devem transformar-se nos programas
ideológicos dos partidos da oposição. Caso contrário, não haveria grande razão
para perdermos um domingo a votar.
Os jornalistas
fingiram que aquilo era mesmo uma negociação e falaram o dia todo de um
acontecimento que sabiam não ter qualquer relevância. A troika fingiu
que todos lhe tinham obedecido. E Cavaco, supremo comandante de todas as
irrelevâncias, mostrou enorme contentamento por os senhores terem
falado um com o outro. Ele, que quando era primeiro-ministro nunca perdeu cinco
minutos a falar com a oposição (nem mesmo a debater com ela no parlamento),
quer consensos. Até porque sem eles raramente sabe o que dizer. Imagino que até
virá a dizer que, nos bastidores, o encontro foi, no fundo, obra dele.
Nada disto tem
qualquer importância. A importância que tem é o mal que estas encenações fazem
à confiança dos portugueses na democracia. Criando expetativas que resultam
sempre em coisa nenhuma. Aumentando o cinismo com que todos olham para os
políticos. É que enquanto se entretêm a fingir que está a acontecer alguma
coisa, está mesmo a acontecer alguma coisa na vida das pessoas. E não é coisa
boa.
Talvez seja preciso
explicar aos senhores da troika, que agora deram em casamenteiros e
organizadores de eventos, que por cá, como nos outros lugares, as pessoas
negoceiam quando têm alguma coisa para negociar. Que têm de partir de uma
base razoável para as negociações. E que têm de acreditar que são mesmo
elas que estão a tentar chegar a um entendimento. Quando a conclusão já
foi escrita por outros nada têm para conversar. Quando a proposta que está em
cima da mesa é o tudo ou nada não há sequer começo de conversa. E quando uns
funcionários expatriados jugam que, para além de inventarem economias e
governos, também inventam oposições e consensos nacionais, o máximo que
podem esperar é conversas para burocrata ver.
Agora que já
brincámos todos um bocadinho às negociações, para os engenheiros das nações se
sentirem mais confortáveis, a política, a divergência e o debate pode
continuar. Se a democracia incomoda os três funcionários, podem sempre ir
à praia. As nossas ainda não foram privatizadas e o clima está convidativo.
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