Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Os burocratas
da troika convocaram o PS para um encontro, hoje à tarde. O objetivo
é discutir os cortes na despesa. Ao que se sabe, serão essencialmente cortes
nas funções do Estado Social, surgindo já como aperitivo os cortes no subsídio
de desemprego e subsídio de doença.
Os funcionários da
Comissão Europeia, BCE e FMI saberão que o PS já se manifestou contra cortes
estruturais no Estado Social. Há quem ache, por muito que espante estes amanuenses,
que a educação, a saúde e dignidade na velhice são não apenas adquiridos
civilizacionais (aqui e em toda a Europa), mas condição para o
desenvolvimento e crescimento económico e para que um país não dependa
eternamente do crédito. E que por isso possa ser intransigente quando toca a
hipotecar o futuro de um País. Mas mesmo assim querem convencer Seguro a mudar
de posição. Porquê? Porque querem garantir um compromisso por muito tempo,
com este e futuros governos.
Diga-se, em abono
da verdade, que fizeram o mesmo com o PSD e com o CDS, quando o Memorando de
Entendimento foi assinado. O objetivo prático é simples: transformar as
eleições em meras formalidades onde o essencial da política do Estado já está
determinada. Não apenas o compromisso do pagamento integral da dívida. Mas tudo
o que de fundamental venha a ser feito em políticas públicas e económicas do
Estado. Ou seja, a democracia é dada como garantia de uma dívida.
Acontece, e isso é
provável que seja chinês para estes burocratas que não dependem do voto e que
nunca são responsabilizados por ninguém pelas suas asneiras, que a
democracia não pertence nem ao PS, nem ao PSD, nem ao CDS, nem ao atual
governo, nem ao futuro governo. Pertence aos cidadãos. E, por natureza, só
podemos dar como garantia aos outros aquilo que nos pertence. Se a vontade dos
portugueses for renegociar o memorando e ainda mais as suas sete revisões
posteriores é absolutamente indiferente o que aqueles partidos acordem com a troika.
O que conta é o voto.
Dá-se o caso destas
sucessivas revisões do que foi acordado há dois anos só serem realmente
necessárias porque as soluções impostas pela troika não resultaram.
Tiveram, aliás, o efeito exatamente oposto ao pretendido: a recessão é
mais profunda, a dívida aumentou, as contas públicas não se equilibraram. É por
isso legítimo que qualquer partido que queira ser governo em alternativa a este
defenda soluções diferentes às que este aplicou. E não se queira comprometer
com o que comprovadamente se revelou uma má solução. Aliás, a única razão
porque a troika quer comprometer a oposição nas suas soluções é por
elas não resultarem no tempo de uma legislatura. Nem de duas. Nem de três. Nem
nunca. Estes memorandos tornam-se eternos, comprometendo este e futuros
governos, porque nunca mudam o estado de dependências das Nações.
Mas esta estratégia
da troika tem um problema mais profundo. Ignora a regra geral dos
Estados: que só existe um governo legítimo em funções. E que só ele
negoceia em nome do Estado. Não existem, em democracia, governos legítimos
futuros. A oposição não assina compromissos internacionais de governos que
ainda não estão em
funções. Até porque não pode formalmente garantir que será
governo no futuro. Esse é um dos inconvenientes de negociar com democracias: os
Estados podem, por vontade expressa dos cidadãos que sustentam a legitimidade
democrática dos governos, mudar de posição. Se para contornar essa
contrariedade os burocratas da troika tentam condicionar a democracia
estarão a perverter todo o seu sentido e colocar os Países numa situação
politicamente insustentável, viciando as suas regras democráticas.
Compreendo, mais
uma vez, que tudo isto seja absurdo para quem acha que, sem a legitimidade do
voto, pode andar a escrevinhar programas de governo e até programas eleitorais
à sua vontade. Mas não o pode ser para dirigentes de partidos que têm de lidar
com as consequências políticas das suas decisões.
Com o PS, e com
todos os partidos da oposição do Parlamento, os burocratas apenas se podem
encontrar para ouvir as suas opiniões. É com o governo que negoceiam. Ele é
fraco e pode cair a qualquer momento? Sim, é verdade. Mas convenhamos que a troika,
aqui e em todos os países intervencionados, não tem facilitado a existência de
governos credíveis e robustos. Não se pode queixar da destruição, para a qual
tanto tem contribuído, de uma das principais condições para a aplicação do seu
delirante programa económico: a estabilidade política. E para contornar
esse problema não pode condenar à morte, com a assinatura de acordos suicidas,
todos os que queiram ser alternativa a quem governa. Com o risco de estarem a
enviar uma mensagem perigosa aos portugueses: que a solução para a
situação em que o País se encontra não passa pelo voto e pela democracia.
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