quarta-feira, 17 de abril de 2013

Portugal: TROIKA QUER A DEMOCRACIA COMO HIPOTECA




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Os burocratas da troika convocaram o PS para um encontro, hoje à tarde. O objetivo é discutir os cortes na despesa. Ao que se sabe, serão essencialmente cortes nas funções do Estado Social, surgindo já como aperitivo os cortes no subsídio de desemprego e subsídio de doença.

Os funcionários da Comissão Europeia, BCE e FMI saberão que o PS já se manifestou contra cortes estruturais no Estado Social. Há quem ache, por muito que espante estes amanuenses, que a educação, a saúde e dignidade na velhice são não apenas adquiridos civilizacionais (aqui e em toda a Europa), mas condição para o desenvolvimento e crescimento económico e para que um país não dependa eternamente do crédito. E que por isso possa ser intransigente quando toca a hipotecar o futuro de um País. Mas mesmo assim querem convencer Seguro a mudar de posição. Porquê? Porque querem garantir um compromisso por muito tempo, com este e futuros governos.

Diga-se, em abono da verdade, que fizeram o mesmo com o PSD e com o CDS, quando o Memorando de Entendimento foi assinado. O objetivo prático é simples: transformar as eleições em meras formalidades onde o essencial da política do Estado já está determinada. Não apenas o compromisso do pagamento integral da dívida. Mas tudo o que de fundamental venha a ser feito em políticas públicas e económicas do Estado. Ou seja, a democracia é dada como garantia de uma dívida.

Acontece, e isso é provável que seja chinês para estes burocratas que não dependem do voto e que nunca são responsabilizados por ninguém pelas suas asneiras, que a democracia não pertence nem ao PS, nem ao PSD, nem ao CDS, nem ao atual governo, nem ao futuro governo. Pertence aos cidadãos. E, por natureza, só podemos dar como garantia aos outros aquilo que nos pertence. Se a vontade dos portugueses for renegociar o memorando e ainda mais as suas sete revisões posteriores é absolutamente indiferente o que aqueles partidos acordem com a troika. O que conta é o voto.

Dá-se o caso destas sucessivas revisões do que foi acordado há dois anos só serem realmente necessárias porque as soluções impostas pela troika não resultaram. Tiveram, aliás, o efeito exatamente oposto ao pretendido: a recessão é mais profunda, a dívida aumentou, as contas públicas não se equilibraram. É por isso legítimo que qualquer partido que queira ser governo em alternativa a este defenda soluções diferentes às que este aplicou. E não se queira comprometer com o que comprovadamente se revelou uma má solução. Aliás, a única razão porque a troika quer comprometer a oposição nas suas soluções é por elas não resultarem no tempo de uma legislatura. Nem de duas. Nem de três. Nem nunca. Estes memorandos tornam-se eternos, comprometendo este e futuros governos, porque nunca mudam o estado de dependências das Nações.

Mas esta estratégia da troika tem um problema mais profundo. Ignora a regra geral dos Estados: que só existe um governo legítimo em funções. E que só ele negoceia em nome do Estado. Não existem, em democracia, governos legítimos futuros. A oposição não assina compromissos internacionais de governos que ainda não estão em funções. Até porque não pode formalmente garantir que será governo no futuro. Esse é um dos inconvenientes de negociar com democracias: os Estados podem, por vontade expressa dos cidadãos que sustentam a legitimidade democrática dos governos, mudar de posição. Se para contornar essa contrariedade os burocratas da troika tentam condicionar a democracia estarão a perverter todo o seu sentido e colocar os Países numa situação politicamente insustentável, viciando as suas regras democráticas.

Compreendo, mais uma vez, que tudo isto seja absurdo para quem acha que, sem a legitimidade do voto, pode andar a escrevinhar programas de governo e até programas eleitorais à sua vontade. Mas não o pode ser para dirigentes de partidos que têm de lidar com as consequências políticas das suas decisões.

Com o PS, e com todos os partidos da oposição do Parlamento, os burocratas apenas se podem encontrar para ouvir as suas opiniões. É com o governo que negoceiam. Ele é fraco e pode cair a qualquer momento? Sim, é verdade. Mas convenhamos que a troika, aqui e em todos os países intervencionados, não tem facilitado a existência de governos credíveis e robustos. Não se pode queixar da destruição, para a qual tanto tem contribuído, de uma das principais condições para a aplicação do seu delirante programa económico: a estabilidade política. E para contornar esse problema não pode condenar à morte, com a assinatura de acordos suicidas, todos os que queiram ser alternativa a quem governa. Com o risco de estarem a enviar uma mensagem perigosa aos portugueses: que a solução para a situação em que o País se encontra não passa pelo voto e pela democracia.

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