Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
A chamada
remodelação foi um autêntico bluff. Tirando a demissão de Miguel Relvas, que
finalmente saiu do Governo, embora levasse tempo a concretizar a demissão, lá
teve de sair e acabou por não ir para o Parlamento, como disse pretender.
Compreendendo que não poderia lá ficar. Era pior a emenda do que o soneto.
Excetuando a saída
de Relvas, no Governo nada se passou de significativo. Marques Guedes foi
"promovido" a ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares.
Por quanto tempo, com um Governo desacreditado, desmoralizado e moribundo?
Quanto ao ministro Miguel Poiares Maduro, também não me parece que tenha tempo
para aquecer o lugar...
A verdade é que a
remodelação não foi nada. Só serviu para paralisar o Estado. Nada funciona com
este Governo. O ministro Álvaro Santos Pereira perdeu os seus cinco ministérios
e parece não ter nada para fazer. Está completamente esvaziado de poderes e
ninguém sabe porque continua a ser ministro. Até quando? E para quê?
Mas o mais
perigoso, em relação ao Governo, é que quem manda não é o primeiro-ministro -
fala de vez em quando, mas não diz nada -, mas sim o ministro das Finanças,
Vítor Gaspar, com uma obstinação neoliberal permanente, que tem vindo - e
continua - a arruinar o País, a aumentar o desemprego e a pobreza em geral e,
sobretudo, a ignorar os portugueses e a torná-los desesperados, até ao dia em
que pelas palavras ou pelos factos digam: basta! Note-se que a televisão
estatal da Irlanda disse, com razão, que Vítor Gaspar é o representante da
troika, ignorando o que seja um Estado soberano e sem qualquer sentimento
patriótico, que ignora o que quer que seja, respeitante a pessoas.
Pergunto: para quê
tanta austeridade, que só nos tem arruinado - sobretudo a classe média - e cada
vez pagando mais à troika e aos mercados usurários que a comandam? Para
chegarmos à situação crítica em que estamos, com o País cada vez mais incapaz
de pagar o que deve. Bem queria Vítor Gaspar não ser mais ministro, uma vez que
os estragos estão feitos e as consequências serão cada vez piores. Aliás,
Cavaco Silva não o deixou ir embora. Porquê? Porque este é o seu Governo, até
mesmo dada a impopularidade e as vaias dos portugueses.
Porém, a fraqueza
do Governo não depende só do ministro das Finanças, que é quem manda - como é
óbvio - e do seu acólito e seguidor Passos Coelho. Depende também de outro
partido da coligação, o CDS-PP, de Paulo Portas. Que apesar de dar uma no cravo
e outra na ferradura, para sobreviver como líder no CDS-PP, tem necessariamente
de ser crítico do Governo, de vez em quando, para não perder o seu eleitorado,
que é cada vez menos.
Contudo, essa
posição dupla não pode prolongar-se por muito tempo porque os portugueses não
apreciam as birras e gostam que os políticos não sejam duplos: mesmo que
saibam, como é o caso, que foram chantageados... Num momento em que a
esmagadora maioria do Povo Português está contra o atual Governo - porque se
sente roubado pelas decisões que tomou e toma em favor da troika -, o País
divide-se em dois: os que são contra e se manifestam nas ruas; e os que são a
favor, porque só têm a ganhar com isso. Não há moderados nem centristas: há os
que são sim e contam com o despesismo do Governo para os ter na mão; e os que
são não. Vaiados nas ruas, os ministros só saem à rua ou vão a qualquer lado
rodeados de seguranças. Moderados ou centristas é uma espécie que se esgotou.
Note-se que o
Governo, depois da decisão do Tribunal Constitucional - que fez, e muito bem, o
que devia -, está mais desacreditado do que nunca. A própria troika sabe bem
que contra o Povo e os trabalhadores, mais tarde ou mais cedo, não pode o
Governo fazer nada, nem tem dinheiro para lhe pagar.
Daí a troika ter
começado a torcer o nariz e a exigir do Governo que alargue ao Partido
Socialista as suas relações, como é do seu interesse. E obrigou o Governo, que
tanto humilhou e injuriou o PS durante estes dois tristes anos de austeridade,
a dialogar com o PS. Daí a carta que Passos Coelho escreveu a Seguro para um
diálogo impossível. Só se o PS fosse constituído por parvos ou oportunistas é
que aceitava uma aliança. O que não é.
O Governo tem de
fazer o que deve: ter vergonha na cara e demitir-se, uma vez que tem o Povo
todo contra ele. Não é, ao contrário do que disse o Presidente da República, um
Governo legítimo. Deixou de ser. Compreenda, enquanto é tempo, que não se pode
governar contra a vontade persistente do Povo.
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