Eleições mostraram
que não se mantém projeto político apenas com retórica e no piloto
automático. Alerta vale para toda América do Sul
Marco
Weissheimer, no Sul21 – Outras Palavras
O enviado especial
da Carta Maior a Caracas, Gilberto Maringoni, fez uma boa síntese da vitória
apertada de Nicolas Maduro, nas eleições realizadas neste domingo, na
Venezuela. A diferença em favor de Maduro, 234.935 votos, foi mínima, mas real,
garantidora da legitimidade do pleito e de seu resultado. O candidato
oposicionista exerce seu direito de espernear ao pedir uma recontagem total dos
votos, algo com que Maduro chegou a concordar em seu primeiro pronunciamento
após a divulgação do resultado, ainda na noite de domingo. O principal fator
que emerge das urnas, no entanto, é que ele foi uma surpresa negativa para o
governo e para o projeto da Revolução Bolivariana como um todo. Maringoni,
historiador e jornalista que acompanha a vida política na Venezuela há muitos
anos, escreve em seu artigo intitulado “Vitória
apertada, mas vitória”:
Maduro venceu
apertado, mas venceu. Na ponta do lápis, a questão está resolvida: o chavismo
continua sem Chávez. Mas o resultado tem de ser examinado além das
planilhas. O governo não estava preparado para essa diferença.
Possivelmente Capriles – que cogitou não concorrer, logo após a morte de Chávez
– também não. Os chavistas avaliaram que dariam uma lavada na oposição,
repetindo ou aumentando a diferença de 12% (56 a 44%) das eleições de
outubro, quando Capriles enfrentou Chávez em sua última disputa.
E acrescenta
Entre os mais de
sete milhões de votantes em Capriles, a maioria seguramente é constituída por
pobres. Olhando as planilhas de outubro passado, uma conclusão inicial
pode ser feita, lembrando que Chávez teve 8.191.132 votos e Capriles 6.591.304.
Em seis meses, a oposição ganhou cerca de 680 mil votos, enquanto o governo
perdeu ao redor de 700 mil. Pode ter havido uma migração de um lado para o
outro. Saber onde e porque isso aconteceu é vital para a continuidade e
estabilização do governo Maduro.
No pronunciamento
que fez na noite de domingo, Nicolas Maduro deu sinais de que já sabe quais
foram alguns dos problemas, ao falar da necessidade de enfrentar os temas da
corrupção e da ineficiência. No plano político, enfrentará outro grande
problema que é a divisão do país praticamente ao meio e o fortalecimento de uma
oposição que nos últimos anos andava bastante enfraquecida. E no plano
internacional, terá que lidar com um cenário de retração econômica que atinge
hoje as principais economias do mundo. Ou seja, Maduro começará a governar em
um novo cenário político e econômico, em nível interno e externo.
O resultado da
Venezuela serve de alerta para os demais governos de esquerda e centro-esquerda
da América Latina e para os respectivos partidos e forças sociais que os
apoiam. A conjuntura que mudou o mapa político da região parece estar mudando e
quem apostar na inércia para seguir governando pode se dar mal. Nos próximos
dias, deverão surgir muitas análises sobre a mensagem que sai das urnas
venezuelanas. E, de fato, o resultado exige uma reflexão mais atenta e
aprofundada. Não foi pouca coisa o que aconteceu e o que isso parece sinalizar.
Os números da
eleição Venezuela representam, por outro lado, um sopro de oxigênio para a
direita latino-americana que quase obteve uma vitória num dos países onde
estava mais enfraquecida. Ela ainda não tem uma agenda própria exatamente,
tanto é que a campanha de Capriles, guardadas as devidas proporções, repetiu a
estratégia usada por José Fogaça em Porto Alegre para interromper a série de 16 anos
de governos do PT na cidade. Mimetizou os principais pontos do programa do
adversário e acenou com a necessidade de mudança, de renovação. É uma mensagem
que costuma ter seu apelo, especialmente quando a economia e a vida cotidiana
da população não vão muito bem. Capriles prometeu manter os principais
programas sociais implementados por Chávez e reivindicou a figura de Lula como
modelo de equilíbrio e moderação que pretendia seguir. Aqui no Brasil já tem
gente ensaiando discursos parecido para as eleições de 2014.
O PT que coloque
suas barbas de molho, portanto. A Venezuela mostra que não se mantém um projeto
político só com retórica e piloto automático em funcionamento. A
capacidade de ler a conjuntura, identificar sinais de mudança e conseguir
definir políticas e rumos de ação sintonizados com esses sinais sempre foram, e
seguem sendo, condições indispensáveis da tática e da estratégia na política e
na vida. A morte de Hugo Chávez, pelo que representa em si mesma, já foi uma mudança
brutal na América Latina, cujas repercussões ainda vão ecoar no tempo. A
surpresa eleitoral de ontem é outra. Quem quiser, e tiver juízo, que ouça.
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