quarta-feira, 15 de maio de 2013

ALEMANHA: UMA CHANCELER MADE IN RDA




WELT AM SONNTAG, BERLIM – Presseurop – imagem © Bundesregierung

Quais as origens de Angela Merkel? Como construiu Angela Merkel o seu pensamento político? Tal como os outros europeus, os alemães fazem frequentemente estas perguntas. A alguns meses de distância das legislativas de setembro, uma biografia procura a chave do sucesso da chanceler na sua infância na RDA. Excertos.


Os jornalistas Ralf Georg Reuth e Günther Lachmann publicaram esta semana, na Alemanha, Das erste Leben der Angela M. “A primeira vida de Angela M.” (edições Piper), que revela novos elementos sobre as ligações da chanceler com a ditadura da antiga RDA. Refutando as afirmações de Angela Merkel, que declara que sempre desaprovou pessoalmente o regime do Partido Socialista Unificado (SED) na Alemanha de Leste, os autores pensam poder demonstrar que o seu papel na RDA e aquando da queda do regime foi mais complexo e menos lisonjeiro para a chanceler.

Segundo esta, Angela Merkel ter-se-á esquivado à doutrinação ideológica e terá sempre sonhado com uma democracia que unificasse a Alemanha, tendo ultrapassado os anos do comunismo graças a uma espécie de exílio interior. Esta lenda baseia-se sobretudo na ideia de que o seu meio familiar protestante – Angela Merkel é filha de um sacerdote – a terá poupado às tentações e às ilusões da doutrina do Estado socialista. No entanto, um exame mais aprofundado do contexto põe a claro uma imagem bem diferente do envolvimento de alguns teólogos protestantes, entre os quais o seu pai, no regime da Alemanha de Leste.

Angela Merkel, nasceu em 17 de julho de 1954, em Hamburgo, como Angela Kasner. O seu pai, Horst Kasner [que, em 1954, partiu com a família e foi instalar-se na zona de ocupação soviética], fez parte de um grupo de teólogos através dos quais, sob a orientação dos soviéticos, os dirigentes da RDA pretenderam aplicar a sua conceção política da Igreja. Nesse sentido, esses teólogos, que consideravam o socialismo como uma verdadeira alternativa ao capitalismo ocidental, fundaram, em 1858, em Praga, uma organização cristã internacional denominada Conferência Cristã da Paz. Horst Kasner aderiu a esta organização e, também, à confraria protestante de Weißensee [Berlim], dirigida por Hanfried Müller, igualmente membro da Conferência Cristã da Paz e que tinha excelentes contactos no politburo do SED.

Teologia e política

Quando, em 1961, no auge da guerra fria, a Conferência das Igrejas Evangélicas da RDA decretou – em cooperação com a Igreja Evangélica na Alemanha (EKD) – que os cristãos não deviam submeter-se ao absolutismo doutrinário de uma ideologia, a confraria de Weißensee defendeu um ponto de vista inverso. Os seus “Sete princípios sobre a liberdade da Igreja e o conceito de serviço” apresentam a colaboração com “o poder antifascista” como dever do cristão. Esses “sete princípios” podem ser considerados como a base ideológica da conceção da “Igreja no socialismo”. Nessa época, o pai de Angela Merkel era muito próximo do poder estabelecido.

É certo que Horst Kasner se foi distanciando progressivamente da linha oficial dos dirigentes da RDA, a partir de 1970. Ainda assim, Angela Merkel cresceu numa família na qual a teologia e a política se misturam e na qual o domínio político era associado à busca de um ideal socialista.

Angela Merkel fez parte dos 10% de alunos do ano da sua admissão autorizados a frequentar a Erweiterte Oberschule (escola superior alargada da RDA). Ao contrário de muitos outros filhos de sacerdotes, não tentou eximir-se à participação nas organizações populares do SED e fez parte do Jovens Pioneiros. Mais tarde, foi secretária-adjunta da Juventude Alemã Livre [JAL, primeiro movimento de juventude da Alemanha de Leste] na sua escola. A sua proximidade, e do seu pai, ao regime permitiram-lhe obter o bacharelato. Em seguida, Angela Kasner estudou Física na Universidade Karl Marx de Leipzig. Todos os que frequentavam este estabelecimento tinham garantida uma carreira científica. Sobretudo quando exerciam funções dirigentes na Juventude Alemã Livre, como Angela Kasner. Foi na Universidade de Leipzig que entrou, pela primeira vez, em contacto com os círculos comunistas reformadores.

Merkel e o socialismo democrático

Em 1981, foi promovida a secretária responsável de propaganda da célula da JLA no ZiPC [Instituto Central de Físico-Química da Academia de Ciências de Berlim], que, tendo mais de 600 colaboradores, não é de modo algum uma estrutura confidencial. Angela Merkel sempre desmentiu ter sido responsável de propaganda. Refutou tal alegação, logo em 2005, numa obra publicada sob o título Mein Weg. Ein Gespräch mit Hugo Müller-Vogg (edições Hoffman und Campe) [“À minha maneira: entrevista a Hugo Müller-Vogg”]. “Propaganda? Não tenho memória de ter feito propaganda, fosse de que maneira fosse. Eu era responsável da cultura.”

No outono de 1989, o pai de Angela Merkel organizou, na sua escola pastoral, um encontro de físicos alemães de Leste subordinada ao tema “O que é o Homem?” Para falar verdade, o pai de Angela Merkel talvez tivesse gostado de a ver no Partido Social-Democrata (SPD). Mas já não tinha a influência de outrora sobre a filha mais velha. A escolha pessoal desta última foi um movimento recentemente criado chamado Despertar Democrático [do qual um dos fundadores esteve presente nesse encontro].

No entanto, ao contrário do que quis fazer acreditar até agora, Angela Merkel só aderiu ao Despertar Democrático em dezembro, porque este movimento já previa no seu programa a reunificação da Alemanha. Na realidade, alguns elementos levam a crer que, à partida, Angela Merkel era favorável a um socialismo democrático, numa RDA autónoma, e que nem sempre preconizou a unificação. Na sua qualidade de membro do comité diretor do Despertar Democrático, Angela Merkel foi membro da Aliança pela Alemanha, a coligação [de partidos conservadores], impulsionada por Helmut Kohl, que viria a ganhar as legislativas de março de 1990 para a Câmara do Povo (parlamento da RDA).

A “primeira vida” da chanceler

Na altura, o homem forte da RDA chamava-se Lothar de Maizière. O filho de Clemens de Maizière – antigo camarada de luta de Horst Kasner – nomeou Angela Merkel para o cargo de porta-voz adjunta do Governo, no interior do qual as suas competências foram reconhecidas. Segundo escreveu o Neues Deutschland [órgão oficial do SED], Angela Merkel conseguiu, “graças à sua inteligência e à sua fiabilidade, construir uma reputação que poderá levá-la às mais altas funções”. O que viria a acontecer. Quando o Despertar Democrático se tornou na União Cristã Democrata (CDU), Lothar de Maizière e o seu secretário de Estado, Günther Krause, chamaram a atenção de Helmut Kohl para Angela Merkel, e este foi imediatamente conquistado pela filha do pastor luterano.

Esta nova obra dedicada à chanceler lança uma nova luz sobre alguns aspetos da vida de Angela Merkel na Alemanha de Leste – mas o livro não contém nenhuma revelação sensacional suscetível de levar a que se reescreva, no essencial, o seu papel nessa época. Pelo contrário, essa nova luz sobre a “primeira vida” da chanceler destaca características que nos são familiares: espírito realista, capacidade de manobra e calculismo frio. Segundo parece, desde a época da RDA que Angela Merkel se tem movimentado no seio das estruturas existentes e em conivência com elas, quando não se lhe apresentava nenhuma outra opção, sem se deixar levar por utopias e sem nunca perder de vista a sua própria carreira. Quando o antigo aparelho se tornou obsoleto, Angela Merkel ganhou rapidamente confiança, com a mesma meticulosidade, dentro das novas estruturas da república federal.

Na foto: Angela Merkel nas instalações do movimento de oposição Demokratischer Aufbruch [Despertar Democrático] na Alemanha de Leste, no outono de 1989.

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