O ano II de
François Hollande começa com a mesma política que o primeiro, mas com outra
argúcia para comunicá-la. Apesar disso, as linhas traçadas não se moverão:
disciplina orçamentária e esforço zero do Estado em favor do poder aquisitivo
da população. Em suma, a ortodoxia complexa da União Europeia, envolta como um
caramelo de luxo em papel suave e decorado. O presidente francês admitiu que a
si coube “ser presidente no pior momento”. Por Eduardo Febbro, de Paris.
Eduardo Febbro - Carta Maior
Paris -
Mudança de estilo sem mudança de rumo. Na segunda coletiva de imprensa de seu
mandato o presidente francês, encurralado pela crise, o descontentamento
massivo da população, a alta do desemprego e a hostilidade crescente da
esquerda, encenou uma dessas tradicionais missas políticas de que a França tem
o segredo: falar é como uma promessa de mudanças. No entanto, o chefe de Estado
ratificou a política centrista que aplica desde que chegou, há um ano, ao
poder, e seu eixo motor: redução dos déficits. Quando lhe perguntaram o que
era, o presidente respondeu: “sou socialista”.
Antes e depois desenvolveu um argumento preciso, de uma clareza sem voltas,
sobre o que é e será sua política: tudo se resume numa apresentação de duas
horas e 45 minutos, diante de 400 jornalistas, da qual não se depreende
qualquer anúncio maior nem, tampouco, pistas a respeito das decisões difíceis
que terá de tomar: a reforma da previdência, a redução suplementar dos déficits
públicos ou a reforma trabalhista. Apenas um par de frases deixam entrever
novos sacrifícios e cortes, sobretudo nas aposentadorias: “se vivemos mais é
lógico que trabalhemos mais”, disse o presidente.
Quem esperava um “recurso ao futuro” (Libération) ou um novo desenho para sair
do presente ficaram sem ter para onde ir. Não haverá transformações rotundas na
linha adotada até agora, e menos ainda um giro à esquerda. Afável, com uma dose
de humor delicado e eloquente, o Presidente defendeu sua ação e adiantou uma
série de ideias e propostas para a França e a Europa. O chefe de Estado
defendeu uma ofensiva para tirar a Europa de sua “apatia”, ao mesmo tempo em
que propôs a Alemanha um acordo para avançar negociações em torno da união econômica
e polícia. Também defendeu a ideia de um governo econômico da zona do euro
encarregado de harmonizar o controle público-legal, a convergência de uma
agenda social e um dispositivo de luta contra a fraude.
“Se a Europa não avançar, desaparecerá do mapa do mundo e do imaginário
coletivo. Não se trata de ser conservador ou progressista, mas de superar
egoísmos nacionais e de salvar o projeto. Chegou a hora de dar um novo impulso
a Europa, e meu dever é liderar esse desafio”, disse o presidente francês. Disse,
claro, mas não explicou na realidade como, já que, globalmente, o que defendeu
de fato é seguir caminhando pela mesma rota centro-liberal com a qual, em 2012,
iniciou seu mandato.
Neste contexto, o presidente evitou também provocar novos ruídos com a
Alemanha. Algumas semanas após a divulgação de documento em que o partido
socialista evocava a “intransigência egoísta de Angela Merkel”, Hollande
reconheceu que Merkel e ele não “tinham as mesmas ideias, mas as mesmas
responsabilidades”. Hollande recusou, assim, “enfrentar” a direita europeia e,
em particular, a Alemanha, como sugeriram os socialistas, no polêmico documento
que circulou há alguns dias.
Com a bíblia do realismo orçamentário numa mão e a pedagogia para vendê-lo na
outra, François Hollande se comprometeu mais uma vez a baixar o desemprego
antes do fim do ano e anunciou um plano de investimentos destinado a fomentar o
mercado de trabalho em setores como o digital, o de energia, a saúde e as
infraestruturas de transporte. O dirigente socialista admitiu contudo que “no
longo prazo não se poderá ganhar a batalha se o crescimento econômico não
voltar”. Por ora, essa perspectiva é impossível. A França ingressou no começo
do ano numa fase recessiva. O Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos
(INSEE) indicou que o PIB do país tinha retrocedido 0,2% no quarto trimestre de
2012 e que a atividade tinha voltado a cair ao mesmo nível, ao longo do
primeiro trimestre de 2013. As luzes vermelhas se acenderam em todos os setores
da economia.
O presidente francês tem assim dois horizontes recessivos: o de seu país e o de
sua própria popularidade, a mais baixa (25%) que um presidente da Quinta
República já teve. Este último detalhe não o preocupa. “Não busco ser popular,
mas tomar as boas decisões”, disse e reiterou seu credo inicial: “peço que me
julguem pelos resultados”.
François Hollande aposta no trabalho de longo prazo, no resultado positivo que
terá o arrocho orçamentário e nos efeitos benéficos acarretados pela manutenção
do custo da dívida em níveis baixos. Menos técnico que outras vezes, Hollande
reapareceu com a convicção que que havia mostrado durante a campanha eleitoral
de 2012. Pela primeira vez desde que assumiu a presidência em maio do ano
passado, o Chefe de Estado pareceu encarnar um projeto, com uma perspectiva a
um só tempo nacional e europeia. Inclusive, se em substância não há
ingredientes novos nem um golpe de mestre à esquerda, a forma de comunicação
deu à sua intervenção um caráter mais convincente. O ano II de François Hollande
começa com a mesma política que o primeiro, mas com outra argúcia para
comunicá-la. Apesar disso, as linhas traçadas não se moverão: disciplina
orçamentária e esforço zero do Estado em favor do poder aquisitivo da
população. Em suma, a ortodoxia complexa da União Europeia, envolta como um
caramelo de luxo em papel suave e decorado. O presidente francês admitiu que a
si coube “ser presidente no pior momento” e, de passagem, apresentou um novo
rosto da esquerda.
Resumindo sua política, Hollande disse que antes a esquerda “gastava” e perdia
as eleições: “agora, vamos arrochar e vamos permanecer”.
Tradução: Katarina Peixoto
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