Paulo Ferreira –
Jornal de Notícias, opinião
O presidente da
República fez uma visita de Estado à região do Minho. Saiu de lá maravilhado.
"Nas grandes cidades, meus amigos, não faltam as más notícias. Quando
chegamos aqui [Melgaço], recebemos algumas boas notícias", disse Cavaco na
inauguração das novas instalações da Escola Superior de Desporto e Lazer.
"Quando venho aqui, a este Interior, levo comigo um ânimo mais forte do
que aquele que trazia quando chegava". Ainda bem, senhor presidente. Ou
ainda mal.
Na verdade, quando
um chefe de Estado desenruga a alma num território onde grassa o desemprego,
onde cresce a pobreza, onde aumenta o despovoamento e a emigração, onde se
acentua, ano após ano, a perda de serviços, onde definha a agricultura e
escasseiam as fontes alternativas de rendimento, onde se enchem os cafés de
gente idosa e se encerram escolas por falta de gente jovem, acontece uma de
três coisas:
1) ou a alma do
presidente estava naquele dia pouco enrugada (versão pouco fiável, dados os
acontecimentos e os desentendimentos políticos das últimas semanas);
2) ou Cavaco Silva
estava simplesmente a ser simpático (versão mais fiável, mas nem por isso menos
preocupante);
3) ou o chefe de
Estado estava a falar do que não conhece (versão mais provável de todas, dada a
distância entre o que disse e a realidade).
No Minho, Cavaco
Silva pareceu estar, como Alice, no País das Maravilhas. A conhecida obra de
Lewis Carrol conta a história de uma menina que cai numa toca de coelho e é
transportada para um lugar fantástico povoado de criaturas peculiares. A lógica
do absurdo que perpassa o conto aproxima-se da lógica que salta do discurso do
presidente da República em Melgaço. Porque, em bom rigor, é um absurdo
considerar que as "más notícias" só apoquentam quem vive nas
"grandes cidades".
Não são peculiares,
como no conto de Carrol, as pessoas que, no Minho como em muitas outras regiões
do país, sofrem com as novas que chegam às berças vindas do centro do Poder.
São portugueses como os outros, com o particular azar de viverem em territórios
de baixa densidade para os quais quem manda apenas olha de vez em quando. Normalmente, acham tudo muito bonito: a paisagem, o caráter acolhedor dos
indígenas, a gastronomia, enfim, o intenso rol de "potencialidades" e
"possibilidades" que as cidades, as vilas e as aldeias despovoadas e
envelhecidas oferecem.
No fim do conto, a
irmã acorda Alice e oferece-lhe um chá. A epopeia fora apenas um sonho. Cavaco
tentou embalar os minhotos recorrendo a conversa mole e inconsequente.
Infelizmente, quando o chefe de Estado rumou à "grande cidade" onde
pululam as "más notícias", no Minho a vida seguiu. Dura como sempre.
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