sexta-feira, 17 de maio de 2013

Portugal: CAVACO SILVA NO PAÍS DAS MARAVILHAS




Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

O presidente da República fez uma visita de Estado à região do Minho. Saiu de lá maravilhado. "Nas grandes cidades, meus amigos, não faltam as más notícias. Quando chegamos aqui [Melgaço], recebemos algumas boas notícias", disse Cavaco na inauguração das novas instalações da Escola Superior de Desporto e Lazer. "Quando venho aqui, a este Interior, levo comigo um ânimo mais forte do que aquele que trazia quando chegava". Ainda bem, senhor presidente. Ou ainda mal.

Na verdade, quando um chefe de Estado desenruga a alma num território onde grassa o desemprego, onde cresce a pobreza, onde aumenta o despovoamento e a emigração, onde se acentua, ano após ano, a perda de serviços, onde definha a agricultura e escasseiam as fontes alternativas de rendimento, onde se enchem os cafés de gente idosa e se encerram escolas por falta de gente jovem, acontece uma de três coisas:

1) ou a alma do presidente estava naquele dia pouco enrugada (versão pouco fiável, dados os acontecimentos e os desentendimentos políticos das últimas semanas);

2) ou Cavaco Silva estava simplesmente a ser simpático (versão mais fiável, mas nem por isso menos preocupante);

3) ou o chefe de Estado estava a falar do que não conhece (versão mais provável de todas, dada a distância entre o que disse e a realidade).

No Minho, Cavaco Silva pareceu estar, como Alice, no País das Maravilhas. A conhecida obra de Lewis Carrol conta a história de uma menina que cai numa toca de coelho e é transportada para um lugar fantástico povoado de criaturas peculiares. A lógica do absurdo que perpassa o conto aproxima-se da lógica que salta do discurso do presidente da República em Melgaço. Porque, em bom rigor, é um absurdo considerar que as "más notícias" só apoquentam quem vive nas "grandes cidades".

Não são peculiares, como no conto de Carrol, as pessoas que, no Minho como em muitas outras regiões do país, sofrem com as novas que chegam às berças vindas do centro do Poder. São portugueses como os outros, com o particular azar de viverem em territórios de baixa densidade para os quais quem manda apenas olha de vez em quando. Normalmente, acham tudo muito bonito: a paisagem, o caráter acolhedor dos indígenas, a gastronomia, enfim, o intenso rol de "potencialidades" e "possibilidades" que as cidades, as vilas e as aldeias despovoadas e envelhecidas oferecem.

No fim do conto, a irmã acorda Alice e oferece-lhe um chá. A epopeia fora apenas um sonho. Cavaco tentou embalar os minhotos recorrendo a conversa mole e inconsequente. Infelizmente, quando o chefe de Estado rumou à "grande cidade" onde pululam as "más notícias", no Minho a vida seguiu. Dura como sempre.

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