quarta-feira, 15 de maio de 2013

Portugal: A CRISE DOS REFORMADOS E PENSIONISTAS




Carlos Moreno – Jornal i, opinião

O governo devia ter iniciado o saneamento das contas públicas por cortes racionais, estruturais e permanentes na despesa injustificável, de desperdício e insustentável

Não é possível alguém no seu perfeito juízo entender o que se passou no seio da coligação nos últimos dias, e sobretudo o que ficou decidido no que respeita a futuros cortes nos montantes das reformas e pensões dos mais velhos, no quadro da sétima avaliação da troika. Em matéria tão sensível seria imperativo ético, moral, social e político que tudo fosse clara e cabalmente explicado pelo governo e pelos parceiros da coligação para não acrescentar à vida colectiva angústia, medo e desespero dos seus mais fracos e frágeis.

O deplorável espectáculo e o jogo do esconde-esconde, visível para qualquer observador independente, entre os parceiros de coligação, a respeito de cortes sobre reformas e pensões, porque envolveu um órgão de soberania, deixou-nos a insuportável impressão de que o mesmo não se dá ao respeito, nem respeita os cidadãos que o elegeram. Em política o que parece é.

O governo devia ter iniciado o saneamento das contas públicas por cortes racionais, estruturais e permanentes na despesa injustificável, de desperdício e insustentável. Optou pelo mais simples – cortes irracionais onde era mais fácil, nomeadamente nas reformas e nas pensões e aumentando a carga fiscal. As metas do défice não foram atingidas e agora, perdido o estado de graça, a coligação treme sempre que o ministro das Finanças avança.

Os reformados e pensionistas, de há dois anos a esta parte são alvo de cortes cegos e horizontais, sem equidade fiscal, já que não foram tidos em consideração factores como o rendimento per capita do agregado familiar real, ou a idade, ou o estado de saúde dos idosos.

E todos sabemos que reformados e pensionistas têm assumido o encargo social de dar tecto e comida a centenas e centenas de familiares desempregados e de jovens desempregados e subempregados, evitando, porventura, uma explosão social de resultados imprevisíveis.

Nos próximos meses mais de 500 mil desempregados perderão o respectivo subsídio de desemprego. Nesta conjuntura, o corte nas reformas e nas pensões pode ser o rastilho que faltava para pegar fogo à sociedade portuguesa.

Do ponto de vista substancial, o pagamento de pensões e reformas não configura uma verdadeira despesa pública, nem qualquer tipo de prestação ou dádiva social. Traduz, antes, simplificando, a devolução pelo Estado aos aposentados e pensionistas dos montantes, devidamente capitalizados, que os trabalhadores foram obrigados por lei a retirar mensalmente dos seus salários e a confiar ao Estado, enquanto activos. A fim de serem postos à disposição dos trabalhadores, mensalmente, após cessação da sua actividade. Tudo isto evidentemente no quadro legal vigente até à data da cessação da actividade.

Será por isso que em certos países as reformas constituem propriedade privada, intocável.

Se o Estado, durante a vida activa dos trabalhadores, se desviou destas boas práticas ou descurou normas prudenciais evidentes e visíveis, a falha foi do Estado.

O corte nas reformas e pensões não representa assim uma verdadeira redução da despesa pública, mas um exemplo atípico de expropriação, sem indemnização, por parte do Estado. E ainda a violação do princípio da confiança entre o Estado e os cidadãos.

Se é indispensável ao país recuperar a credibilidade externa ajustando as contas públicas, não é menos necessário ter a confiança dos seus cidadãos para o poder fazer. Acrescentar novo corte a reformas e pensões constituirá acto ética, moral e socialmente inaceitável e uma prepotência do Estado, porventura à margem da lei, sobre os mais fracos e frágeis da sociedade.   

Juiz-conselheiro jubilado do Tribunal de Contas - Escreve quinzenalmente à quarta-feira

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