Carlos Moreno –
Jornal i, opinião
O governo devia ter
iniciado o saneamento das contas públicas por cortes racionais, estruturais e
permanentes na despesa injustificável, de desperdício e insustentável
Não é possível
alguém no seu perfeito juízo entender o que se passou no seio da coligação nos
últimos dias, e sobretudo o que ficou decidido no que respeita a futuros cortes
nos montantes das reformas e pensões dos mais velhos, no quadro da sétima
avaliação da troika. Em matéria tão sensível seria imperativo ético, moral,
social e político que tudo fosse clara e cabalmente explicado pelo governo e
pelos parceiros da coligação para não acrescentar à vida colectiva angústia,
medo e desespero dos seus mais fracos e frágeis.
O deplorável espectáculo e o jogo do esconde-esconde, visível para qualquer
observador independente, entre os parceiros de coligação, a respeito de cortes
sobre reformas e pensões, porque envolveu um órgão de soberania, deixou-nos a
insuportável impressão de que o mesmo não se dá ao respeito, nem respeita os
cidadãos que o elegeram. Em política o que parece é.
O governo devia ter iniciado o saneamento das contas públicas por cortes
racionais, estruturais e permanentes na despesa injustificável, de desperdício
e insustentável. Optou pelo mais simples – cortes irracionais onde era mais
fácil, nomeadamente nas reformas e nas pensões e aumentando a carga fiscal. As
metas do défice não foram atingidas e agora, perdido o estado de graça, a
coligação treme sempre que o ministro das Finanças avança.
Os reformados e pensionistas, de há dois anos a esta parte são alvo de cortes
cegos e horizontais, sem equidade fiscal, já que não foram tidos em
consideração factores como o rendimento per capita do agregado familiar real,
ou a idade, ou o estado de saúde dos idosos.
E todos sabemos que reformados e pensionistas têm assumido o encargo social de
dar tecto e comida a centenas e centenas de familiares desempregados e de
jovens desempregados e subempregados, evitando, porventura, uma explosão social
de resultados imprevisíveis.
Nos próximos meses mais de 500 mil desempregados perderão o respectivo subsídio
de desemprego. Nesta conjuntura, o corte nas reformas e nas pensões pode ser o
rastilho que faltava para pegar fogo à sociedade portuguesa.
Do ponto de vista substancial, o pagamento de pensões e reformas não configura
uma verdadeira despesa pública, nem qualquer tipo de prestação ou dádiva
social. Traduz, antes, simplificando, a devolução pelo Estado aos aposentados e
pensionistas dos montantes, devidamente capitalizados, que os trabalhadores foram
obrigados por lei a retirar mensalmente dos seus salários e a confiar ao
Estado, enquanto activos. A fim de serem postos à disposição dos trabalhadores,
mensalmente, após cessação da sua actividade. Tudo isto evidentemente no quadro
legal vigente até à data da cessação da actividade.
Será por isso que em certos países as reformas constituem propriedade privada,
intocável.
Se o Estado, durante a vida activa dos trabalhadores, se desviou destas boas
práticas ou descurou normas prudenciais evidentes e visíveis, a falha foi do
Estado.
O corte nas reformas e pensões não representa assim uma verdadeira redução da
despesa pública, mas um exemplo atípico de expropriação, sem indemnização, por
parte do Estado. E ainda a violação do princípio da confiança entre o Estado e
os cidadãos.
Se é indispensável ao país recuperar a credibilidade externa ajustando as
contas públicas, não é menos necessário ter a confiança dos seus cidadãos para
o poder fazer. Acrescentar novo corte a reformas e pensões constituirá acto ética,
moral e socialmente inaceitável e uma prepotência do Estado, porventura à
margem da lei, sobre os mais fracos e frágeis da sociedade.
Juiz-conselheiro jubilado do Tribunal de Contas - Escreve
quinzenalmente à quarta-feira
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