Correio do Brasil,
São Paulo
O blogueiro Eduardo
Guimarães relatou, no Blog da Cidadania, sua breve passagem pela manifestação que
tomou, na noite desta segunda-feira, as principais ruas do Centro da capital
paulista. “Cheguei às 16 horas e permaneci entre os manifestantes até por volta
das 19 horas, quando empreendi uma epopeia pra voltar pra casa”, contou.
Périplo do
blogueiro nas ruas de São Paulo
Descendo a rua
Cardeal Arcoverde de carro, acompanhei a procissão de jovens que se estendia
por quarteirões. Todos no mesmo rumo, todos com o mesmo ar contrito e de
determinação nos rostos.
Encontrei um
estacionamento estrategicamente localizado a pouco mais de um quarteirão do
Largo. “Fecha às 20 horas”, disse-me o manobrista, caixa e, provavelmente, tudo
o mais naquele terreno descoberto, com chão de terra e convertido em
estacionamento.
Já na Brigadeiro
Faria Lima, a algumas centenas de metros do Largo, já não caminhavam pelas
calçadas, mas no meio da rua. Um ou outro carro passava, desviando dos
pedestres, agora donos da via, como se os motoristas pedissem desculpas por
estarem onde não deviam.
Ao longe, grandes
bandeiras brancas e vermelhas se erguiam de uma massa humana que me
impressionou por ser tão grande a uma hora do horário previsto para o início da manifestação.
Nas bandeiras brancas, as letras UJS (ou algo assim) e, nas vermelhas, PSTU.
Agora faltavam
menos de cem metros pra chegar à aglomeração. Uma juventude bonita e
evidentemente universitária. As idades variando entre 15 e 30 anos, no máximo.
Aqui e ali, algumas pessoas maduras. Senhoras com cabelos loiros, homens
grisalhos, todos com aparência próspera.
Os comerciantes iam
fechando as portas e os trabalhadores da região passavam apressados. Pareciam
assustados. Alguns comentavam que não sabiam como fariam pra chegar em casa,
mas ninguém prestava atenção neles – além deste que escreve.
Para um carro
grande, prateado, tinindo de novo, do qual não me ocupei de ver a marca. Desce
um homem corpulento, cabelos grisalhos, calça social, camisa social com o botão
do colarinho aberto, de onde pendia uma gravata afrouxada.
De repente, o
veículo é cercado por um grupo de três garotas e cinco rapazes. O homem
circunda o veículo e, com o porta-malas já aberto, tira dele vários quadros com
uns 40 centímetros de largura por quase um metro de comprimento.
Os quadros de
madeira recobertos por material gráfico de boa qualidade citam “corrupção”.
O motorista
engravatado diz alguma coisa ao grupo de jovens e arranca com o veículo.
Chego ao limite da
aglomeração. Grades de cerca de 1, 5 metro separam o extremo da calçada do
Largo da via dos carros. Aproveito um poste metálico próximo pra subir nelas
segurando-me nele, de forma a ter uma visão melhor da aglomeração e registrar
imagens.
Um grupo de jovens
passa por mim dizendo que fora “sacanagem” o que fizeram com o repórter da
Globo Caco Barcelos, que seria “boa gente”. Decido ir atrás pra escutar mais,
tomando cuidado em não ser percebido.
Descubro que o
repórter foi expulso da manifestação e que havia um grupo que pretendia impedir
o trabalho de qualquer um que fosse da Globo, porque a emissora “queima o filme”
do protesto.
Percebo que as
bandeiras do PSTU sumiram. Pergunto a uma garota se viu pra onde foram e ela me
explica que os que as portavam foram convencidos a não exibi-las.
Presto mais atenção
e vejo, a uns 50 metros, uma única bandeira vermelha, só que pequena. Olhando
melhor, percebo ser do PT. Decido ir lá ver quem a carrega.
Ao chegar já não
era uma bandeira, mas duas. Modestas em tamanho, diante das outras. Uma,
empunhada por uma jovem negra, baixinha, que olhava assustada ao redor. A
outra, por um rapaz loiro, cabelos longos e óculos. Também parecia tenso.
Começamos a
conversar com os dois e logo aparece o deputado federal pelo PT paulista Paulo
Teixeira, com mais duas pessoas. Fico sabendo que outros parlamentares, de
vários partidos, foram ao protesto de modo a “garantir o direito dos
manifestantes”.
Naquele momento,
com a chegada do deputado, as pessoas em volta começam a entoar um refrão
contra bandeiras partidárias. Algo como “Sem par-ti-do, sem par-ti-do”.
Os dois jovens
permanecem impassíveis com suas bandeiras. Ao contrário dos que portavam as do
PSTU, não foram convencidos. Foram apupados. Mas permaneciam impassíveis na
missão que se impuseram.
Os gritos aumentam,
mas os dois jovens continuam firmes. Uma aglomeração se forma em volta de nós. Ouço
palavrões. Peço à moça e ao seu companheiro que baixem seus estandartes. O
rapaz me atende, mas a moça não.
Começam empurrões e
xingamentos. Ouço alguém dizer “blogueiro petralha, f.d.p”.
Alguém arranca a
bandeira da mão da moça e a empurra, ela cai, seu companheiro reage, há chutes,
mais palavrões. Os contrários às bandeiras são maioria esmagadora – ou melhor,
são todos.
No empurra-empurra,
sou separado do deputado petista e de seu grupo. E dos dois valentes
porta-estandartes.
Nesse momento, uma
quantidade imensa de pessoas – pareceram-me centenas – começam a entoar um
cântico: “Hei, PT, vai tomar no …!!”
Tento filmar,
acredito ter filmado, mas quando chegou em casa percebo que o empurra-empurra
interrompeu o vídeo, no qual só se pode ouvir “Hei, PT, vai tom (…)”.
(…)
Ouço alguém falando
em “blogueiro do PT” e percebo que é hora de uma retirada estratégica.
Embrenho-me na multidão até chegar à rua, que atravesso. Dali em diante, decido
acompanhar tudo de longe.
Já anoitece e vejo
fumaça e luminosidade colorida no meio da massa. Parecem ser fogos de artifício
ou coisa que o valha, mas não consigo me certificar.
Ouço mais cânticos
contra o PT. Arrisco chegar perto e uma mulher branca, alta, aparentando uns
trinta e poucos anos discursa contra “mensaleiros” e diz que “O PT tem mesmo
que se ferrar”.
Decido sair dali.
Contorno a manifestação. Um grupo bem menor, de umas dez pessoas, entoa “O povo
não é bobo, abaixo a rede Globo”.
Contorno mais um
pouco a manifestação e vejo mais movimentação. E gritam “Sem violência, sem
violência”. Percebo que está havendo um enfrentamento físico.
Chego próximo a um
grupo bem maior em que, lá no meio, vejo cartazes em que só consigo ler
“Alckmin” e “PM”, por conta do empurra-empurra. Parece haver divergência ali
também.
Decido que é hora
de ir. Enquanto retorno ao estacionamento, vejo os trabalhadores passando
rentes à parede, passo rápido. Mulheres de saias e cabelos longos, de mãos
dadas com crianças, olhar no chão.
Um homem magro, de
uns quarenta anos, de boné, malha de lã bege e puída, calça suja de tinta e de
tudo mais que se possa imaginar carrega uma mochila, apressado. Decido tentar
falar com ele.
Digo que sou
jornalista e se poderíamos conversar. Pergunto se veio participar da manifestação.
– Não, senhor, não
tenho nada a ver com isso.
Insisto. O que ele
acha de tudo aquilo? Fica nervoso. Diz que não sabe de nada, principalmente
como vai chegar em casa, em Ferraz de Vasconcelos.
As passarelas sobre
a avenida estão lotadas de trabalhadores andando apressados. Parecem robôs. Nem
olham pros lados e ninguém olha pra eles. Alguns estão sentados, outros de pé
nas paradas. Olhares perdidos no espaço.
Volto ao
estacionamento, percebo que não conseguirei ir em frente na Faria Lima, dobro à
direita, faço uma opção errada e caio, de novo, no Largo da Batata, agora
intransitável.
Carros, ônibus,
caminhões e até uma legião de motocicletas parados, presos entre manifestantes
à frente, atrás, dos lados.
Ouço a sirene de
uma ambulância. Os carros começam a subir nas calçadas, fazendo o possível pra
dar passagem. A ambulância só consegue chegar até os manifestantes e estanca.
Alguns saem do caminho, mas a maioria não dá a menor bola.
Um senhor de uns
sessenta anos, com uma mulher mais ou menos da mesma idade no banco do
passageiro, desce do carro e começa a xingar os manifestantes, falando da
ambulância. Um jovem forte se aproxima, desafiador, mas é dissuadido por outros
manifestantes.
Consigo chegar à
Marginal do Rio Pinheiros, totalmente parada. Já são mais de oito horas da
noite. Começo a tentar cortar por ruas transversais, disparo por avenidas
vazias e acabo indo parar no Alto da Lapa.
Tento me localizar,
que não conheço bem a região. Apelo ao GPS do celular, mas a bateria acaba.
Paro em um posto de
gasolina. Três frentistas conversam com um homem mais ou menos com os mesmos
cinquenta e tantos anos que eu, dono de uma Pajero negra, novinha, sendo
abastecida até a tampa.
Paro o carro na
bomba, mando abastecer e peço pra deixarem eu carregar um pouco o celular. Sou
prontamente atendido. Digo que vai demorar um pouco. Dizem-me que “hoje não
adianta ter pressa”.
Começamos a
conversar. O assunto, claro, o caos na cidade. O motorista da Pajero tem
sotaque nordestino. Está muito bravo com a Polícia. Xinga de tudo quanto é
nome. Fala da foto da repórter da Folha com o olho arrebentado por
uma bala de borracha.
Os frentistas só
olham, sorridentes, mas não dão palpite. Como se estivessem em uma aula,
tentando aprender alguma coisa – talvez o que “bacanas” como eu e meu novo
amigo nordestino esperam ouvir deles quando forem perguntados sobre o assunto.
Pergunto como sair
dali e minhas opções imediatas, segundo dizem os frentistas, é a Lapa ou voltar
ao Largo da Batata.
O motorista da
Pajero diz que vai me ajudar, que sabe como ir cortando até a Cerro Corá. Dali
posso pegar a Rebouças, diz, pra voltar à região da Paulista, onde resido.
– Vem atrás de mim.
Vou te escoltar até lá. Quando eu ligar o pisca-alerta vou entrar à esquerda e
você, à direita. Vai subindo, sempre pra cima, mas fica à sua esquerda. Vai
cair na Cerro Corá. De lá você pergunta.
Explico que, de lá,
eu me viro.
Sigo-o até que faça
a manobra combinada. Buzino, ele buzina de volta e vamos cada um cuidar da
própria vida.
Surpreendo-me com a
Heitor Penteado e a Rebouças. Parece que estou em um domingo às sete da manhã.
Vazia. Não se vê viva alma nas ruas. Nem gente, nem carros, ônibus, motos,
nada.
Já são quase 21
horas. Duas horas pra chegar até lá.
Ouço na CBN que já
há manifestantes na Paulista. Decido voltar pela Rebouças até a Oscar Freire,
fazer o retorno e tomá-la em direção ao Paraíso.
Tudo vazio.
Assustadoramente vazio.
Continuo ouvindo a
rádio que toca – ou que, segundo dizem, “troca” – notícia. Agora falam que manifestantes
estão passando em frente da Globo, na Berrini. E que outros tantos estão
indo ao Palácio dos Bandeirantes.
Minha mulher me
liga no celular recém-carregado, preocupada. Acalmada, relata que o Jornal
Nacional disse que a Globo foi xingada pela manifestação.
PT, Alckmin, Globo…
Penso comigo que
foi nisso que deu a mídia deslegitimar cotidianamente a política e o poder e
seus críticos estimularem a descrença nela. Sobrou pra todo mundo. Pensando
bem, era até previsível.
Foto em Correio do Brasil
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