segunda-feira, 24 de junho de 2013

“CAPITAL ANGOLANO EM PORTUGAL SÓ ENRIQUECE ALGUNS”



Folha 8 – edição 1147 de 22 junho 2013

O dinheiro que cidadãos angolanos aplicam em Portugal não é investimento, serve unicamente para enriquecer alguns portugueses, disse Paulo de Morais, vice-presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica – Portugal à margem da conferência realizada terça-feira em Luanda, promovida pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), da Universidade Católica de Angola.

Tal como defendera em artigo exclusivo publicado pelo Folha 8, Paulo de Morais diz que não há propriamente investimento angolano em Portugal. Explica que se poderia falar de investimento se ele fosse direcionado para novas fábricas, ou para os sectores primário, secundário ou o terciário.

Ora, diz Paulo de Morais, o capital angolano que chega a Portugal destina-se maioritariamente à compra de participações em empresas que já existem, que já estão a laborar. “No fundo, vai é aumentar as fortunas de alguns portugueses. A actividade económica portuguesa pouco beneficia dos capitais angolanos que chegam a Portugal. Quem beneficia são os amigos dos angolanos que estão disponíveis a alienar parte das empresas que têm em Portugal”, acrescentou.

Paulo de Morais fez questão de frisar que a chegada de capitais angolanos a Portugal tem acontecido porque “há um conjunto de portugueses cúmplices dos detentores desses capitais angolanos”. “Investimento é outra coisa. Investimento produtivo seria se capitais provenientes fosse de onde fosse, chegassem a Portugal para criar agricultura, indústria, pescas, metalomecânica. Nada disso está a acontecer. O que está a acontecer é a compra de participações”, acentuou.

Instado a comentar as afirmações recentemente feitas em Luanda pelo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros português, Francisco Almeida Leite, segundo o qual o investimento angolano em Portugal, “mais do que bem-vindo, é desejado”, Paulo de Morais respondeu que o investimento em Portugal “deve ser sempre desejado se duas coisas acontecerem”. Ou seja, “se for de facto investimento que produza riqueza, crie emprego, e se for proveniente de dinheiro que seja de facto limpo. Porque o dinheiro sujo não é um bom investimento, nem em Portugal nem em lado nenhum do mundo”.

No artigo “Vassalagem à corrupção”, um exclusivo que o Folha 8 publicou, Paulo de Morais disse que “o poder oligárquico angolano invadiu a vida económica, social e até politica de Portugal”. Nesse texto, dizia o vice-presidente da Transparência e Integridade, “é dominante a presença angolana nas maiores empresas portuguesas. São inúmeras as suas participações, que vão das telecomunicações através da Zon, aos petróleos, onde marcam posição predominante na Galp; passando pela banca, através do Millennium ou do BIC, e estendendo-se a muitos outros sectores. Angola domina hoje, directa ou indirectamente, uma parte significativa do capital bolsista português. O dinheiro proveniente das riquezas naturais angolanas jorra a rodos nos grupos económicos portugueses. Mas o benefício para a economia lusa é praticamente nulo. Os angolanos não investem em nada de produtivo, não criam riqueza agrícola ou industrial. Limitam-se a comprar participações de capital aos seus amigos portugueses que assim enriquecem, vendendo uma parte do tecido económico português. Mas não há qualquer acréscimo de riqueza real, aumento de actividade económica ou crescimento do emprego, por via da presença angolana”.

Sobre a corrupção, Paulo de Morais escreveu que,“para além do mais, o fortalecimento das relações económicas com Angola estimula a corrupção, pois esta contamina-se. Angola tem os piores indicadores de corrupção do mundo lusófono. Ocupa uma das mais baixas posições mundiais no ranking de transparência da Transparency International. Uma presença permanente de angolanos em sectores chave da economia portuguesa virá ajudar a piorar a já de si débil e decadente situação de Portugal, um humilhante, em termos europeus, 33.º lugar. Não serão seguramente os angolanos e os seus negócios que ajudarão Portugal a recuperar os níveis desejáveis de transparência”.

De um outro ponto de vista, o também autor do livro recém publicado “Da corrupção à crise – que fazer?”, afirmava que “no plano social, a presença angolana é descomedida. Nas lojas mais caras de Lisboa, os milhões jorram. Os consumidores de luxo são a oligarquia constituída pelas famílias dos grandes grupos económicos portugueses, os futebolistas e os milionários angolanos”. E acrescentava: “Em Portugal, em tempo de crise, os portugueses mais pobres estão na miséria, a classe média experimenta as provações do desemprego, das dívidas familiares e da ausência de futuro. Em Angola, o desenvolvimento não chega, a assistência na saúde é uma miragem, falta educação, o povo vive na miséria. Entretanto, as elites angolanas compram os apartamentos mais caros de Lisboa e Cascais, gastam milhões em automóveis topo de gama e frequentam os mais caros restaurantes da capital portuguesa.”

Por tudo isto, Paulo de Morais não tem dúvidas de que“por via deste predomínio económico e influência social, o domínio dos governantes angolanos sobre o poder político português é crescente. Há uma corrida de políticos portugueses que se deslocam a Luanda a prestar vassalagem ao poder vigente. A influência angolana é galopante e chega a todo o aparelho da Administração portuguesa. Observam-se hoje situações inimagináveis, como a do deputado Mota Pinto, que coordena a fiscalização dos serviços secretos portugueses e é, em simultâneo, administrador da ZON, de Isabel dos Santos. Jamais se imaginaria que um empregado de Isabel dos Santos pudesse fiscalizar as secretas portuguesas.”

Por fim, escrevia que “as nossas autoridades estão numa dependência tal do governo de Eduardo dos Santos, que o ministro dos estrangeiros Paulo Portas teve de vir desculpar pelo facto de a justiça portuguesa andar a investigar alguns poderosos cidadãos angolanos. Uma atitude indigna dum ministro de um governo ocidental. Com posturas destas, o governo português transformou-se num dos principais instrumentos das oligarquias corruptas de Angola na Europa e torna-se cúmplice da miséria a que o governo de Eduardo dos Santos condenou os seus concidadãos, nossos irmãos angolanos.”

LIVRO INQUIETANTE E MOBILIZADOR

“Da corrupção à crise - que fazer?”, de Paulo de Morais, editado pela Gradiva, foi recentemente apresentado,no Porto (Portugal) por António Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados.

O livro da autoria de Paulo de Morais, vice-presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade,capítulo português da organização não-governamental Transparency Internacional, contraria – diz o autor – “duas mentiras colossais que contaminam a sociedade portuguesa: a de que os portugueses andaram a gastar acima das suas possibilidades e a de que não há alternativa à austeridade”.

A principal causa da crise em que Portugal se encontra mergulhado é, tal como o autor defende ao longo desta sua obra, a corrupção. Alguns grupos económicos, apoiados pelas grandes sociedades de advogados, dominam completamente a actividade política plasmada na Assembleia da República e que se transformou, ela própria, numa grande central de negócios.

“Ainda agora, enquanto o país empobrece, a classe média se extingue e o desemprego alastra, a corrupção continua a aumentar, os mecanismos de corrupção agravam-se e cresce a promiscuidade entre a política e os negócios”, diz o autor.

Paulo de Morais, um dos principais nomes que dão a cara neste combate desigual pela transparência em Portugal, desmonta e explica o círculo vicioso da corrupção em Portugal. É uma obra de denúncia, mas também de alternativas à chaga que devasta e inviabiliza Portugal. Um livro inquietante e mobilizador.


Sem comentários:

Mais lidas da semana