Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1. Passados dois
anos, a maioria dos comentários sobre a acção do Governo, escritos e falados,
são panfletários ou muito próximos disso. A razão é simples: é extremamente
difícil encontrar racionalidade na incompetência.
Há quem tenha uma
espécie de fé no Governo e jure que tem uma lógica qualquer. Esta lógica não
estará ao alcance do entendimento do comum dos mortais. São raras, mas ainda se
consegue ler e ouvir pessoas que pensam existir uma espécie de pensamento
ideológico e uma linha de actuação definida no Governo. É difícil, mas essas
pessoas encontram um racional para decisões como, por exemplo, a de não pagar o
subsídio de férias a uma parte dos funcionários públicos em Junho havendo
dinheiro e não existindo intenção de passar, no futuro, o pagamento dessa parte
do salário para outro mês. Ou que o Governo não dê uma justificação às pessoas
que tinham a sua vida planeada ou que nem se preocupe em explicar muito bem
explicadinho, como é próprio de uma democracia, porque se mudam as regras a
meio do jogo.
Ainda há mesmo quem
consiga explicar por que diabo o Governo se esqueceu de legislar a tempo e
horas e obrigou Cavaco Silva a uma promulgação que faz que o Presidente da
República pareça uma espécie de pau-mandado ou um mero corta-fitas de
legislação (o que Cavaco Silva faz para salvar o Governo de um terrível vexame.
Não há melhor ministro).
Talvez tenha
existido uma linha ideológica, um pensamento, um plano neste Governo. Talvez.
Se existia nunca chegou a ser conhecido e se chegou a existir já morreu. Nem o
liberalismo de contracapa chegou a revelar-se inteiramente. O que havia era o
memorando e as suas várias correcções e adendas. Mesmo esse, que foi a única
aproximação a um plano que nos foi dado a conhecer, já se desvaneceu como linha
orientadora do Governo.
Porque há uma
assinatura que percorre toda a acção governamental: incompetência com muita
ignorância à mistura.
Os responsáveis
governamentais não queriam acabar com a classe média como estão quase a
conseguir; não queriam, obviamente, criar estes níveis de desemprego; não
queriam obrigar tanta gente a emigrar; não queriam que a dívida se tornasse
impagável; não queriam destruir a economia portuguesa por muitos anos. Sem
ponta de ironia, claro que não. Enganaram-se. Foram tão-só incompetentes. E não
há nada pior do que um incompetente bem-intencionado.
Nem vale a pena
lembrar "assuntos menores" como a TSU, dossier RTP, reforma
autárquica, confusões na Concertação Social, os patéticos pacotes de apoio ao
crescimento. A lista de disparates, de negligência grosseira, de erros
infantis, não tem fim.
Aliás, este súbito
ódio à troika, ao FMI (é penoso lembrar os elogios que foram feitos a esta
instituição e os pedidos lancinantes para que viesse para Portugal) e às
receitas aplicadas mostra bem quão mal estes senhores estavam preparados para
governar: só perceberam que o plano não estava a resultar quando toda a gente
há muito tinha percebido, só entenderam que o programa ia fazer piorar o país
quando já este estava de pantanas. É penoso lembrar as palavras de Passos
Coelho e do inefável Catroga sobre a genialidade da negociação que tinha
tornado o plano um programa genial que ia revolucionar Portugal.
Não sobrou quase
nada. Não há discurso, não há uma linha de rumo, não há um plano. Há apenas uma
vontade de sobreviver ao próximo disparate, ao próximo descalabro orçamental,
aos próximos números do desemprego, aos próximos boletins meteorológicos, aos
próximos humores de Gaspar, aos próximos arrufos de Portas e a muita, muita
incompetência e ignorância sobre o país. Dois anos, apenas em dois anos.
2. Esta semana
Paulo Portas explicou-nos que o que correu bem no Governo foi por causa dele e
o que correu mal teria corrido muito pior se não fosse ele. Isto foi-nos
explicado durante a apresentação de um programa de governo que será, pelo
exposto, radicalmente diferente daquele em que ele é ministro. Diz que é o
plano pós-troika. Só faltou mesmo mandar um abraço lá para casa a António José
Seguro.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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