Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
1 O atual Governo
não comemorou - e fez bem - o seu segundo aniversário. Foi uma prova de bom
senso. Não havia nada a comemorar, visto que Portugal, nestes dois anos, foi de
mal a pior, como as estatísticas indicam e todos os portugueses sentem na pele,
sejam pobres ou ricos.
Aliás, Passos
Coelho, nesse dia de aniversário, tentou mostrar-se, salvo erro, na Amadora e
foi de novo vaiado violentamente, apesar do excesso de polícias e seguranças
que o escoltavam e tentavam proteger, em torno dele ou, prudentemente, estavam
metidos em carros da polícia. Não se faz ideia do que a proteção do
primeiro-ministro e de todos os ministros e secretários de Estado deve custar.
Seguramente um balúrdio...
Portugal nestes
dois anos foi de mal a pior. É incontestável! Os números não mentem. As
portuguesas e os portugueses, que estão desempregados ou a quem, sem respeito
pela dignidade das pessoas, "roubaram" as pensões, para as quais
descontaram longos anos, vivem desesperados e muitas vezes, quando não têm
família, na miséria, a ponto de procurarem comida nos caixotes do lixo. Há
alguém que, sobretudo nas grandes cidades, ignore esta vergonha nacional, num
país como Portugal? E, entretanto, continuam a vender - ou a querer vender -
muito do nosso património. Uma desgraça nunca vista!
Por isso tantos
gritam, todos os dias, cada vez com mais força: basta! Vão-se embora! Mas os
ministros não têm vergonha - é para mim triste dizê-lo, e não o faço como
ameaça mas para os acautelar - porque se assim continuar, como tem sucedido, as
pessoas desesperadas podem deixar de ser pacíficas.
Entretanto, Passos
Coelho, com uma insensibilidade completa ao que se passa à sua volta, disse ao
Expresso do último sábado - cito - "Claro que o normal é recandidatar-me
[...] visto que o meu programa pressupõe duas legislaturas e o Governo não pode
cair por desentendimentos menores."
Além de
incompetente é inconsciente: "Desentendimentos menores" o que se passa
no Governo? Não terá ouvido - ou lido o que disse o FMI? Os prémios Nobel da
Economia, como Krugman e Stiglitz? Ou, ao menos, o que disse no Parlamento o
deputado João Almeida, do CDS e íntimo de Portas? Ou a anunciada greve dos
professores?
Ou não terá visto a
sondagem publicada no Expresso que o coloca de longe como o último dos líderes
políticos dos partidos com assento no Parlamento com 10% negativos de
popularidade e o seu Governo, abaixo de tudo, com 25,8% negativos?
É certo que tem
tido a proteção do seu amigo atual Cavaco Silva, Presidente da República,
contra o que diz a Constituição da República que, aliás, jurou, e que também
continua a descer nas sondagens. Mas com a Europa da Zona Euro a mudar, a
viagem do Presidente Cavaco Silva pode, no seu regresso, trazer algumas
surpresas.
Passos Coelho,
seguidor do seu amigo Vítor Gaspar, odiado por todo o País, não vai ter
"segundo fôlego", como pretende. Prepare-se para isso, que é o mais
provável.
2 A política de
austeridade está a ser um desastre para Portugal, cada vez maior, como para a
Zona Euro. Mas o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é um fanático neoliberal,
que ignora as pessoas (que para ele não contam) e só pensa nos mercados
usurários, dos quais indiretamente depende. Por isso continua a política que
traçou, imperturbável. E o pior é que é ele que manda no Governo.
Contudo, a Zona
Euro está, como não podia deixar de ser, a mudar. Porque as vítimas da
austeridade deixaram de ser só os Estados "preguiçosos" do Sul, como
dizia a chanceler Merkel. A Holanda é um exemplo, como a própria Suécia e, ao
que parece, a Finlândia também, a dar sinais de recessão...
É fundamentalmente
isso que tem levado a senhora Merkel a mudar de política, a aceitar o eixo
franco-alemão e, com a proximidade das eleições a mudar, ao que parece, de
política, dando prioridade à Zona Euro sobre a União Europeia e a atribuir as
responsabilidades ao seu velho amigo presidente da Comissão Europeia, Durão
Barroso, que transformou em "bode expiatório"...
Por outro lado,
também reduziu o Reino Unido - com o primeiro-ministro David Cameron - às suas
circunstâncias... Quem viu a Inglaterra de Churchill e de Attlee e quem a vê
agora! Que diferença...
A senhora Merkel
separou a Zona Euro - para ela a mais importante, agora - da União Europeia dos
Estados europeus que nunca aceitaram o euro como moeda única. Fez bem e é
importante que assim tenha acontecido. E, ao mesmo tempo percebeu - por
interesse próprio - que a austeridade não leva a parte nenhuma, senão à
desgraça dos Estados que a têm seguido. Por isso, apesar de ter tratado tão mal
países como a Grécia, que tanto desprezou, sem então compreender que a Grécia
foi o berço da nossa atual civilização, in extremis não a deixou cair.
Contudo, o mais
interessante é que a chanceler está a mudar de política. Com o Presidente
François Hollande a voltar ao eixo franco-alemão. Porquê? Porque a senhora
Merkel - que era quem mandava na União - percebeu, finalmente, que a política
de austeridade, que impôs a tantos Estados da Zona Euro, lhe pode ser fatal.
Porque com a recessão económica nos países vítimas da austeridade diminuíram
bastante as importações que lhes vinham da indústria alemã. Daí que a economia
alemã comece, ela própria, a ter dificuldades.
3 A Turquia e os
seus problemas A Turquia sempre foi para mim um grande país. Tenho o gosto de o
conhecer bem, quer no interior quer no litoral, bem como alguns dos seus
dirigentes e a sua história, sobretudo desde o tempo de Atatürk até hoje.
Sempre achei um
disparate - e disse-o publicamente várias vezes - que a Turquia, membro da
NATO, não tivesse entrado, como Portugal e Espanha, na Comunidade Económica
Europeia (CEE) e depois União Europeia (UE). O eixo franco-alemão, talvez por
razões nacionais, mas com vistas curtas, sempre considerou isso negativamente.
Contudo, desde há
dez anos, o primeiro-ministro Tayyip Erdogan tem governado a Turquia com mão de
ferro. Mas nos últimos tempos o país está à deriva. E têm-se multiplicado os
combates de rua na Praça Taksim, acusando Israel e o sionismo como um crime
contra a humanidade. Há, seguramente, islamitas fanáticos, mas também há outros
que só querem mais liberdade. E Erdogan, agarrado ao poder, está a tornar-se um
ditador.
A Turquia vai mal e
isso é péssimo, não só para a Turquia como para os países vizinhos e para a
própria Europa e a América.
4 Os países da CPLP
À exceção da Guiné, que se tornou, infelizmente, o paraíso da droga, os outros
países da lusofonia vão geralmente bem e pacificamente, o que é excelente. Cabo
Verde tem ido sempre muito bem. O Brasil, cada vez mais próximo de Portugal, no
fim do ano dedicado aos dois países, com a visita da ministra da Cultura, Marta
Suplicy, e no Dia de Portugal, 10 de junho [ontem], da Presidente do Brasil,
Dilma Rousseff. Com o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, a dar a
sua primeira entrevista à SIC, com grande abertura a Portugal e sem se referir,
com isenção, nem ao Presidente Cavaco Silva nem ao Governo de Passos Coelho, o
que o povo português certamente muito apreciou. Com Moçambique, onde o gás
natural, recém-descoberto, e outros minerais, tem vindo a crescer, como a
agricultura, e ainda o distante Timor, sempre fiel à amizade com Portugal e
vice-versa.
É bem o momento de
o Estado português procurar dar um grande impulso à CPLP. Mas como é possível
fazê-lo, com o atual Governo, que só pensa em negócios - e nunca na cultura - e
vender a retalho o nosso património e no dinheiro a dar à troika, com uma
insensibilidade total pela ruína do seu próprio país?...
5 Certa comunicação
social tem vindo a criticar - sem razão, quanto a mim - o provedor de Justiça,
Alfredo José de Sousa, a ponto de sugerir que se devia demitir. Seria um erro
enorme, porque no estado crítico da situação atual seria dificílimo encontrar
um provedor de Justiça tão bom como este. Os partidos não se iriam entender com
outro. E este tem sido, quanto a mim, excelente.
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