LIBÉRATION, PARIS
– Presseurop – imagem Arcadio
O recente escândalo
de espionagem na Web pelos serviços secretos dos Estados Unidos veio sublinhar
a necessidade urgente de reforma das regras da União Europeia em matéria de
dados pessoais, há anos em discussão. Uma questão sobre a qual as associações de
consumidores e os grupos de pressão dos gigantes da Internet se defrontam.
Raramente se viu
desencadear uma torrente de paixões tão forte como a que acompanha o projeto de reforma da
política europeia sobre dados pessoais. Por um lado, as ONG e associações de
internautas colam fotos de homens em pelota em postais carimbados “Cidadãos
expostos”, para defender a proteção da privacidade no ciberespaço, apelando
a que os nossos deputados sejam bombardeados com eles, para os mantermos
afastados dos grupos de pressão.
Do outro lado, as
mais poderosas empresas da Web lastimam-se, pedindo mais “flexibilidade” para
trabalhar os dados privados de milhões de utilizadores. Pelo meio, arquivistas
e genealogistas agitam a sua bandeirinha, temendo que o princípio do direito ao
esquecimento comprometa a memória coletiva.
Trata-se de um
desafio de grandes repercussões: a reforma em estudo irá substituir a diretiva europeia que rege
os dados pessoais, votada – como indica o seu código, “95/46/CE” – em 1995. A
paisagem digital mudou muito desde então, tornando-se particularmente obsoleta
a disposição do “consentimento inequívoco” dos indivíduos, a condicionar a
recolha dos seus dados. “Inequívoco” quer dizer o quê”?
Fantasias
inimagináveis das empresas
O grupo de trabalho G-29, que
reúne representantes de todas as CNIL – comissões nacionais de Informática e
Liberdades – europeias, trabalhou sobre a questão em 2011. Concluiu que essa
palavra vaga “é muitas vezes mal interpretada ou simplesmente ignorada”,
permitindo quase todas as fantasias imagináveis por parte das empresas: pode
ser “uma assinatura por escrito, mas também uma declaração oral, ou um
comportamento que permita concluir razoavelmente que implica consentimento”.
O G29 dá o exemplo
de um serviço telefónico que fornece o estado do tempo da cidade de onde
telefonam os seus utilizadores: se estes conhecem o princípio de funcionamento
do serviço e se mesmo assim ligam voluntariamente, pode-se concluir que
concordam que a empresa recolha informações sobre a sua localização. É a mesma
lógica da Amazon, que sugere aos utilizadores a compra de “produtos similares”
aos que já consultaram no site: perante estas sugestões, os utilizadores
deveriam perceber que o seu histórico de navegação é gravado; logo, se se
mantêm na Amazon.com, é porque não têm nenhuma objeção a isso. O
“consentimento” dos internautas está a transformar-se aos poucos numa “ausência
de recusa”.
A reforma integral
da diretiva foi concebida para dar aos cidadãos o controlo efetivo dos seus
dados. Primeiro, consagrando finalmente o princípio do “direito
ao esquecimento”, tão reivindicado nos últimos anos. Em segundo lugar e
mais importante, instaurando o retorno da palavra “explícito” ao lado do termo
“consentimento”. Uma pequena palavra que tem uma enorme quantidade de inimigos.
Já considerada e depois eliminada em 1995, voltou à mesa para caracterizar a
forma como uma “pessoa envolvida concorda, por meio de uma declaração ou de um
ato positivo unívoco, que dados de caráter pessoal que lhe dizem respeito sejam
objeto de processamento”.
Uma inundação de
“pop-ups”
Na prática, pode
ser uma pequena bula, como a que já utilizam os navegadores Firefox e Chrome,
quando se visita um site em que há necessidade de se fazer
geolocalização. Pode-se, então, optar por permitir que o site recolha
essa informação apenas na visita em curso, em todas as futuras visitas... ou
nunca e para todo o sempre. Imagine-se uma mensagem “pop-up” no YouTube a pedir
autorização para pesquisar o nosso histórico de navegação, antes de nos propor
vídeos de gatinhos fofos.
Imaginemos o
Facebook a avisar-nos de que o número de telemóvel que acabamos de lhe
proporcionar para “reforçar a segurança da [nossa] conta” pode ser enviado para
os programadores do Farmville. Sonhamos com “banners” bloqueados até
darmos autorização para sermos classificados em classes de idade, sexo,
residência e marcas favoritas de fatos de banho.
Que horror!, essa
“inundação” de “pop-ups” acabaria por confundir os utilizadores, exclamam
Facebook, Amazon, Microsoft, Google e eBay, que temem que o consentimento
explícito sistemático “excessivamente rígido e formal” dificulte a sua
capacidade de “inovar” (não podem inovar com o consentimento dos clientes?).
Este bando alegre pediu tão insistentemente aos deputados para renunciarem ao
consentimento explícito, que o texto votado pela comissão para as “liberdades civis”do
Parlamento Europeu, em 29 de maio, incorporou múltiplas alterações, por vezes
copiadas na íntegra de propostas dos grupos de pressão...
A pressão das
empresas, tão intensa que 18 ONG norte-americanas acabaram por exigir
solenemente que os Estados Unidos deixassem de intervir na legislação europeia,
tem óbvias motivações económicas. “Os gigantes da Internet temem que mais
controlo dos utilizadores reduza a quantidade de dados que processam”, explica
a associação francesa Quadrature du Net. E os seus argumentos são
atendidos. Considerando que o projeto é demasiado penalizador para as PME (e
muito vago e sensível, por outro lado), os deputados europeus acabam de retocar
o texto, adiando um debate mais aprofundado para 2014. Até lá, os gigantes da
Web terão tempo para coligir um belo pacote de dados pessoais.
Traduzido por Ana
Cardoso Pires
GENEALOGIA
Um obstáculo
imprevisto
O novo regulamento
em matéria de proteção de dados pessoais corre o risco de comprometer as
investigações genealógicas, alerta o Helsingin Sanomat. De facto, segundo o diário de Helsínquia, este novo
regulamento obriga o investigador a indicar que obteve o consentimento da
pessoa sobre a qual efetua as suas investigações antes de poder utilizar os
seus dados pessoais. O que significa que os genealogistas deverão pedir o
consentimento escrito de qualquer pessoa viva cujo nome aparece nos registos de
Estado civil. O que pode envolver milhares de pessoas.
Assim sendo, realça
o jornal, “no futuro as investigações serão provavelmente limitadas aos antepassados
falecidos”.
Mais um na UE - Adesão
da Croácia
No dia 1 de julho,
a União Europeia contará com mais um Estado: a Croácia.
Para celebrar a
entrada do 28.º país-membro, o Presseurop associou-se ao diário croata Novi
List. Todos os dias da semana, a partir do 24 de junho e até ao dia 1 de julho,
publicaremos um artigo do Novi List relacionado com a adesão da Croácia.
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