Rui Peralta, Luanda
I - Os capacetes
azuis austríacos decidiram retirar-se dos Montes Golã, após o exército sírio
ter tomado a cidade de Quneitra, no início de Junho, após intensos combates
contra os bandos que ocupavam a cidade. Os austríacos alegam insegurança,
conforme anunciaram o chanceler Werner Faymann e o ministro do Exterior,
Michael Spindelegger. Um comunicado do Ministério da Defesa austríaco refere
que a situação deteriorou-se nas últimas semanas e que os soldados austríacos
já não têm condições para permanecer na região, uma vez que existem
dificuldades logísticas e que a liberdade de movimentos é inexistente.
Josephine Guerrero
porta-voz das forças da ONU estacionadas nos Montes Golã, UNDOF, confirmou os
intensos combates que levaram á tomada de cidade por pate das forças armadas
sírias e que dois capacetes azuis sofreram ferimentos ligeiros. O
secretário-geral da ONU lamentou a decisão da Áustria e expressou a sua
inquietação pelas consequências desta retirada e o mesmo fizeram os israelitas,
cm palavras similares e concordância de discursos. Os israelitas apresentaram,
também uma queixa na ONU, sobre a “instabilidade” vivida nos Montes Golã, o que
não deixa de ser curioso por vários motivos, a saber:
1) Israel ocupa parte
dos Montes Golã, desde á décadas, contra todas as decisões e moções da
comunidade internacional, referentes á desocupação daquela parcela do
território sírio;
2) A instabilidade
a que os israelitas referem-se foi causada pelo reassumir do controlo por parte
do governo sírio, de uma cidade que estava ocupada pelos bandos de mercenários
ao serviço dos estados do golfo e da NATO. O reassumir do controlo por parte do
governo sírio parece ser um sinal de instabilidade para os israelitas, que
consideravam estabilidade a ocupação da cidade por parte dos mercenários ao
serviço dos estados do golfo e da NATO.
3) As mesmas
parecem ser as motivações dos austríacos. A “liberdade de movimentos”
aparentemente só existia, para os capacetes azuis austríacos, enquanto os
mercenários controlavam a cidade. Quando o governo sírio, membro da comunidade
internacional, Estado integrante das Nações Unidas e a autoridade legítima na
área, que é território sírio, reassumiu o controlo da cidade, os austríacos
definharam e consideraram-se em perigo. No mínimo estranho, pois a UNDOF é
devida á ocupação israelita daquela parcela do território sírio. Ou será que os
austríacos pensavam que já eram uma força expedicionária da NATO, cuja presença
servia de suporte aos israelitas e aos mercenários que agridem o território
sírio?
II - Outra cidade
sobre a qual as autoridades sírias reassumiram o controlo foi Quseir, após
fortes combates e com o apoio das milícias do Hezbollah. O reassumir do
controlo da cidade por parte do governo, parece ter provocado uma onda de
indignação na NATO e nos estados do gofo, para além de uma serie de olhos
lacrimejados nos órgãos de propaganda tóxica internacional (as cadeias
noticiosas e os escribas dos serviços de inteligência ocidentais que se fazem
passar por jornalistas).
A população de
Quseir, cerca de quarenta mil habitantes, viveu no terror e na humilhação, durante
a ocupação da cidade por parte dos bandos fascistoides islâmicos que impuseram
a sharia, as torturas e os interrogatórios de fé sobre os “infiéis que
conspurcavam a cidade”. Sofreu o cerco e os bombardeamentos efectuados pelo
exército sírio e pelas milícias do Hezbollah. A cidade foi prácticamente
destruída, devido aos intensos combates.
Quseir é uma
importante vitória para o governo sírio. Não apenas pelo seu posicionamento
geoestratégico, ou pela sua importância económica, mas pelo seu papel simbólico
para o Exercito Livre da Síria (ELS) e para o Conselho Nacional Sírio (CNS), da
oposição. Simbólico porque revelador da sua fraqueza político-militar, pois que
neste momento pouco mais controlam. Simbólico também, porque desde que o ELS
tomou a cidade, foi visível a luta entre os diversos bandos que o compõem. A
sua cúpula militar nunca chegou a entrar em Quseir, devido às lutas internas e
o CNS apenas enviava congratulações e mensagens de resistência a partir do
Qatar, pois os seus membros nunca foram bem-vindos entre os bandos que
assumiram o controlo da cidade, depois das lutas internas.
O tragicómico CNS e
a sua panela de pressão de bandos armados, o ELS, fizeram desta batalha um “momento
épico”, pelo que se podia ler nos órgãos informativos, como estivessem perante
a tomada de Damasco. Mas as suas forças, bem armadas, bem equipadas e apoiadas
pelo Ocidente e pelos seus aliados árabes, nada conseguiram frente á firmeza as
forças armadas sírias e á grande operacionalidade das milícias do Hezbollah,
que desde a primeira invasão israelita do Líbano, tem naquela cidade um
referencial histórico e solidário, uma vez que foi em Quseir, que ficaram
albergados muitos dos seus militantes e apoiantes.
III - Durante este
mês a ONU acusou ambos os lados do conflito sírio de “novos níveis de
brutalidade”, o que engloba tortura, rapto, homicídio, desalojamentos forçados
e outros actos desumanos, essencialmente praticados contra civis. A questão das
armas químicas está em aberto. Os investigadores da ONU dizem ter recebido
informações que alegam o uso de armas químicas por parte das forças
governamentais, mas não confirmam.
A França, sempre em
busca de uma crise internacional para espalhar os seus enfants de la patrie,
fala em gás sarin e que os seus laboratórios já comprovaram o uso deste gás na
Síria. O seu ministro do Exterior, o enfadonho Laurent Fabius falou imenso
sobre o assunto, disse que as “linhas foram, sem dúvida, ultrapassadas” e “que
todas as opções estão sobre a mesa” (já todos disseram esta frase da mesa, mas
Laurent Fabius não é propriamente conhecido pela sua originalidade) só que os
franceses não dão detalhes nem comprovam efectivamente estas ocorrências:
quando, onde e se foi o governo ou a oposição a fazer uso do gás sarin.
Em resposta á
França, a Casa Branca, através do seu porta-voz, Jay Carney, anunciou que “é
necessário mais informação” sobre estas alegações de uso de gás. Os cuidados
norte-americanos são tanto maiores, quanto mais se observam as tensões a
ultrapassar a fronteira síria e a afectarem toda a região, principalmente o
Iraque, onde mais de 500 pessoas morreram, em Maio, o que faz subir o número de
vítimas, desde Abril, para 700, altura em que começaram uma nova série de
atentados e choques violentos entre xiitas e sunitas.
Os USA também
observam a subida de tensão no Norte do Líbano e seguem com apreensão os
acontecimentos na Turquia, não apenas o desenvolvimento das manifestações, mas
também a evolução da situação curda (muito sensível aos acontecimentos na
Síria) no país. Entretanto a administração Obama anunciou que misseis Patriot e
aviões de combate F-16 foram colocados na Jordânia, para um exercício militar, mas
que aí permanecerão até novas decisões, dependentes da evolução do conflito
sírio.
IV - Os últimos
avanços das forças governamentais sírias, que consolidaram as suas posições no
terreno, vieram desmentir a imagem pré-fabricada pela propaganda ocidental que
apresentava a queda iminente de Damasco e a fuga de Bashir. Não só Damasco
continua firme, como Bashir não parece minimamente preocupado com a sua
permanência, nem o “tenebroso regime sírio” “a tirania monstruosa de Bashir”
parece sofrer grandes beliscaduras. Calmamente as forças armadas sírias avançam
no território, repondo a administração nas áreas que o ELS ocupou e que agora
abandona apressadamente.
O avanço
governamental é agora para sul, através da fronteira com a Jordânia, o que
levou a NATO a inventar exercícios militares na Jordânia e os USA a enviarem os
misseis e aviões, acima referidos. É evidente que o exagero com que a pintura
da paisagem síria foi efectuada para a opinião publica internacional, caiu por
terra e agora está um quadro pouco nítido e confuso, que leva a opinião publica
internacional a interrogar-se sobre o que se está realmente a passar.
O estado caótico em
que se encontra a chamada “oposição síria”, tanto as cúpulas politicas, como as
militares, a falta de consenso, o constante ziguezaguear do CNS, o papel cada
vez mais preponderante da al-Qaeda, que através da Frente al-Nusra, tomou o
controlo de muitas das operações do ELS e o facto de a direcção do CNS passar o
seu tempo nos fóruns internacionais, enquanto no terreno ninguém a conhece,
reconhece ou acata as suas orientações, são factores que contribuem para o
esboroar da tinta que foi utilizada para pintar o “cenário sírio”. Tinta de má
qualidade, argumentos mal escritos e guiões incongruentes estão a fazer recuar
a produção que o Ocidente e os estados do golfo pretendiam realizar na Síria.
Mas não são apenas
os argumentistas de terceira, os guiões de quarta e os cenários mal desenhados
e concebidos. O Secretário de Estado John Kerry, este mês decidiu fazer uma
acção de “agitprop” da de pior qualidade, para consumo das grandes massas
norte-americanas que nem sabem onde localizar a Síria num mapa-globo. Eis então
um pequeno trecho da fraseologia do “popularucho” Kerry:
“What is happening
in Syria is happening because one man, who has been in power with his family
for, you know, years now, more than 40 years, will not consent to an
appropriate process by which the people of Syria can protect minorities, be
inclusive, and have the people of Syria decide their future.”. Retrato tirado
da família Assad, eis que o aprendiz de “agitador” passa de imediato ao Irão (o
objectivo final) e á nova dor de cabeça da NATO e dos seus aliados árabes, na
ofensiva contra a Síria: o Hezbollah. Fala assim, o “activista” Kerry: He has
decided to protect himself and his regime’s interests by reaching out across
state lines and actually soliciting the help of Iran on the ground with
fighters, as well as Hezbollah, a terrorist organization. A designated
terrorist organization has now crossed over from Lebanon into Syria and is
actively engaged in the fighting.”
Estas palavras não
foram proferidas num encontro intimo de “amigos da Síria”, ou depois de um
jantar em que os efeitos da bebida se fazem sentir. Estas palavras foram
proferidas pelo sóbrio John Kerry na sua função de Secretário de Estado. Decepcionante
e irrealista, ou melhor, mentiroso. E também de pouca dignidade para o alto
cargo que ocupa. Os USA merecem melhor, quanto mais não seja pela sua História
e pelo seu povo…
V - Os serviços
secretos tunisinos referem que actualmente combatem na Síria, ao lado do ELS,
cerca de dois mil tunisinos. O ELS está recheado de combatentes provenientes
dos países islâmicos, recrutados tanto pela Al-Qaeda (centrados, agora na
al-Nusra) como pelos serviços secretos dos estados do golfo, da Turquia, dos
serviços de inteligência europeus e pelas células da CIA na região. A agressão
á Síria é um facto reconhecido pelos agressores. Como é uma agressão, logo é um
conflito internacionalizado. Por isso hoje, no terreno, para alem dos
agressores estrangeiros, estão os aliados da Síria, como o Hezbollah, cujos
serviços de informação fizeram uma leitura correcta da situação na região e
decidiram aliar-se ao governo sírio no momento em que é pressentida uma
movimentação interna no Irão no sentido de uma eventual “normalização” nas
relações entre este país e os USA (as palavras de Kerry, acima expostas, que
referem o Irão foram ditas antes das eleições iranianas), consequência das
lutas internas na elite politica iraniana, entre os “moderados” e os “radicais”,
tendo os primeiros ganho alguma influência, conforme ficou demonstrado nas
eleições.
A movimentação do
Hezbollah é pois realizada no exacto momento em que os “radicais” iranianos
tentam-se entrincheirar nos serviços secretos iranianos e resistir ao
previsível avanço dos “moderados” e a uma eventual aproximação entre os USA e o
Irão. Embora a “normalização iraniana” não vá ter uma grande influencia nos
objectivos dos USA e da NATO (a alteração dos mapas e o retalhar de fronteiras,
para melhor controlo dos recursos globais) é importante no sentido em que
implica uma neutralização do Irão, o que facilitará as movimentações de
desintegração da Síria, tornando a questão muito mais facilitada (porque já com
os testas de ferro a funcionar em pleno no Irão) naquela que será a próxima
acção de agressão: o próprio Irão.
Ao
internacionalizar a sua posição, o Hezbollah prepara-se para uma situação de
guerra prolongada em diversas frentes: na Síria, no Líbano (o seu país de
origem) e eventualmente no Irão, para alem de uma manifesta ofensiva na
Turquia, realizada através dos seus aliados curdos e das suas células locais,
criadas na Turquia com a colaboração dos serviços de inteligência sírios e
iranianos. E esta leitura dos serviços de inteligência do Hezbollah (na
actualidade, os mais eficientes na região e os únicos que conseguiram
neutralizar a MOSSAD) é a mais correcta.
A paz não será
visível nos próximos tempos, em toda a Ásia ocidental. Não só pelas dinâmicas
externas, mas também pelas dinâmicas internas, que em alguns países são
centrifugas e estão em plena ebulição. E estes factores levam a que os USA
assumem uma posição expectante e joguem, também eles em várias frentes. Os
norte-americanos (ao contrário dos seus aliados turcos, franceses e do estado
do golfo) têm muitas peças no tabuleiro, para além de um tabuleiro muito maior.
A aparente diferença entre os discursos de Obama e de John Kerry, são apenas
isso mesmo: aparências.
Os USA sabem que a
pressa turca, francesa e dos estados do golfo é devida a esta dinâmica, que aos
poucos foge ao controlo do Ocidente. A NATO (franceses e turcos incluídos)
aposta numa guerra a curto prazo e de curto termo, por razões internas e
inerentes á situação de crise financeira e económica vivida na Europa. Os
franceses necessitam que algo ocorra e tentam fabricar as histórias
relacionadas com o uso de armas químicas. A situação politica interna de
Hollande é cada vez mais precária e a elite politica francesa procura no plano
externo os sucessos que não pode obter no plano interno, para satisfazer a
elite económica.
A Turquia vive um
momento de contestação ao seu governo. A dinâmica interna entrou num período de
grande agitação e as divergências no seio da sociedade turca agravam-se
rapidamente e em todos os sentidos. A luta entre os sectores urbanos, laicos e
os rurais, religiosos, agudiza-se, assim como as lutas sociais e as
reivindicações dos trabalhadores, perante uma situação económica cada vez mais
difícil. Os curdos, por sua vez, forçam o governo turco a um acordo e jogam com
o abandono da luta armada, prometendo-a mas não terminando com as operações no
terreno, ao mesmo tempo que apostam na movimentação de massas e no alargamento
da luta politica. Dai a impaciência dos governantes turcos em iniciar uma
guerra declarada com a Síria, integrados na NATO e com a participação dos USA.
Quanto aos estados
do golfo, a situação interna também não corre bem e são alvo de uma cada vez
maior contestação interna. Por outro lado, os seus “cavalos de corrida” na
Síria, a ala maioritária do CNS, já demonstraram a todos a sua incompetência e
falta de cultura politica. Os estado do golfo sabem que quanto mais tempo
passar mais terão de negociar com os radicais sunitas, para arranjar uma
solução, que os afastará do seu objectivo imediato: um estado subordinado aos
emires, ou uma serie de pequenos emirados na Síria. Daí que financiem tudo e
todos, para acelerar o processo de desintegração da Síria.
Perante este quadro
os USA agem com as devidas precauções. Eles têm mais peças no tabuleiro que
qualquer um dos seus aliados, mas têm também que olhar para a posição russa,
coordenar as suas actividades com os britânicos e controlar os ímpetos súbitos
dos seus aliados israelitas (seguidos de longos períodos de estática
esfíngica), para alem de conter a impaciência dos restantes. Observam, fazendo
contas á vida, o alargamento da “mancha síria”, principalmente ao Iraque e ao
Líbano e coçando a cabeça (em conjunto com os seus parceiros da U.E, na NATO)
perante o agravamento interno turco.
(continua)
Fontes
Cockburn, Patrick http://www.independent.co.uk/voices/comment/just-who-has-the-most-to-gain-if-the-killing-in-syria-goes-on-8640745.html
Chossudovsky, Michel http://www.globalresearch.ca/the-forbidden-truth-the-u-s-is-channelling
chemical-weapons-to-al-qaeda-in-syria-obama-is-a-liar-and-a-terrorist/5339004
Glaser, John http://www.globalresearch.ca/us-defense-contractors-training-syrian-rebels-to-handle
chemical-weapons/5315180
http://gara.naiz.info/paperezkoa/20130613/407820/es/Pogromo-antichii-venganza-avance-militar-Damasco
New York Times,
May, 23, 2013
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