Deutsche Welle
Muitos descendentes
de estrangeiros, mesmo nascidos na Alemanha, são obrigados a abdicar da
nacionalidade de origem para ter a alemã. Partidos políticos e especialistas
defendem a regularização da dupla cidadania.
A Alemanha já é, de
longa data, um país receptor de imigrantes, mas ainda tem problemas para se
entender como tal. A política de imigração, definida sobretudo por governos
conservadores, exige dos estrangeiros e seus filhos – mesmo os já nascidos no
país – uma lealdade à Alemanha documentada no passaporte. Entre as razões para
isso estão um temor, muitas vezes velado, da formação de guetos e das chamadas
"sociedades paralelas".
Até hoje, políticos
da conservadora União Democrata Cristã (CDU), o partido de Angela Merkel,
argumentam que um cidadão não pode ser leal a um país se tiver dupla cidadania.
A CDU defende o direito da cidadania adquirida para imigrantes e seus
descendentes, sem, contudo, a possibilidade de manter mais de uma
nacionalidade.
Em 2000,
social-democratas e verdes tentaram, durante o governo de coalizão, modernizar
o "Direito de Nacionalidade e do Reich", datado de 1913 e ainda em
vigor no país. As duas facções tentaram fazer com que os estrangeiros tivessem
maior facilidade de adotar a cidadania alemã, possibilitando a dupla nacionalidade.
A reforma
desencadeou algumas mudanças: desde então, passou a ser possível ao estrangeiro
que vive no país há seis ou oito anos adotar a cidadania alemã, em vez dos 15
anos necessários anteriormente. No entanto, a câmara alta do Parlamento (Bundesrat),
na época dominada pela CDU, impediu que democrata-cristãos e verdes aprovassem
o reconhecimento legal da dupla nacionalidade. O acordo selado entre os
partidos em 2000 criou uma situação que vem trazendo problemas para muitos
imigrantes e seus descendentes.
Situação jurídica
confusa e perigosa
Há, por exemplo,
muitos estrangeiros vivendo na Alemanha, cujos países de origem não tirariam
deles a cidadania. Este é o caso de Brasil, Marrocos, Síria, Irã e de dezenas
de outras nações. Quem vem de um destes lugares e quer ter um passaporte alemão
precisa entrar com um "requerimento de manutenção da nacionalidade
anterior". A essas pessoas é possível manter duas nacionalidades.
O direito de dupla
cidadania é também exercido pelos três milhões de descendentes de alemães que
migraram para o país depois da derrocada da União Soviética, bem como aos
filhos de pais americanos ou de qualquer país da União Europeia. Todos os
outros imigrantes de países que não pertencem à UE precisam optar por uma só nacionalidade:
ou a alemã, ou a de origem. A situação mais complexa diz respeito aos filhos de
imigrantes que nasceram na Alemanha. Até os 18 anos de idade, eles podem manter
as duas nacionalidades, mas com a maioridade são obrigados a optar por uma
delas.
Chamados de
"crianças que precisam optar", eles são obrigados a resolver entre o
18° e o 23° ano de vida se querem continuar mantendo a nacionalidade alemã.
Para isso, é preciso abdicar oficialmente da outra nacionalidade de origem. O
documento do outro país que comprova a perda da cidadania pode, contudo, levar
meses para ser expedido.
"E quem não
puder provar até o aniversário de 23 anos que não tem mais uma segunda
nacionalidade perde automaticamente a alemã", alerta Susanne Worbs, do
Departamento Federal de Migração e Refugiados.
Uma pesquisa
oficial confirma que a maioria dos jovens atingidos por esta questão não detém
as informações necessárias sobre tais obrigações burocráticas. "Quem perde
os prazos precisa, em último caso, entrar com um pedido de visto na
Alemanha", alerta Worbs, ao salientar que o tempo gasto para este
procedimento não deve ser subestimado.
Decisão forçada
gera polêmica
Na Alemanha, o
grupo mais atingido pela obrigação de escolher entre uma ou outra nacionalidade
é o de origem turca, que forma a maior comunidade de imigrantes e descendentes
no país. Muitos turco-alemães – ou seja, filhos de turcos, mas nascidos na
Alemanha – a reclamam da lei que os obriga a abdicar da nacionalidade de seus
pais quando optam pela alemã. Ao fazerem isso, eles têm a sensação de estarem
abdicando de sua cultura de origem. E acham injusto que a muitos outros
estrangeiros seja permitida a dupla nacionalidade, o que lhes é negado.
A opção pelo
passaporte alemão permite votar e, com isso, poder contribuir para determinar
os rumos do país. E também usufruir da proteção das representações diplomáticas
alemãs em todo o mundo. Por outro lado, abdicar da cidadania turca pode trazer
também desvantagens, como por exemplo a dificuldade ou até a proibição do
exercício de determinadas profissões, só permitidas aos cidadãos do país. Isso
dificulta a mobilidade profissional do cidadão. Receber uma herança na Turquia,
sendo cidadão de outro país, também é mais complicado.
"Na verdade,
não deveria ser assim, mas na realidade muitos departamentos públicos das
prefeituras se veem sobrecarregados", afirma Serkan Tören. Deputado
federal de origem turca pelo Partido Liberal Democrático (FDP), ele tomou há
cinco anos a decisão de se tornar alemão. "Você se torna de repente parte
da sociedade na qual vive. Isso foi para mim muito importante", completa.
Tören acredita que
a obrigação de optar por apenas uma nacionalidade não é positiva e defende a
permissão de dupla cidadania a todos os imigrantes e seus filhos. "Muitos
outros países do mundo permitem isso também. Se quisermos concorrer com eles,
na luta para angariar mão de obra especializada para a Alemanha, precisamos
aceitar a dupla nacionalidade", reivindica o parlamentar.
Mudanças à vista
Esta postura
política do deputado é comum entre os membros do FDP, que apoiam em sua maioria
a dupla cidadania. Não se sabe, porém, se eles conseguirão se impor frente à
conservadora CDU. Social-democratas, verdes e membros do partido A Esquerda
pretendem, caso cheguem ao poder, regularizar a dupla nacionalidade.
Uma iniciativa do
Bundesrat (câmara alta do Parlamento), hoje de maioria social-democrata,
opôs-se oficialmente à obrigação da opção por uma nacionalidade e está à espera
de uma decisão do novo Bundestag (câmara baixa do Parlamento), a ser eleito no
segundo semestre deste ano. Enquetes atuais provam que há um número cada vez
maior de alemães que defendem a dupla nacionalidade para os imigrantes e seus
filhos.
"Mais cedo ou
mais tarde as regras atuais vão cair por terra, pois elas são alheias ao tempo
presente", aponta o pesquisador da Universidade de Osnabrück Jens
Schneider. Ele teme que todo aquele que não puder manter duas nacionalidades
acabe voltando a seu país de origem. "O atual direito de nacionalidade tem
alto potencial explosivo", acredita Schneider. Nas escolas, diz ele, isso
causa graves "problemas de estranhamento" – uma observação comprovada
por suas pesquisas.
No estado da
Renânia do Norte-Vestfália, o maior do país, os requerimentos pedindo a
nacionalidade alemã caíram em torno de 40% – uma tendência que pode ser
observada em todo o país. A Secretaria de Integração do estado vê a não
introdução do passaporte duplo e a obrigação de abdicar da segunda cidadania
como uma das razões para isso. Pois manter a nacionalidade de origem é parte
essencial da identidade do cidadão.
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