António Marinho
Pinto – Jornal de Notícias, opinião
Constitucionalmente,
o presidente da República desempenha um papel extraordinariamente relevante no
nosso regime democrático. Ele é o garante da independência nacional, da unidade
do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas. O presidente
da República é, de acordo com a nossa Constituição, o primeiro órgão de
soberania, logo seguido pela Assembleia da República, Governo e tribunais. A
natureza semipresidencialista do nosso regime não deixa, contudo, de lhe
conferir competências de um verdadeiro líder político do povo português. O
papel que a Constituição reserva ao PR assume uma importância ainda maior nos
momentos de crise em que a confiança nas instituições democráticas e a
credibilidade dos agentes políticos se desvanece.
As várias gerações
de titulares de órgãos de soberania, que ao longo das últimas décadas se
fizeram eleger ou designar para as respetivas funções, não só não souberam
evitar a crise como não foram capazes de criar condições para que ela fosse
encarada e ultrapassada com dignidade. Constitui uma inominável vergonha
nacional que Portugal, o mais antigo Estado-Nação da Europa, esteja hoje, por
vontade de alguns partidos, reduzido ao estatuto de um protetorado, governado
de facto por um triunvirato de instituições internacionais não democráticas.
Mais do que a sua independência política e económica, Portugal perdeu, de
facto, a sua dignidade de país soberano.
Talvez em nenhum
outro momento da nossa história quase milenar o povo português se tenha sentido
tão derrotado como agora. Talvez em nenhum outro período da nossa história
coletiva tenha havido tão pouca esperança no futuro como agora. As nossas
elites - os nossos melhores - venderam-se e nesse ato de degenerescência moral
alienaram também o que de melhor havia neste povo de marinheiros: a coragem
para enfrentar as grandes adversidades, a força para vencer adamastores e
mostrengos, a capacidade, em suma, de, nos piores momentos, gerar esperança e
confiança no destino coletivo.
Há menos de 30
anos, prometeram-nos com cerimoniais grandiloquentes uma Europa do progresso e
do bem-estar; uma Europa da cidadania; uma Europa da solidariedade. Tudo isso
nos foi garantido com a pompa e a circunstância com que ao longo da história se
enfeitaram as grandes mentiras coletivas. Esse projeto grandioso nasceria aqui
neste território há mais de quatro mil anos dilacerado por sangrentas guerras
civis e que, por egoísmos nacionais, gerou algumas das maiores catástrofes da
história da humanidade.
Eu, que fui, na
dimensão dos meus mundos pessoais, um cidadão entusiasmado com esse ideal
helenista, deixei há muito de acreditar nessa mentira e, hoje, quase sinto
vergonha de ser europeu. Essa Europa, renascida das cinzas da guerra mais
devastadora de sempre, que nos prometeram de paz e de prosperidade, está hoje
novamente dilacerada por uma outra guerra entre os seus vários egoísmos
nacionais, em que o papel outrora pertencente às espadas, tanques e canhões é
agora desempenhado pelo dinheiro e pelos antagonismos tribais que ele gera e
exacerba.
Neste contexto,
muitos portugueses olharam para o presidente da República como um líder à
altura das melhores tradições de um povo digno e independente. Esperavam dele
uma postura de primeiro magistrado do país, capaz de despertar o que há de mais
genuinamente português na alma de cada português e de mobilizar este povo para
as gigantescas tarefas de reconstrução (da identidade) nacional.
Mas não, o que o
atual presidente da República nos oferece é a postura de um ajudante do Governo
tentando dourar as pílulas com que anestesiam as frustrações do nosso
descontentamento coletivo. O que o presidente da República nos oferece são
promessas vagas e longínquas de ilusões historicamente irrealizáveis porque,
entretanto, deixaremos de ser povo, Estado e Nação. Identificado politicamente
com a agenda ideológica dos partidos do Governo, o PR não exerce o cargo com
lealdade constitucional, mas sim com subserviência em relação a essas
lideranças partidárias.
Triste sorte a de
um povo cujo dirigente máximo opta por ser pequeno precisamente no momento em
que a história lhe oferece as condições para ser grande e, sobretudo, para
despertar a grandeza moral do povo que lidera.
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