segunda-feira, 1 de julho de 2013

Portugal: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA




António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião

Constitucionalmente, o presidente da República desempenha um papel extraordinariamente relevante no nosso regime democrático. Ele é o garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas. O presidente da República é, de acordo com a nossa Constituição, o primeiro órgão de soberania, logo seguido pela Assembleia da República, Governo e tribunais. A natureza semipresidencialista do nosso regime não deixa, contudo, de lhe conferir competências de um verdadeiro líder político do povo português. O papel que a Constituição reserva ao PR assume uma importância ainda maior nos momentos de crise em que a confiança nas instituições democráticas e a credibilidade dos agentes políticos se desvanece.

As várias gerações de titulares de órgãos de soberania, que ao longo das últimas décadas se fizeram eleger ou designar para as respetivas funções, não só não souberam evitar a crise como não foram capazes de criar condições para que ela fosse encarada e ultrapassada com dignidade. Constitui uma inominável vergonha nacional que Portugal, o mais antigo Estado-Nação da Europa, esteja hoje, por vontade de alguns partidos, reduzido ao estatuto de um protetorado, governado de facto por um triunvirato de instituições internacionais não democráticas. Mais do que a sua independência política e económica, Portugal perdeu, de facto, a sua dignidade de país soberano.

Talvez em nenhum outro momento da nossa história quase milenar o povo português se tenha sentido tão derrotado como agora. Talvez em nenhum outro período da nossa história coletiva tenha havido tão pouca esperança no futuro como agora. As nossas elites - os nossos melhores - venderam-se e nesse ato de degenerescência moral alienaram também o que de melhor havia neste povo de marinheiros: a coragem para enfrentar as grandes adversidades, a força para vencer adamastores e mostrengos, a capacidade, em suma, de, nos piores momentos, gerar esperança e confiança no destino coletivo.

Há menos de 30 anos, prometeram-nos com cerimoniais grandiloquentes uma Europa do progresso e do bem-estar; uma Europa da cidadania; uma Europa da solidariedade. Tudo isso nos foi garantido com a pompa e a circunstância com que ao longo da história se enfeitaram as grandes mentiras coletivas. Esse projeto grandioso nasceria aqui neste território há mais de quatro mil anos dilacerado por sangrentas guerras civis e que, por egoísmos nacionais, gerou algumas das maiores catástrofes da história da humanidade.

Eu, que fui, na dimensão dos meus mundos pessoais, um cidadão entusiasmado com esse ideal helenista, deixei há muito de acreditar nessa mentira e, hoje, quase sinto vergonha de ser europeu. Essa Europa, renascida das cinzas da guerra mais devastadora de sempre, que nos prometeram de paz e de prosperidade, está hoje novamente dilacerada por uma outra guerra entre os seus vários egoísmos nacionais, em que o papel outrora pertencente às espadas, tanques e canhões é agora desempenhado pelo dinheiro e pelos antagonismos tribais que ele gera e exacerba.

Neste contexto, muitos portugueses olharam para o presidente da República como um líder à altura das melhores tradições de um povo digno e independente. Esperavam dele uma postura de primeiro magistrado do país, capaz de despertar o que há de mais genuinamente português na alma de cada português e de mobilizar este povo para as gigantescas tarefas de reconstrução (da identidade) nacional.

Mas não, o que o atual presidente da República nos oferece é a postura de um ajudante do Governo tentando dourar as pílulas com que anestesiam as frustrações do nosso descontentamento coletivo. O que o presidente da República nos oferece são promessas vagas e longínquas de ilusões historicamente irrealizáveis porque, entretanto, deixaremos de ser povo, Estado e Nação. Identificado politicamente com a agenda ideológica dos partidos do Governo, o PR não exerce o cargo com lealdade constitucional, mas sim com subserviência em relação a essas lideranças partidárias.

Triste sorte a de um povo cujo dirigente máximo opta por ser pequeno precisamente no momento em que a história lhe oferece as condições para ser grande e, sobretudo, para despertar a grandeza moral do povo que lidera.

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