domingo, 7 de julho de 2013

Portugal: VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCOS PARTE II




Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

1. Esta semana deu vontade de gritar a alguns políticos: "olhem que as pessoas estão a ver", "não vêem que as lesões que estão a provocar são, elas sim, irrevogáveis". Não por eles, não para evitar que as pessoas vejam a politiquice de baixo nível, a sua pequenez, as mentiras, as vergonhosas contradições.

Não, por todos nós. Nunca como hoje estamos tão precisados de gente que interprete o sentir do povo, que entenda o politicamente possível, que saiba o significado da palavra comunidade. Nunca precisámos tanto de políticos e de razões para neles confiarmos e nunca como nesta semana tantos políticos e com tantas responsabilidades fizeram tanto por lhe perdermos o respeito.

Não é um Governo que está em causa, nem umas eleições. É a democracia que põem em causa com esta vergonhosa conduta.

2. O homem que apontava o caminho, o homem que tinha a solução, o homem que representava a troika, o homem que de facto liderava o País foi-se embora. Humilde, pela primeira vez, reconheceu na sua carta de demissão o que muitos há tanto tempo gritam: o plano não resulta. Correu tudo mal. Nem ele, mestre na arte da utilização do Excel, exímio malabarista do uso da meia verdade, conseguia esconder mais o absoluto fracasso. Vítor Gaspar saiu tarde e a más horas pela porta pequena, deixando um país arrasado e em muito piores condições do que aquele que encontrou.

O primeiro-ministro, claro está, ainda não percebeu nada. É até capaz de pensar que está tudo correr às mil maravilhas.

Os portugueses estão a ser vítimas do mais letal dos cocktails: gente incompetente e irresponsável a executar um programa suicida.

A loucura pode estar definitivamente instalada e o Governo pode continuar a fingir que está em funções mas não passará da continuação duma criminosa ilusão. Não existirá português que leve o Governo a sério. Nada pode ser pior.

3. Se Miguel Sousa Tavares arriscou ser julgado por ter chamado palhaço a Cavaco Silva, por maioria de razão o Presidente devia ter também denunciado Passos Coelho e Portas ao Ministério Público. Deixar Cavaco falar sobre a solidez do Governo lançando até um desafio aos partidos da oposição para actuarem na Assembleia da República e fazê-lo passar pela cena circense de dar posse a uma ministra quando o Governo já estava em pleno colapso foi um insulto bem maior.

Digamos que o Presidente se pôs a jeito. A derrota colossal da sua estratégia e a humilhação pública a que foi sujeito são da sua inteira responsabilidade. Claro que Passos não se iria maçar a explicar-lhe o que quer que fosse. Claro que Portas nem pensou em avisar Cavaco de que se ia embora. Não aguentou Cavaco todos os disparates da governação? Não se tornou o maior aliado do Governo, prescindindo do seu papel de árbitro do sistema? Não era claro para todos que podia Cristo descer à Terra que Cavaco não destituiria o Governo? Quem não se dá ao respeito acaba sempre por ser desrespeitado.

4. Mas na noite de sexta-feira Passos e Portas, depois de terem estado toda a semana dedicados a acabar duma vez por todas com o Governo, descobrem a solução. Vamos todos fingir que estes dois anos nunca aconteceram, que a carta de Portas foi a brincar, que Gaspar estava só ressabiado, que se pode dar um jeitinho nas políticas. Agora é que vai ser.

Mas será que Cavaco está tão cego ou tão aterrado que ainda vai acreditar em quem o traiu de forma tão evidente? Será que não sabe que este Governo não passa dum cadáver e nada nem ninguém o pode ressuscitar? Será que acredita que um Governo liderado por Passos Coelho depois da vergonha desta semana tem condições políticas para apresentar um Orçamento do Estado? Será que pensa que o povo aceitará que gente que leva a palco este patético espectáculo pode cortar 4700 milhões de euros ou fazer uma reforma de Estado? Será que não percebe que é o Governo a fonte de toda a instabilidade? Será o Presidente da República ou um simples cidadão capaz de acreditar em Paulo Portas se ele ficar no Governo depois de ele ter dito que a sua decisão de sair era irrevogável, que ficar seria um acto de dissimulação, que não era politicamente sustentável ficar no Executivo? Será que ele aceita a óbvia chantagem de que está a ser alvo pelos partidos da coligação?

Não é que Cavaco Silva ainda mereça o benefício da dúvida, mas nem ele consegue evitar o evidente, o óbvio ululante: é fundamental um novo Governo e não há, neste momento, outra forma de o encontrar sem que primeiro tenhamos eleições.

Ou então estamos definitivamente sem Presidente da República e Cavaco é apenas um ministro sem pasta.

(Este artigo acabou de ser escrito às 10.30 de dia 6, pode ser que quando chegue ao leitor Gaspar seja de novo ministro das Finanças e Miguel Relvas primeiro-ministro.)

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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