Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1. Esta semana deu
vontade de gritar a alguns políticos: "olhem que as pessoas estão a
ver", "não vêem que as lesões que estão a provocar são, elas sim,
irrevogáveis". Não por eles, não para evitar que as pessoas vejam a
politiquice de baixo nível, a sua pequenez, as mentiras, as vergonhosas
contradições.
Não, por todos nós.
Nunca como hoje estamos tão precisados de gente que interprete o sentir do
povo, que entenda o politicamente possível, que saiba o significado da palavra
comunidade. Nunca precisámos tanto de políticos e de razões para neles
confiarmos e nunca como nesta semana tantos políticos e com tantas
responsabilidades fizeram tanto por lhe perdermos o respeito.
Não é um Governo
que está em causa, nem umas eleições. É a democracia que põem em causa com esta
vergonhosa conduta.
2. O homem que
apontava o caminho, o homem que tinha a solução, o homem que representava a
troika, o homem que de facto liderava o País foi-se embora. Humilde, pela
primeira vez, reconheceu na sua carta de demissão o que muitos há tanto tempo
gritam: o plano não resulta. Correu tudo mal. Nem ele, mestre na arte da
utilização do Excel, exímio malabarista do uso da meia verdade, conseguia
esconder mais o absoluto fracasso. Vítor Gaspar saiu tarde e a más horas pela
porta pequena, deixando um país arrasado e em muito piores condições do que
aquele que encontrou.
O
primeiro-ministro, claro está, ainda não percebeu nada. É até capaz de pensar
que está tudo correr às mil maravilhas.
Os portugueses
estão a ser vítimas do mais letal dos cocktails: gente incompetente e
irresponsável a executar um programa suicida.
A loucura pode
estar definitivamente instalada e o Governo pode continuar a fingir que está em
funções mas não passará da continuação duma criminosa ilusão. Não existirá
português que leve o Governo a sério. Nada pode ser pior.
3. Se Miguel Sousa
Tavares arriscou ser julgado por ter chamado palhaço a Cavaco Silva, por
maioria de razão o Presidente devia ter também denunciado Passos Coelho e
Portas ao Ministério Público. Deixar Cavaco falar sobre a solidez do Governo
lançando até um desafio aos partidos da oposição para actuarem na Assembleia da
República e fazê-lo passar pela cena circense de dar posse a uma ministra
quando o Governo já estava em pleno colapso foi um insulto bem maior.
Digamos que o
Presidente se pôs a jeito. A derrota colossal da sua estratégia e a humilhação
pública a que foi sujeito são da sua inteira responsabilidade. Claro que Passos
não se iria maçar a explicar-lhe o que quer que fosse. Claro que Portas nem
pensou em avisar Cavaco de que se ia embora. Não aguentou Cavaco todos os
disparates da governação? Não se tornou o maior aliado do Governo, prescindindo
do seu papel de árbitro do sistema? Não era claro para todos que podia Cristo
descer à Terra que Cavaco não destituiria o Governo? Quem não se dá ao respeito
acaba sempre por ser desrespeitado.
4. Mas na noite de
sexta-feira Passos e Portas, depois de terem estado toda a semana dedicados a
acabar duma vez por todas com o Governo, descobrem a solução. Vamos todos
fingir que estes dois anos nunca aconteceram, que a carta de Portas foi a
brincar, que Gaspar estava só ressabiado, que se pode dar um jeitinho nas
políticas. Agora é que vai ser.
Mas será que Cavaco
está tão cego ou tão aterrado que ainda vai acreditar em quem o traiu de forma
tão evidente? Será que não sabe que este Governo não passa dum cadáver e nada
nem ninguém o pode ressuscitar? Será que acredita que um Governo liderado por
Passos Coelho depois da vergonha desta semana tem condições políticas para
apresentar um Orçamento do Estado? Será que pensa que o povo aceitará que gente
que leva a palco este patético espectáculo pode cortar 4700 milhões de euros ou
fazer uma reforma de Estado? Será que não percebe que é o Governo a fonte de
toda a instabilidade? Será o Presidente da República ou um simples cidadão
capaz de acreditar em Paulo Portas se ele ficar no Governo depois de ele ter
dito que a sua decisão de sair era irrevogável, que ficar seria um acto de
dissimulação, que não era politicamente sustentável ficar no Executivo? Será
que ele aceita a óbvia chantagem de que está a ser alvo pelos partidos da
coligação?
Não é que Cavaco
Silva ainda mereça o benefício da dúvida, mas nem ele consegue evitar o
evidente, o óbvio ululante: é fundamental um novo Governo e não há, neste
momento, outra forma de o encontrar sem que primeiro tenhamos eleições.
Ou então estamos
definitivamente sem Presidente da República e Cavaco é apenas um ministro sem
pasta.
(Este artigo acabou
de ser escrito às 10.30 de dia 6, pode ser que quando chegue ao leitor Gaspar
seja de novo ministro das Finanças e Miguel Relvas primeiro-ministro.)
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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