Sérgio
Fernando – Verdade (mz)
As comunidades do
distrito de Nacarôa, na província de Nampula, dificilmente produzem comida
suficiente para se alimentarem de uma época agrícola para outra porque as
colheitas são baixas. Elas são ciclicamente assoladas pela fome, por isso
recorrem a alguns tubérculos, dos quais um chamado inhame. Num passado recente,
houve relatos de mortes por causa do consumo desse tipo de alimento silvestre
que se desenvolve na raiz de algumas plantas.
A população das
localidades de Nachere e 19 de Outubro, nos postos administrativos de Inteta e
Saua-Saua, é a mais afectada pela fome em Nacarôa, o que faz com que seja
considerada em estado deveras crítico. Trata-se de um problema que se repete
anualmente mas ainda não existem soluções para invertê-lo.
A dieta alimentar
das famílias não é das melhores, facto que coloca em risco o crescimento das
crianças devido à subnutrição. O Inquérito Demográfico e de Saúde de
Moçambique, realizado em 2012, indica que na província de Nampula há dezenas de
petizes malnutridos em consequência da interrupção precoce do aleitamento
materno. É que as mães não conseguem amamentar os seus filhos por muito tempo
devido à fome.
Na tentativa de
resolver o problema que apoquenta o distrito de Nacarôa e a falta da chuva, por
um lado, os líderes comunitários têm realizado, sem sucesso, alguns cultos
tradicionais suplicando misericórdias aos antepassados. Por outro, os
religiosos fazem orações.
A Reportagem do
@Verdade visitou a localidade de 19 de Outubro e apurou que, devido ao
desespero causado pela falta de comida, a população considera-se abandonada à
sua sorte pelas autoridades, uma vez que, para além de não prestarem
assistência técnica à sua actividade agrícola com vista a estancar-se o
problema da carência alimentar, não existe nenhum apoio aos esfomeados. Em
todas as campanhas agrárias a produção de Nacarôa é fraca.
Américo Dias
Kuehere, líder comunitário da localidade de 19 de Outubro, contou-nos que os
rendimentos agrícolas da região não satisfazem as necessidades alimentícias dos
residentes. São recorrentes as reclamações dando conta da situação de fome.
Para além do clima que não é favorável para a prática da agricultura, a terra é
pedregosa. Há igualmente falta de chuva, por isso as culturas não resistentes à
seca morrem, algumas antes de germinarem. Entretanto, há períodos em que chove
demasiado e certas culturas ficam prejudicadas.
Os camponeses
daquela povoação trabalham bastante as suas terras mas o seu esforço não é
compensado. A comida mais consumida localmente é feita com base em farinha de
mandioca, vulgarmente conhecida por “caracata” e o menu não varia por falta de
alternativas.
Os níveis de
reprodução desse tubérculo a que a população recorre para se alimentar estão
aquém das expectativas dos agricultores e tendem a baixar cada vez mais: na
altura da colheita não se consegue mais de cinco sacos de 50 quilogramas. A
farinha de milho é uma ilusão, o solo não oferece condições para a cultura de
milho e é por causa disso que os camponeses não se atrevem a investir a sua
força física nem máquinas para o efeito.
Outro problema que
preocupa os camponeses e a população de 19 de Outubro é a podridão da mandioca.
Aliás, esta é uma situação que ocorre, também, em quase todos os distritos da
província de Nampula, incluindo algumas zonas da cidade onde se pratica agricultura.
A população afectada pede que os responsáveis pela assistência agrária aos
camponeses intervenham no sentido de aliviá-la desse sofrimento.
Trabalho por comida
Em Nacarôa, o
período entre Novembro e Abril é considerado bastante crítico, pois todas as
famílias passam fome. Para sobreviver, homens e mulheres, de todas as idades,
incluindo crianças, deslocam-se de um lado para o outro à procura de trabalho
remunerável. Algumas pessoas escalam a cidade de Nampula, onde desempenham a
função de empregados domésticos em algumas residências. Os rendimentos mensais,
diga-se, exíguos, só cobrem as despesas de compra de sacos de mandioca seca e
milho.
Para os
compatriotas sem parentes na urbe e que vivem nas mesmas casas onde trabalham,
ganham uma autêntica miséria no fim do mês porque uma parte dos seus
rendimentos serve para pagar o prato de comida. Quem não aceita sujeitar-se a
essa situação recorre aos agricultores que lhe concedem uma porção de terra
para capinar em troca de uma lata de mandioca seca, cuja quantidade serve
apenas para um período de cinco a sete dias. Quando essas alternativas se
esgotam, recorre-se ao consumo de tubérculos, dos quais o inhame, para além de
outros considerados venenosos. Já houve mortes em resultado disso.
Segundo Kuehere, um
número considerável de petizes da localidade 19 de Outubro desiste no meio do
ano lectivo devido à fome, por isso há receio de que o seu futuro seja
comprometido. Alguns menores de idades são coagidos pelos pais e encarregados
de educação para também ajudarem na busca de alimentos.
Insegurança
alimentar afecta Sul e Centro do país
Mais de 200 mil
pessoas, em sete províncias das regiões Sul e Centro de Moçambique, estão a
passar por uma situação de insegurança alimentar e nutricional, segundo o
Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAM).
A coordenadora
daquele organismo, Marcela Libombo, disse, na quarta-feira passada, 07 de
Agosto em curso, que as províncias afectadas são as centrais de Tete, Zambézia,
Sofala, Manica e as da zona Sul, nomeadamente Inhambane, Gaza e Maputo.
Do número das
pessoas assoladas pela insegurança alimentar e nutricional, apenas 90 mil estão
a beneficiar de assistência na província de Gaza, por sinal a mais afectada.
Esta situação é provocada pela combinação das cheias, que se abateram com
gravidade sobre Maputo, Gaza e Zambézia, e da seca, que vem fustigando, desde o
ano passado, as regiões das províncias de Inhambane, Manica e Maputo, de acordo
com Marcela Libombo.
Ela disse ainda
que, nos meses anteriores, a situação já foi mais sombria com os números a
ultrapassarem 300 mil pessoas, devido a fortes chuvas, inundações e secas.
“Logo que iniciou o processo de reassentamento e com a maior disponibilidade de
sementes e outros bens, a situação melhorou”.
Refira-se que
Moçambique possui a dieta alimentar mais pobre da África Austral, do ponto de
vista de micronutrientes e proteínas, de acordo com os relatórios regionais
sobre essa matéria, citados pelo SETSAN, que acrescenta ainda que a dieta
alimentar da parte Norte do país é rica em mandioca, um produto com baixo
conteúdo proteico, e no Sul do país destaca-se o milho. Enquanto isso, as
famílias urbanas têm o milho e o pão como alimento base.
Dados do SETSAN
indicam também que Moçambique tem níveis inaceitavelmente altos de desnutrição
crónica, o que tem impacto no crescimento harmonioso do país. Dos índices de
incidência da pobreza, cerca de 80 porcento estão relacionados com problemas de
alimentação e nutrição.
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