Rui Peralta, Luanda
I - Segundo
documentos filtrados por Edward Snowden, Porto Rico é um centro de espionagem
da NSA e da CIA, utilizado contra alguns países latino-americanos. Na Base
Naval de Sabana Seca, a NSA e a CIA interceptam milhares de milhões de chamadas
telefónicas, mensagens SMS e correio eletrónico. O maior número de
intercepções, no continente americano, ocorreu no Brasil e na Colômbia e
assiste-se a um aumento do número de intercepções na Venezuela.
Transformado numa
base de rastreio de comunicações norte-americana, Porto Rico, colonizado pelos
USA em 1898, é desta forma utilizado contra os movimentos sociais da região,
assim como no combate às guerrilhas colombianas, ao mesmo tempo que serve de
plataforma para espiar os governos dos países da ALBA, UNASUR e CELAC, que
procuram criar novos modelos de desenvolvimento. Mas esta é também uma guerra
ao movimento independentista porto-riquenho, pois as intercepções foram
igualmente efectuadas aos colonizados cidadãos porto-riquenhos.
As movimentações
sociais e os protestos contra a administração norte-americana aumentaram de
intensidade no território. O governador Alejandro García Padilla acusou,
recentemente, Washington de inacção e propôs a convocação de uma assembleia
constituinte, sendo apoiado nesta decisão pelo Partido Independentista de Porto
Rico (PIP) e por sectores da ala esquerda do Partido Popular Democrático (PPD),
o partido a qual pertence. O território tem o estatuto de “Estado Livre
Associado” e goza de um regime autonómico, (embora na nomenclatura oficial
norte-americana, esse ainda não seja o seu estatuto) mas a proposta de convocar
uma assembleia constituinte foi mal vista por Washington. A administração Obama
associou a proposta de Padilla às declarações do presidente venezuelano,
Nicolas Maduro, em Caracas, anunciando que a Venezuela iniciará os
procedimentos para a admissão de Porto Rico na Comunidade de Estados
Latino-americanos e do Caribe.
O PPD assumiu na
campanha eleitoral de 2012 a possibilidade de efectuar uma assembleia
constituinte para encontrar uma solução politica que possa solucionar o
problema de Porto Rico. No último referendo, 54% da população disse não ao
estatuto colonial (na nomenclatura dos USA Porto Rico era considerado colónia)
e 45% votou a favor da anexação (donde resultou o actual estatuto de Estado
Livre Associado). Os resultados do referendo foram consignados pelo Comité de
Descolonização da ONU e proporcionara o reconhecimento da CELAC. Da mesma forma
a UNASUR pediu aos USA para colocarem um fim á condição colonial de Porto Rico.
Padilla relembrou
ao Senado dos USA que o estatuto autonómico tem seis décadas e que Washington
nunca o reconheceu, sendo o referendo uma forma de pressionar a Casa Branca,
mas o Senado norte-americano teima em manter a condição territorial de colónia,
alegando que tal questão levanta um “problema de moral politica” para os USA.
Esta posição levou a que a ala “soberanista” do PPD exigisse uma posição dos
“moderados“ do partido, liderados pelo governador, o que originou um período de
fricções internas no PPD.
Por sua vez o PIP
fez da assembleia constituinte um porta-bandeira e pretende uma frente ampla,
que englobe sectores anexionistas e autonomistas, numa posição comum perante
Washington. De fora fica o Novo Partido Progressista (NPP), anexionista,
presidido por Pedro Pierluisi, Comissário Residente em Washington, que não quer
ouvir falar na Assembleia Constituinte, propondo em alternativa um plebiscito
sobre a anexação.
Cipaios e
anacoretas movimentam-se, enquanto o sopro da emancipação se faz sentir…Na
brisa da revolta sente-se a presença histórica de Marti...
II - A Norte do
continente americano tudo é olhado com suspeita. A Casa Branca mergulha o país
num clima de insegurança, suspeita e medo, que tem levado os mais diversos
sectores da opinião pública a manifestarem as suas preocupações. Recentemente,
num encontro em Atlanta, o ex-presidente Jimmy Carter respondeu desta forma a
uma pergunta sobre Snowden: “America does not have a functioning democracy at
this point in time,”
O secretismo e o
ambiente de terror reinam em Washington. Os atropelos aos direitos humanos o
amordaçar liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, a invasão da
privacidade, o continuado esmagamento do individuo, o esquartejamento dos direitos
sociais e os direitos cívicos cilindrados, dia-após-dia, transformam os USA num
estado policial. A sobranceria com que o Senado tratou a questão de Porto Rico
é apenas mais um exemplo da actual realidade norte-americana. A “democracia”
tornou-se um produto exportável, altamente rentabilizado desde a administração
Bush e as técnicas de exportação foram apuradas e levadas ao extremo durante a
administração Obama.
O actual regime
norte-americano não é mais do que um culminar de atropelos cometidos desde
proclamação da independência. Através dos tempos os USA tornaram-se um imenso
Imperio, gerido como se tratasse de uma poderosa multinacional, com os seus
accionistas e com os seus Conselhos de Administração. Nos USA já não se elegem
mais presidentes da Republica, nem senadores ou congressistas, mas apenas
Administradores e vogais, Conselhos Fiscais e grupos de trabalho, tudo para
gerir um enorme Casino trucidador de indivíduos, pobres, povos e nações.
Os dois partidos
são apenas duas listas representativas dos diversos interesses dos vários
grupos de accionistas e a democracia termina resume-se ao exercício do voto. Os
eleitores escolhem e depois, na pele de cidadãos, obedecem às consequências da
sua opção. Simples e eficaz como as Bolsas de Valores. Compra-se e vende-se,
oferece-se e adquire-se, ganha-se e perde-se. Perde-se o quê? A vida, os
sonhos, os filhos, os maridos, os entes queridos, nas guerras constantes. É o
pesadelo do American Dream.
“Não existe censura
nos USA” proclamam os sonâmbulos. Claro que não, por uma razão muito simples:
não é necessária. A realidade é
filtrada e a indústria mediática só passa a filtração, tornando obsoleta e
inútil a figura do censor e o acto da censura. Censurar para quê se o Big
Brother em Washington observa tudo e todos através dos sofisticados sistemas de
vigilância? Hobbes coraria de vergonha, pensando em como era tímido, afinal, o
seu Leviatã e Maquiavel enroscar-se-ia no seu Príncipe, se percorresse os
corredores da Casa Branca e os subterrâneos do Pentágono. Todos os cidadãos
norte-americanos são suspeitos e todas as nações para lá das fronteiras da sede
do Imperio são potenciais inimigas. São estes os pressupostos de Washington e
dos seus sequazes, que enveredaram pelo caminho da “segurança acima de tudo”,
criando um ambiente de paranoia tenebrosa e asfixiante.
E que se prepare o
Povo norte-americano para a próxima emenda constitucional: o célebre preambulo
“Nós, o Povo, decidimos”, será substituído por “Nós, os vigilantes,
controlamos”.
III - Todos os que
acreditam que as políticas de segurança se devem sobrepor aos direitos
liberdade e garantias podem ser perfilados em duas diferentes categorias:
lunáticos e imbecis. O problema, no entanto, não está nos que acreditam (estão
fora dos preceitos da racionalidade) mas sim nos que não acreditando praticam,
ou seja os Estados e a corja de vendedores de banha da cobra que rodeia os
aparelhos de estado.
Sempre que um
serviço de segurança penetra na nossa conta de Facebook vigia uma rede que
engloba os nossos amigos e os amigos dos nossos amigos. Desta forma vigiam-se
um complexo de redes imensas, compostas por milhões de pessoas, nos mais
diversos pontos do globo.
Em 2011 um grupo de
investigadores da Universidade de Milão elaborou uma escala de relacionamentos.
Através desta escala é revelado que um usuário assíduo das redes sociais tem um
padrão de relacionamentos muito acima de qualquer outro. Por exemplo um usuário
do Facebook que tenha 100 amigos na sua conta e que cada um dos seus amigos
transportem mais um para a conta, os seus relacionamentos, só nessa conta,
abrangem um universo de 10 mil pessoas. Se NSA vasculhar um milhão de contas de
usuários do Facebook com este perfil de relacionamentos (100x100) abrange um
universo de 10 mil milhões de pessoas.
É o fim da velha
ordem liberal e democrática formada por oposicionistas armados de flores e de
Direito, que marchavam pacificamente sem grandes cordões policiais. Acabou a
época em que os polícias eram bem-educados e os elementos dos Serviços de
Informação e Segurança eram cavalheiros cínicos e inteligentes. Entrámos numa
era em que a autoridade sobrepõe-se á Lei e onde o polícia deixou de ser o
agente da lei para passar a ser o legislador de ocasião.
Enganam-se pois os
que acreditam estarmos na presença de regimes neoliberais. Já passaram! Esta é
uma fase de transição para um regime global que tenta legitimar o poder através
do terror, utilizando de forma manipuladora os diversos medos colectivos e que
transforma tudo num fascizante segredo de estado. A institucionalização do
secretismo é uma gangrena que alastra por todo corpo político e que o tornará
numa imensa chaga.
Digam, pois, adeus
á Democracia (mesmo á versão estandardizada da representatividade) e á sua
aplicabilidade como regime e como praxis. Dela restará apenas uma embalagem,
existindo somente como produto de exportação. E esqueçam-se, também, do vosso
papel como cidadãos. Daqui a uns tempos seremos todos porto-riquenhos.
Colonizados, anexados e vexados…mas votantes, para exportar o produto.
Fontes
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