Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
A ideia de que o
1,1% redime o Memorando da troika é falaciosa
O aumento do PIB é
provavelmente a melhor notícia que um país dentro de um poço podia receber. Se
1,1% de crescimento fica abaixo dois pontos dos resultados do ano passado por
esta época (e o PS tem razão em acentuar que Portugal está hoje pior do que
estava em 2012), a taxa de crescimento de 1,1% abre uma luz no fundo do poço. O
que nos diz este número é que estamos no poço, mas nos foi lançada uma corda,
uma vez que a tendência de queda da economia é, pela primeira vez em dois anos
e meio, invertida. E até o cauteloso ministro da Economia, António Pires de
Lima, arriscou ontem que "provavelmente estamos num momento de viragem
económica". Mas provavelmente a Carlsberg nem é a melhor cerveja do mundo.
O problema com a
corda que nos foi atirada para dentro do poço é que não é suficientemente
sólida para que, na festa do Pontal que vai acontecer sexta-feira, o
primeiro-ministro proclame novamente o fim da crise para o ano que vem (já a
tinha prometido para este ano). Infelizmente, o risco de a corda se partir é
enorme: os cortes de 4 mil milhões que o Orçamento do Estado para 2014 vão
contemplar significam, como apropriadamente o ministro da Administração Interna
lhes chamou, "meter o Rossio na Rua da Betesga" - mais vítimas, mais
desempregados, menos rendimento disponível, menos investimento. Era a altura
certa para inverter a marcha alucinada da santa aliança entre troika e governo
e travar a fundo. O país é insustentável com uma taxa de desemprego de 17% - e
os números terríveis do desemprego de longa duração ajudam a explicar como o
governo e a troika se empenharam a criar uma segunda geração perdida, a par dos
jovens.
A ideia de que o
número de 1,1% - que apanhou de surpresa vários economistas, já que as
previsões admitiam um cenário muito mais grave - é um factor de redenção do
Memorando da troika é falaciosa. Um país que disparou no desemprego, mandou os
seus jovens emigrarem, pontapeou reformados, despede sumariamente funcionários
públicos, corta à bruta nas prestações sociais, não é seguramente uma prova da
validade do Memorando. Até aqui, as políticas europeias em curso
encarregaram-se de rebentar com a Europa - com a Alemanha como excepção. Se
mudarem, Portugal pode ter esperança de que 1,1% de crescimento se reflicta na
vida das pessoas - em mais emprego. A corda a que nos agarramos é de uma grande
fragilidade.
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