Os olhares
escoceses estão fixos em seu próximo referendo, mas os ingleses ainda não tratam
de seu futuro. Por The Observer
Henry Porter - The Observer - Carta Capital
David Cameron
tornou-se incomumente disponível para a mídia na semana passada: apareceu para
comentar o abatimento de texugos, os comentários de um juiz sobre um caso de
pedofilia, fracking e bullying nas redes sociais. Foi surpreendente que não
tivesse algo a dizer sobre a gravidez da panda no zoológico de Edimburgo, mas
talvez isso se aproximasse demais da questão profundamente importante do futuro
da Escócia. Tian Tian é um capital britânico ou puramente escocês, e, se nascer
um filhote (as gravidezes de pandas são geralmente ilusórias), Alex Salmond, o
separatista premier da Escócia, é capaz de transformar o alegre acontecimento
em capital político. O panda é imprevisível – evite o tema, sem dúvida lhe
advertiram os assessores.
Falta apenas um ano
para a votação escocesa, e se na sexta-feira, 19 de setembro de 2014,
despertarmos para descobrir que – depois de um surto de otimismo nacionalista
que ignorou amplamente as preocupações sobre que moeda o novo Estado usará e
sua relação com a União Europeia – a Escócia votou pela independência plena, o
choque para a Inglaterra será tão grande quanto a alegria ao norte da
fronteira. Esqueça as pesquisas, que atualmente mostram uma grande maioria
contra a independência. Simplesmente pode acontecer e, nesse caso, as classes
políticas inglesas não estão nada preparadas e sequer começaram a pensar no
turbilhão psíquico e político que se seguirá.
Não se trata apenas
do futuro da Escócia, mas também, de maneira mais aguda, da Inglaterra. E o
debate ocupará uma parte tão grande do próximo ano que é provável que chame a
atenção para o modo como os ingleses são governados; o crescimento da
consciência inglesa, mais que britânica; o futuro do Parlamento de Westminster
e a crescente desilusão com os políticos e os partidos ao sul da fronteira.
Mas, pelo comentário do primeiro-ministro na semana passada, parece que ninguém
está pensando a sério sobre o que tudo isso significa para a Inglaterra, quanto
mais para a União. Como se sentirá a Menor Bretanha?
Uma votação a favor
da independência plena pode parecer improvável hoje, mas tal resultado
colocaria em questão o assento permanente da Grã-Bretanha no Conselho de
Segurança da ONU e o futuro do dissuasor nuclear independente do Reino Unido. O
Estado de repente pareceria absurdamente pesado com o aparato de uma grande
potência. Sem a Escócia, o país pareceria menos coeso, muito menos
impressionante e de certa forma menos estável. Governos estrangeiros se
perguntariam sobre a identidade e o objetivo da Menor Bretanha. Isto para não
falar no que os ingleses – colonizadores expansionistas nos últimos 400 anos –
pensarão de si mesmos depois da ruptura. Deixar um relacionamento é uma coisa,
ser deixado é outra muito diferente.
Os escoceses
poderiam forjar um novo futuro ousado, enquanto os ingleses poderiam facilmente
se voltar para dentro e permitir o domínio do atual clima de isolacionismo
barato, que despreza a Escócia, a União Europeia e praticamente todos os
outros. O contrapeso da Escócia na vida inglesa faria muito mais falta do que
os ingleses imaginam, e o nascimento da Menor Bretanha poderia facilmente
provocar o florescimento abundante da Pequena Inglaterra. Nas últimas semanas,
houve visões dessa situação desagradável – a xenofobia desavergonhada de
Godfrey Bloom, do Ukip [Partido da Independência do Reino Unido], as vans que
percorrem Londres pedindo aos imigrantes ilegais irem embora e Jacob Rees-Mogg,
do Partido Conservador no poder, participou de um jantar de uma organização
claramente racista, o Grupo Grã-Bretanha Tradicional.
O crescimento da
consciência inglesa, identificado pelo grupo de pensadores IPPR como um dos
principais fatos políticos dos últimos anos, é acompanhado de política
linha-dura e intolerante. Os políticos precisam ser muito mais reagentes a essa
mentalidade inglesa, especialmente diante dos números perturbadores do declínio
da afiliação a partidos.
O problema imediato
para a Inglaterra se o voto for contrário à união é o que acontecerá com nossa
política. Como Westminster funciona e como serão suas relações com Gales e a
Irlanda do Norte? Como poderemos acomodar um Parlamento inglês em Westminster –
uma ideia muito popular que não depende do resultado da votação na Escócia? A
perda de 41 deputados escoceses, em oposição a apenas um conservador, será
desastrosa para o Partido Trabalhista? Isso torna muito mais difícil alcançar
uma maioria absoluta, mas não impossível. Tony Blair ainda teria ganho em 1997,
2001 e 2005, mas em tempos de parlamentos divididos o trabalhismo terá grande
desvantagem.
Os três principais
partidos estão satisfeitos de que as pesquisas não possam ser invertidas em um
ano, mesmo por um dos melhores políticos britânicos do último meio século. Alex
Salmond parece ser um homem com uma arma secreta, mas em Westminster estão
confiantes em que a união ainda não terminou.
O que torna essa
complacência tão frustrante é que, seja qual for o resultado da votação no ano
que vem – independência plena, devolução máxima ou mesmo o status quo –, a união
vai mudar. A lealdade à ideia da Grã-Bretanha e da britanidade está em rápido
declínio, notadamente na Inglaterra. O relatório do IPPR, "O cão que
finalmente latiu", concluiu: "O eleitorado inglês deseja uma dimensão
inglesa para as instituições de governo do país. Ele quer ver a Inglaterra mais
claramente demarcada como uma unidade do resto do Reino Unido... o reforço e a
politização da identidade inglesa estão ocorrendo na ausência de qualquer
mobilização política formal. O inglesismo, em outras palavras, tem um momento
próprio."
Essa importante
percepção encontrou pouca reação séria em Westminster desde a publicação do
relatório, há 18 meses. Só ouvimos falar no voto escocês – nunca na igualmente
apaixonada ascensão nacionalista ao sul da fronteira. Os partidos ignoram esse
clima por seu próprio risco, a menos que queiram entregar nacos de seu apoio a
Godfrey Bloom do Ukip e aos assustadores integrantes do Grupo Grã-Bretanha
Tradicional. E não há tentativa de abordar os problemas que surgiram depois da
devolução – por exemplo, a anomalia que permite aos deputados escoceses votarem
leis inglesas, enquanto os deputados ingleses não têm voz na Escócia.
Espero que os
escoceses não votem a favor da independência. No entanto, tenho de admitir que
um divórcio lento está a ocorrer há algum tempo e precisamos administrar a
separação com sabedoria e dignidade. Talvez Abraão Lincoln não seja o homem
certo a citar, já que ele se opunha violentamente à secessão do sul, mas o que
ele disse em 1862 se aplica a nós: "Os dogmas do passado tranquilo são
inadequados ao presente tempestuoso. A ocasião está cheia de dificuldades, e
devemos enfrentar a ocasião. Como o nosso caso é novo, devemos ter um
pensamento novo e uma ação nova. Precisamos nos libertar, e então salvaremos
nosso país". É de liderança que a Grã-Bretanha precisa, e não de conversa
sobre gnomos e texugos.
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