sexta-feira, 30 de agosto de 2013

USS SÃO TOMÉ

 


“Senhor Hayes, Distintos membros do Corporate Council for Africa, Senhoras e Senhores. É com subida honra que hoje estou aqui convosco, o que tenho antes de mais a agradecer ao Senhor Hayes, ao seu staff, à EXXON – MOBIL, à PHILLIPS PETROLUEM e à ANADARKO PETROLEUM, por ter organizado este almoço, que me dá a oportunidade de me pronunciar um pouco sobre o meu país, São Tomé.

Durante muitos anos o meu país devotou-se quase exclusivamente ao plantio do cacau e eu posso garantir-vos que, nessa altura, não teria sido provavelmente possível organizar um encontro tão valioso, deste género. Como sabem fui eleito Presidente de São Tomé e Príncipe em Setembro último, esta é a minha primeira visita aos Estados Unidos como Presidente e, uma das coisas que já aprendi, no curto tempo em que desempenho esse cargo, é que o petróleo abre muito mais portas que o chocolate”.

Foi com um humor refinado e subtil que o Presidente Fradique de Menezes, a 14 de Maio de 2002, se dirigiu ao prestigioso CCA, inaugurando um período de relações privilegiadas entre São Tomé e os Estados Unidos e beneficiando do novo quadro geo estratégico e político do AOPIG (African Oil Policy Initiative Group) em relação ao Golfo da Guiné.

Em nome de seu Povo, o Presidente de São Tomé evidenciava quão importante se tornava virar uma página da história do arquipélago, passando a um novo ciclo de vida política, económica, social e psicológica, que nunca antes aquele ignoto paraíso terrestre teve oportunidade de conhecer.

As expectativas eram (e continuam a ser) em muitos sentidos optimistas, mas também de certo modo imprevisíveis e subsistem bastas razões para tal:

- Após o terrível atentado de 11 de Setembro de 2001 em Nova York, que destruiu um dos símbolos mais exuberantes da América, os Estados Unidos iniciavam uma nova estratégia, correspondendo aos interesses dos poderosos “lobbies” judeus, em relação às explorações de petróleo, substituindo a conturbada zona do Médio Oriente, Região onde Bin Laden e a “Al Quaeda” tinham a sua principal guarida cultural, política e religiosa, por investimentos noutras Regiões do Mundo, entre elas o Golfo da Guiné, o que tornava estimulante o facto de São Tomé possuir tão promissores lençóis no seu fabuloso “offshore” à ilharga do seu território insular, assim como tão importantes possibilidades geo estratégicas.

- Sem melhores soluções económicas ao longo de vários séculos, a não ser o cultivo comercial do cacau que havia produzido terríveis consequências sobre as sociedades africanas fornecedoras de mão-de-obra e na própria sociedade do país com modelos de vida típicos de escravatura e de contrato, (salvo nos anos imediatamente antes da independência e, por fim, após a independência), o povo São Tomé, com toda a legitimidade que lhe assiste, passou a aguardar com impaciência a abertura dessas novas possibilidades e o início duma era sem precedentes na sua história, na miragem de melhores níveis de vida e prosperidade.

Decorrido um ano após o seu mandato, numa grande festa que assinalou a sua chegada à Presidência da República realizada na Praça da Independência na Capital do País, o Presidente Fradique de Menezes tinha contudo com que se lamentar.

Ele disse ao seu povo que “já descobriu a diferença que existe entre a gestão de uma empresa e um Estado. Numa empresa como a que geria antes de ser Chefe de Estado, movimentava o dinheiro sem problemas, mas num Estado a regras burocráticas são difíceis de ultrapassar”.

De facto o país tem para investir, por exemplo, nos sectores sociais e noutras áreas onde as carências da população é grande, 5 milhões de USD.

O dinheiro foi disponibilizado pela Nigéria como um avanço no quadro do processo de exploração do petróleo, mas o governo são-tomense não pode nesta altura injectar o montante nos projectos de desenvolvimento, tudo porque o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional exigem o respeito escrupuloso do orçamento de contenção de despesas, recentemente aprovado pelo Parlamento.

É pois apenas com o que está agendado no orçamento do estado que o país deve contar até o fecho deste ano.

As recomendações do FMI e do Banco Mundial, seguindo figurinos estimulados pela aristocracia financeira Mundial e pelos Estados Unidos, não podem ser desrespeitadas, (caso contrário o país perde o perdão da dívida externa e terá mais dificuldades em progredir), aliás, segundo técnicos em economia a injecção do dinheiro disponibilizado pela Nigéria no sistema financeiro à margem do orçamento geral do estado, poderá forçar o disparo da inflação que para este ano, segundo as mesmas recomendações, não pode ultrapassar os 9%.

O Presidente Fradique de Menezes tem assim o dinheiro que pediu ao seu homólogo Olusengun Obasanjo entre as mãos, mas para sua frustração, neste ano não poderá tocar sequer num tostão, o que o obriga a continuar ancorado a uma época em que gerir São Tomé, ainda só pode ser feito com base em orçamentos característicos do magro tempo do chocolate, quando são tão fantásticas as promessas em relação ao futuro.

Habituado aos lucros mas também aos revezes nos seus negócios, (o Presidente Fradique de Menezes é um conhecido comerciante de seu País), ele porém não desistiu de continuar na senda de urgentes e melhores soluções.

O AOPIG, para além da mudança de importantes investimentos no petróleo do Médio Oriente (particularmente do Golfo Pérsico) para o Golfo da Guiné, prevê:

1) A redução ou mesmo o perdão da dívida externa devido à implicação da atracção de importantes financiamentos privados previstos na exploração do petróleo, na sequência de um clima propício que existe já nesse sentido.

2) A implantação dum Comando Naval Americano em São Tomé, confirmando o interesse estratégico do Golfo da Guiné e a importância da segurança dos investimentos americanos, tendo em conta a importância que o petróleo tem para a economia dos Estados Unidos.

3) A aplicação da redução das medidas tarifárias conformes ao AGOA (The African Growth and Oppourtinty Act) em relação a produtos produzidos no continente africano, estimulando as oportunidades para a sua colocação no mercado americano.

A miragem da nova era no quadro da Nova Ordem Global levou agora o Presidente Fradique de Menezes, numa segunda viagem aos Estados Unidos onde assinou acordos para integrar o seu País na estratégia AOPIG para o Golfo da Guiné, ao abrigo dos reflexos da Globalização e da viragem da situação Global após o 11 de Setembro, aproveitando a hegemonia americana a um alinhamento sem precedentes.

São Tomé, para além de garantir a exploração do petróleo na plataforma continental onde possui uma posição central, dará guarida:

- A novas possibilidades de comércio tirando proveito da equidistância que o seu território se encontra em relação a todos os países da região, desde Angola, a Sul, até ao Gana, a Norte.

- À criação, nesse sentido, de um porto em águas profundas capaz de servir para o desembarque e embarque de mercadorias que darão suporte às operações numa vasta região marítima e costeira (uma aspiração antiga que nunca antes teve possibilidades de ser realizada).

- À implantação dum cada vez mais importante nó de comunicações no Golfo da Guiné dando continuidade aos programas que já existem.

- À implantação duma base naval americana, de forma a garantir segurança no Golfo da Guiné, tornando o País num autêntico porta-aviões e retaguarda duma esquadra de superfície que estará implicada na segurança dos investimentos em toda a região.

O paraíso terrestre virgem, ignoto e impoluto, está à beira de entrar para a era da globalização, onde começa a conhecer as novas regras do jogo:

- Abrir as portas ao neo liberalismo e à hegemonia americana.

- Arriscar-se a sofrer os efeitos da poluição ambiental (e humana).

- Sujeitar-se às imposições típicas dum papel que é essencialmente criado por uma abissal e insolúvel dependência com todas as tensões e desigualdades que isso comporta.

A partir do momento que o Presidente Fradique de Menezes assinou os termos dos novos compromissos, serão de certeza abertos os cordões financeiros na direcção de São Tomé e escalonados os procedimentos e acções.

Dentro dum ano ele terá possivelmente muito menos que se queixar e o engodo da nova miragem erguerá uma babel crítica, numa parte do Atlântico até hoje pouco frequentada e quase esquecida, em tributo às novas opções.

São Tomé deixará de ser um paraíso perdido, tornar-se-á num centro cada vez mais cosmopolita, sublimado na integração que lhe está destinada, mas ficará sem dúvida indelevelmente marcada na alma do seu povo uma era de dependência mais do que inter dependência, que se avizinha por muitos e longos anos.

Publicado em ACTUAL – 11-09-2002 14:10 - Luanda

Gravura: Primeira página do documento produzido pelo Africa Oil Innitiative Group (16 de Maio de 2001).

Relacionado em Página Global: O CHOCOLATE DE FRADIQUE, de Martinho Júnior, Luanda
 

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