Thierry Meyssan - RedeVoltaire, Beirute (Líbano) - 29 de Julho de 2013
Ao designar o ramo
militar do Hezbolá como organização terrorista, a União Europeia manifesta a
sua incompreensão da Resistência libanesa, que não é, e não quer tornar-se um
partido político, mesmo se ela participa no jogo político libanês. Bruxelas
exprime a sua vassalagem ao bloco anglo-saxão (incluindo Israel) em detrimento
de seus próprios princípios.
Foi com três dias de
atraso, que o Conselho europeu publicou a o seu comunicado de decisão relativo
à inscrição do ramo militar do Hezbolá na sua lista de organizações
terroristas. Contrariamente ao costume, a novidade já deu a volta ao globo e o
Hezbolá já respondeu.
O documento oficial
foi acompanhado de uma declaração comum do Conselho e da Comissão sublinhando
que isto « não impede a continuação do diálogo com o conjunto dos partidos
políticos do Líbano e não afecta o fornecimento de assistência este país ».
Este comentário visa explicitar a distinção entre os ramos civil e militar do
Hezbolá o que permite à União europeia discutir com o primeiro ao mesmo tempo
que condena o segundo.
Dentro desta onda,
a embaixatriz da União europeia, Angelina Eichhorst, foi a Beirute visitar o
responsável das relações internacionais do Hezbolá, Ammar Moussaoui, para lhe
dizer que esta decisão não mudava nada nas relações bilaterais. O problema, é
que esta decisão não tem nenhum sentido.
Mascarar a
aspiração mística do Hezbolá
Por definição, o
Hezbolá não é um partido político, mas sim um rede de resistência à invasão
israelita, constituída por famílias xiitas baseado no modelo dos basidjis
iranianos, do qual adoptou a bandeira (em amarela). Progressivamente, a
Resistência incorporou não-xiitas no seio de uma estrutura ad-hoc, e substituiu
o falhanço do Estado libanês tanto para vir em socorro das famílias, dos seus
feridos e mártires, como para reconstruir o Sul do país, inteiramente arrasado
pela aviação israelita. Esta evolução conduziu-o a apresentar candidatos às
eleições e a participar no governo.
O seu
secretário-geral, sayyed Hassan Nasrallah, não cessou de exprimir as suas
reticências face à política, que para ele não é nada mais que uma actividade
corruptora. Pelo contrário, ele aproveitou todas as ocasiões para reafirmar o
seu ideal de morrer com mártir no campo de batalha, como o seu filho mais velho
Muhammad Hadi, seguindo assim a via traçada pelo imã Hussein na batalha de
Kerbala.
Na essência, o
Hezbolá é o fruto de uma demanda mística e não poderá ser comparada a um
partido político europeu. Os seus soldados nada têm a ganhar ao baterem-se, mas
apenas a perder incluindo a sua vida. Eles vão para a guerra porque a sua causa
é justa, e é uma ocasião para o sacrifício, o quer dizer de desenvolvimento
humano. É o sentido da revolução do aiatolá Rouhollah Khomeini, e é o seu.
Apesar da
ambiguidade que ressalta da tradução do seu nome, Hezbollah, como o « Partido
de Deus », esta frente não é uma formação política e não pensa tornar-se em
tal. O seu nome, extraído do Corão, figura sobre a sua bandeira : « Quem tomar
por aliados Deus, Seu mensageiro e os crentes, [triunfará], porque o partido de
Deus é que sairá vitorioso ». É preciso compreender aqui o significado da expressão
« partido de Deus » no senso escatológico: será em definitivo Deus quem
triunfará do Mal no fim dos tempos.
Muito
estranhamente, os Europeus — que maioritáriamente consideram como um dado
democrático a separação entre poderes temporal e religioso — reprovam, pois, ao
Hezbolá a sua essência espiritual, e querem « normalizá-lo » em partido
político. No seu espírito, os resistentes libaneses não tem nada que ver com a
colonização da Palestina e da Síria. Eles deveriam antes preocupar-se mais com
a sua carreira política, que arriscar a sua vida em combate.
A decisão do
Conselho europeu terá pouco alcance prático. Ela consiste, sobretudo, em
interditar aos membros do « ramo militar » o viajar na União, e congelar os
seus depósitos bancários : mas não se vê porque iriam clandestinos, lutando
contra as potências coloniais, abrir contas bancárias nesses estados.
Porquê portanto
esta barulheira ? A inclusão do Hezbolá na lista europeia das organizações
terroristas é uma velha reivindicação de Telavive, apoiada pelo Império
anglo-saxão. É um esforço de propaganda visando afirmar que os « Bons » são os
Israelitas, e os « Maus » os que recusam aceitar o roubo das suas terras. A
interdição foi apresentada pelo presidente israelita Shimon Peres aos
dirigentes da União, depois ao Parlamento europeu, a 12 de Março último. Foi
apresentada ao Conselho europeu pelos ministros britânico e francês dos
Negócios Estrangeiros (Relações Exterioresbr, NdT), William Hague e Laurent
Fabius. Eles foram secundados pelos seus colegas neerlandês e austríaco, Frans
Timmermans e Michael Spindelegger, após uma intensa mobilização dos sionistas
americanos, entre os quais o antigo governador da Califórnia, Arnold
Schwarzeneger.
Mascarar o fracasso
israelita na Argentina
Era urgente para os
comunicadores israelitas agir. Com efeito, desde 1994, eles acusam o Hezbolá e
o Irão de terem feito explodir o imóvel da mutualista judia de Buenos Aires,
causando 85 mortos. Esta versão dos factos é apresentada como uma uma certeza,
em numerosas enciclopédias e manuais escolares. Ora, desde há muitos anos que a
justiça argentina a desmentiu. Em Janeiro de 2013, a Argentina e o Irão criaram
uma comissão de juristas independentes para fazer luz total sobre o assunto.
Desde logo, ficou claro, que o atentado foi uma maquinação urdida pelo antigo
ministro do Interior, o israelo-argentino Vladimir Corach.
Como este assunto não
vinga, Telavive acusou o Hezbolá e o Irão de terem feito explodir um autocarro
israelita na Bulgária, causando sete mortos (incluindo um kamikaze), a 18 de
Julho de 2012. À primeira, o governo de centro-direita búlgaro apoiou a
acusação, antes de ser contraditado pelo seu sucessor de centro-esquerda. Pouco
importa, para o Conselho europeu o Hezbolá é políticamente o autor de um
atentado no território da União, embora não o seja do ponto de vista judicial.
De uma maneira
geral, Israel acusa o Hezbolá de ter fomentado, e por vezes executado, uma
vintena de atentados contra civis um pouco por todo o lado, no mundo inteiro,
em trinta anos, o que a Resistência nega.
Ainda aqui, muito
estranhamente, os Europeus — que consideram a presunção de inocência como um dado
adquirido em democracia — condenam o suspeito antes mesmo que ele tenha sido
julgado, ou sequer submetido a provas.
Mascarar o fracasso
europeu na Síria
No fundo, não
escapou a ninguém que a verdadeira novidade neste dossiê não figura aqui : e é
a intervenção do Hezbolá na guerra da Síria. Uma vez que traímos o nosso
compromisso de derrubar o presidente Bachar el-Assad, levemos ao menos o nosso
apoio aos « rebeldes » condenando o Hezbolá, pensa-se em Bruxelas. É este
argumento que, parece, levou à decisão do Conselho Europeu. A contrario, isto
mostra a incapacidade dos Britânicos e dos Franceses em influenciar o que seja,
num conflito que eles deliberadamente desencadearam para se apoderarem da
Síria, brandindo a bandeira da colonização, que se tornou a mesma do Exército
sírio livre. Acima de tudo esta condenação tem o mérito de clarificar os campos
: de um lado a resistência à opressão colonial, do outro as potências
colonialistas.
Se a atitude
britânica não espanta, com o Reino-Unido reivindicando o seu estatuto colonial,
ela já o é no que se refere à França, que alternou na sua história os períodos
revolucionários e os imperiais.
Assim, a Declaração
dos Direitos do homem e do cidadão, adoptada em 1789, enuncia no seu artigo 2
quatro direitos fundamentais, dos quais um é a « resistência à opressão ». Foi
com esta base que em 1940, Charles De Gaulle se opôs ao armistício entre a
França e o Reich nazi, tomando o comando da Resistência.
Ao contrário, no
decurso dos anos 1880, Jules Ferry incarnou a expansão francesa querida por uma
facção do patronato que aí previa maior rentabilidade, para os seus
investimentos, que em França, na medida em que era o contribuinte e não ele
quem pagaria o exército colonial. Para arregimentar o país, Ferry tornou a
escola pública gratuita e obrigatória. Os professores, chamados « hussardos
negros da República » deviam convencer os jovens a alistar-se nas tropas
coloniais. E, foi aos auspícios de Jules Ferry que o actual presidente francês,
François Hollande, consagrou o seu quinquenato.
Se a França moderna
é Charles De Gaulle, ela teria podido ser Philippe Pétain ; um marechal
razoável, que considerava a submissão ao Reich vitorioso tanto mais desejável
quanto ele aí via um meio de acabar com a herança de 1789. É, certamente, muito
cedo para que as elites francesas o reabilitem, mas condenar a Resistência
libanesa, é condenar uma segunda vez Charles De Gaulle à morte por terrorismo.
Definitivamente, os
ideais que fizeram a glória da França são actualmente melhor defendidos em Beirute
que em Paris.
Thierry Meyssan - Intelectual
francês, presidente fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. Publica análises de
política estrangeira na imprensa árabe, latino-americana e russa. Último livro
publicado: L’Effroyable
imposture : Tome 2, Manipulations et désinformations (éd. JP Bertand, 2007).
Na foto: Durante o Conselho europeu, o ministro francês dos Negócios estrangeiros, Laurent Fabius, felicita-se pela sua vitória junto com o seu colega esloveno.
Tradução: Alva
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