Deutsche Welle
Apesar da certeza
de Washington e Paris de que regime Assad usou gás venenoso, ainda não há
provas concretas. Inspetores da ONU não concluíram relatório, e analistas veem
pouca credibilidade nas evidências já mostradas.
O incidente do dia
21 de agosto originou imagens que chocaram. Dezenas de corpos imóveis em
estações improvisadas de atendimento médico. Pessoas tremendo e com os olhos
arregalados, com dificuldade de respirar. Os registros das vítimas de um
suposto ataque com armas químicas foram colocados na internet por ativistas da
oposição síria e reproduzidos em portais de notícias, emissoras de TV e jornais
em todo o mundo.
Mas até agora ainda
existe controvérsia sobre o que realmente aconteceu naquela noite. Os governos
dos EUA e da França têm certeza de que se tratou de um ataque com armas
químicas. Berlim tem opinião similar. "Não pode haver dúvida de que houve
uma violação flagrante do direito internacional pelo uso cruel de armas
químicas", afirmou na terça-feira (03/09) a chanceler federal Angela Merkel,
em discurso no Parlamento alemão.
À espera da ONU
Apesar da certeza
que alguns governos ocidentais afirmam ter, os inspetores de armas químicas da
ONU ainda não concluíram seu relatório e continuam analisando as amostras
coletadas em Damasco.
"Isso leva
tempo", diz Ralf Trapp, especialista em armas químicas e funcionário de
longa data da Organização para a Proibição de Armas Químicas. Ele acredita que
a análise levará ainda duas a três semanas. "Ela não pode ser feita em
dois ou três dias. Os requisitos de qualidade são consideráveis. Pequenos erros
podem inutilizar todo o trabalho."
Jan van Aken,
ex-inspetor de armas biológicas e integrante do partido alemão A Esquerda,
considera, por isso, ainda muito cedo para se tirar conclusões.
"Minha
intuição me diz que foi, provavelmente, um ataque com gás venenoso. Mas falta a
prova final." Ele é a favor de que o Ocidente espere a divulgação do
relatório dos inspetores da ONU. "A coisa mais importante em relação à ONU
é que ela tem uma cadeia fechada que inclui desde o recolhimento da amostra até
o laboratório.
"Esta cadeia
pode ser monitorada por todos os interessados", ressalta o especialista.
"Isso quer dizer que teremos um resultado no final passível de crédito por
todas as partes. Se esse controle completo não for garantido, então, eu não
confiaria em uma amostra."
Jan van Aken
observa que, no caso das amostras apresentadas pelos Estados Unidos como uma
evidência, não está claro de onde e por quem elas foram coletadas. "Por
isso, não podemos descartar manipulações", conclui.
Ações de espionagem
Mesmo assim, EUA e
França não só dizem ter certeza do ataque com armas químicas, como acreditam
que ele foi obra do ditador Bashar al-Assad. "Há evidências claras e
conclusivas", argumentou o secretário de Estado dos EUA, John Kerry,
acrescentando que as agências de inteligência dos EUA analisaram extensivamente
todos os fatos e que têm certeza do curso dos acontecimentos. Segundo Washington,
o ataque matou 1.429 pessoas, incluindo pelo menos 426 crianças.
As provas do governo americano se baseiam em dados obtidos por técnicas de espionagem, como reconhecimento aéreo e ações de escuta. Além disso, Washington aponta que há relatos de profissionais de saúde, testemunhas e organizações não governamentais "de alta credibilidade".
Jan van Aken
ressalta que no relatório de Kerry não foi apresentada uma evidência concreta
sequer. "É a coisa mais rala que já vi até agora", critica,
classificando o apresentado pelo secretário de Estado dos EUA como "uma
coleção de suposições e alegações".
Van Aken destaca,
por exemplo, que a suposta gravação de uma conversa em que um alto funcionário
de Assad teria admitido o ataque com gás venenoso não é acessível. "O conteúdo
do tal registro não pode, assim, ser avaliado", sublinha o perito.
Ele também
considera insustentável a tese dos Estados Unidos e da França de que apenas as
tropas de Assad teriam condições de lançar um ataque de gás venenoso.
"Havia desertores do Exército sírio, que poderiam ter roubado armas
químicas. Bases militares e arsenais foram invadidos pelos rebeldes. Eles
tiveram todas as oportunidades do mundo para ter acesso a essas armas",
conclui.
Do ponto de vista
logístico, o especialista explica que o uso dessas armas não é problema.
"Há projéteis de artilharia para isso, que você só carrega num
lança-granada e dispara."
Inteligência alemã vê
indício
O Serviço Federal
de Inteligência (BND, sigla em alemão), órgão de inteligência exterior da
Alemanha, aparentemente também crê que Assad esteja por trás do suposto ataque
com gás venenoso, segundo reportagem do portal de notícias Spiegel Online.
O presidente do
BND, Gerhard Schindler, disse a deputados selecionados do Bundestag que falta
de evidências claras mas que, após uma análise minuciosa das evidências, seus
agentes acham mais plausível que o regime Assad seja autor do ataque.
O BND teria
interceptado um telefonema de um integrante da liderança do Hisbolá libanês com
a embaixada iraniana. Na conversa, o membro do Hisbolá, que apoia Assad, teria
mencionado ter havido uma ordem do regime para o ataque com gás venenoso.
Jan van Aken
argumenta que esta informação também não o convence: "Porque um integrante
do Hisbolá saberia algo sobre um ataque de gás venenoso na Síria? Provavelmente
ele só especulou durante o telefonema."
Van Aken,
entretanto, não descarta que Assad esteja por trás do atentado. "Só estou dizendo
que também é possível que os rebeldes tenham executado o ataque." Ele
ressalta ser a favor da punição para quem faz uso de armas químicas. "Mas
é necessário encontrar os verdadeiros culpados e levá-los a julgamento. Se isso
durar 15 anos, que dure 15 anos. Crimes de guerra não podem ser punidos durante
uma guerra. Isso ocorre somente depois."
Autoria: Nils
Naumann (md) – Edição: Rafael Plaisant
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