Andrew Robinson*
«À volta das
reivindicações de direitos democráticos, republicanos e de defesa das
conquistas sociais, os escritores escoceses querem ressuscitar a campanha do
SIM. O novo movimento do Common Weal, criado pela Fundação Jimmy Reid
(histórico líder sindical) começa a esboçar a visão de uma Escócia
independente, republicana que reivindica um modelo nórdico de solidariedade
social, sistemas de bem-estar e tributação progressiva que podem reduzir a
extrema desigualdade que caracteriza a sociedade britânica dos últimos 30 anos,
desde a primeira revolução neoliberal de Margaret Thatcher».
Os murais de
Alaisdair no tecto e paredes de Oran Mor, uma velha igrja reconvertida em
restaurante e teatro no boémio West End de Glasgow, são uma obra em construção.
Aos 78 anos, o autor de Lanark aproveita qualquer descanso entre as bodas e
festas que se fazem na sal de cima do edifício para subir os andaimes e
continuar a ampliar o seu inconfundível universo gráfico, uma fusão do
medieval, de Arts and Crafts, e da ficção científica. Crânios com embriões em
vez de cérebro, um casal abraçado diante de um transbordador espacial, rosas e
cardos, que sobem pela abóbada. Entrelaçadas com eles as frases icónicas da
grande novela de Grai (quase desconhecida em Espanha ainda que uma nova edição
de Marbot em castelhano e uma primeira edição catalã, traduzidas por lbert
Sola, possa ajudar a sua divulgação). Agora os aforismos de Gray aparecem no
contexto de uma campanha pela independência da Escócia, que Gray defendeu com
paixão e humor. A mais importante está escrita ao longo de uma das vigas do
tecto de Oran Mor, rodeada de figuras astrais: Work as if you were in the early
days of a better nation (Trabalhar como se estivesses nos primeiros dias de uma
nação melhor). Outra reflexão escrita na abóbada é um aforismo que Gauguin
escreveu num quadro, actualmente no museu de Boston: De onde vimos? O que
somos? Aonde vamos? São as perguntas que se debatem na Escócia a um ano da sua
votação histórica sobre a soberania, enquanto no dia que visitei Oran Mor há um
mês, o escritor estava sentado num dos bares debatendo com um grupo de amigos à
espera de uma oportunidade de continuara a pintar.
Gray é o mais
destacado de um numeroso grupo de escritores que se identificaram totalmente
com a campanha a favor do SIM no referendo sobre a independência, ainda que
todos eles se distanciem do Partido Nacionalista Escocês (SNP). O grupo inclui
James Kelman, Irvine Welsh, Iain Banks (antes da sua morte já este ano), bem
como o principal representante da novela negra escocesa – a chamada tartan noir
– William Mcllvanney. O apoio ao sim é muito mais amplo na comunidade cultural
escocesa, do teatro e cinema à literatura, do que na rua, onde apenas um em
cada três escoceses disse que votaria a favor da independência. Na
generalidade, os artistas estão mais dispostos a fazer frente ao projecto de
medo que é a mensagem da campanha do NÃO, que insiste em que o impacte da
secessão seria desastroso para um país que vai relativamente bem no Reino
Unido, escreve Joyce McMillan em The Scotsman. Ainda que também seja verdade
que a comunidade artística beneficie mais que ninguém da rejeição do governo do
SPN aos cortes do orçamento da cultura pelos tories [conservadores] de Londres.
A verdade é que a
campanha do SIM está em estagnada, com os mesmos 30% de apoio com que contava
quando se anunciou o referendo há um ano. Agora, que falta pouco mais de um ano
para realizar o referendo, pretende-se injectar alguma paixão na campanha. Por
isso, Alex Salmond, o Primeiro-ministro escocês e a cara mais visível da
campanha pelo Sim, deixou entrever que quer convencer escritores –
concretamente McIIvnney, o SNP novelista preferido do líder do SNP que admira
os seus retratos duros e ternos de Glashow – para darem uma ajuda a redigir a
legislação sobre o referendo para apresentar no Outono no parlamento escocês.
Salmond necessita de mais visibilidade; até à data tem sido uma campanha muito
pragmática e tímida e não está a dar resultados, comentou-me Scott Hames,
editor do livro Unstated, uma colecção de ensaios sobre a independência de uma
vintena de escritores, entre eles Gray e Kelman. Tal como o detective humanista
da série policial de Mckilvany que calcorreia os bairros operários de Glasgow,
onde a campanha do Sim apenas arranca nas comunidades historicamente
trabalhistas, o novelista talvez possa trazer esta visão popular escocesa com o
seu stream of consciousness expresso no dialecto de Glasgow desde How late it
was, how late (Kelman) a Trainpotting (Welsh), ajudariam também a ressuscitar a
campanha do SIM. Os políticos não sabem contactar através da palavra e faz falta
uma narrativa mais criativa; isto é o fazem os escritores, disse Robin
McAlpine, um dos organizadores da nova campanha Common Weal que pretende criar
uma visão social-democrata nórdica para a campanha do SIM.
Mas Salmond tem um
problema na sua aposta de mobilizar o tartan noir para injectar vida no
discurso do sim. Os escritores são muito mais radicais na sua visão de uma
Escócia independente que o próprio SNP. Salmond tentou combater o projecto do
medo da campanha do NÃO adoçando as reivindicações independentistas para as
tornar mais digeríveis. Defende a permanência da monarquia, a libra esterlina,
a NATO numa Escócia independente. Mas o punhado de escritores que apoiam o SIM,
são quase todos republicanos de esquerda que rejeitam o nacionalismo tal como o
define o SNP. Mcllvaney passa Salmond muito pela esquerda: Salmond estava a
cortejar Donald Trump e Rupert Murdoch mas Mcllvaney e outros querem um
movimento de base ampla e socialista, disse hames enquanto comíamos em Oran
Mor.
Kelman explicou-me
a sua posição num email: Estou totalmente em oposição ao nacionalismo. Abomino
o nacionalismo mas defendo a independência, explica. Esta posição, acrescenta,
é muito difícil de entender no Reino Unido mas existe um argumento a favor de uma
independência de esquerda que não é nacionalista; os republicanos socialistas,
anarquistas apoiam a independência mas NÃO (sic) o nacionalismo. Alasdair Gray
concorda com essa posição que coloca a auto-determinação do povo escocês como
uma reivindicação que não é nacionalista mas um princípio de soberania
democrática que permitirá que a Escócia siga o seu próprio caminho para o
socialismo republicano. Existe, disse Hames uma enorme crise de legitimidade
política na Escócia, que chamamos de Cenário de Doomsday, já que temos um
governo em Londres sem qualquer mandato da Escócia… Não há deputados
conservadores na Escócia. Quando Mcllvanney falou na conferência do SNP,
qualificou Margareth Tatcher como uma troglodita cultural, o que reforçou a
ideia de que o thatcherismo, fundamentalmente, estava a enfrentar as tradições
culturais escocesas, disse Hames. Por isso, existe um argumento que coloca a
independência como o único cenário em que se podem adoptar políticas
progressistas de classe, para além de questões relacionadas com a identidade
nacional.
À volta das
reivindicações de direitos democráticos, republicanos e de defesa das
conquistas sociais, os escritores escoceses querem ressuscitar a campanha do
SIM. O novo movimento do Common Weal, criado pela Fundação Jimmy Reid
(histórico líder sindical) começa a esboçar a visão de uma Escócia
independente, republicana que reivindica um modelo nórdico de solidariedade
social, sistemas de bem-estar e tributação progressiva que podem reduzir a
extrema desigualdade que caracteriza a sociedade britânica dos últimos 30 anos,
desde a primeira revolução neoliberal de Margaret Thatcher. Commoon Weal já
conta com o apoio de alguns dos novelistas independentistas.
Esta visão de uma
Escócia equitativa pode ganhar votos para a campanha do SIM. Sondagem após
sondagem deixaram bastante claro que a opinião pública escocesa defende valores
sociais em maior ou menor medida que a inglesa (ainda que se deba acrescentar
que a rejeição do conservadorismo desregulador na Escócia divide-se entre o
norte de Inglaterra, onde os tories também não conta com uma significativa base
de apoio). Curiosamente, esta nova configuração do independentismo escocês
parece-se bastante ao croqui de um novo nacionalismo britânico, colocado pelo
jovem trabalhista escocês Gordon Brown em 1975. Brown colocou, então, uma
identidade britânica liberta dos perigosos laços de etnia excludente, nostalgia
imperial, o folclorismo conservador ao afirmar que os símbolos do patriotismo
britânico deveriam ser os êxitos sociais pelos quais lutou o movimento
trabalhista, conquistas como O Serviço nacional de Saúde, o Estado de
bem-estar, os sindicatos. Como escreveu Neil Ascherson no London Review of
Books em Abril de 2007, est forma de definir uma nação é admirável, fundamentalmente
porque é subversiva; o patriotismo que se constrói a volta de uma instituição
de reforma em nome do povo é um conceito republicano. Apesar das tentativas de
Danny Boyle na sua celebração de britanicidade na inauguração dos Jogos
Olímpicos de Londres do ano passado, foi impossível forjar uma identidade
britânica progressista à volta dessas ideias, em parte pelo peso de um passado
imperial, em parte pela concentração da riqueza e dos valores conservadores e
neoliberais no sul de Inglaterra. Mas, na Escócia, onde existe um cepticismo
muito alargado sobre a monarquia e um compromisso muito maior com os serviços
públicos – isso pode ser possível.
Uma campanha
baseada no Common Weal permitiria também superar a banalização da identidade
escocesa à volta de símbolos folclóricos, gaitas de foles, chouriço haggis e
saias escocesas de pano tartan (talvez, inclusive, de categorias literárias
como o Tartan negro). Porque quem quer que chegue Glasgow ficará impressionado
com a ausência desses ícones tradicionalistas e típicos na imaginada comunidade
escocesa. Ao chegar à cidade no mês passado pelas 10 da noite perguntei qual
seria o melhor restaurante para jantar e três pessoas me responderam, com
visível orgulho, que Glasgow tem os melhores restaurantes indianos do Reino
Unido. Até vi na carta de um restaurante indiano em frente do Parque
Kelvingrove um prato pedaços de haggis (o famoso chouriço envolvido em farinha
de grão-de-bico com cominhos e outros temperos indianos). Kelman, um dos
entusiastas do movimento de reivindicação da cultura escocesa nas suas
primeiras novelas, recolhe alguma dessa nova identidade escocesa multiétnica,
mais preocupado com os serviços de saúde pública para os seus filhos que as
façanhas do valente Bravehearth, da sua nova novela Mo Said She Was Quirky, que
retrata uma mãe solteira, branca, da classe operária de Glasgow, que se enamora
por um jovem paquistanês.
Estes são os
cidadãos que a campanha do SIM – talvez dotada de uma nova narrativa de
inspiração literária –, deve mobilizar se quer albergar de ultrapassar os 30%
de apoio actual.
* Jornalista
Fuente:
http://blogs.lavanguardia.com/diario-itinerante/?p=2091
Tradução de José
Paulo Gascão em O Diário
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