Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião
Pouco há a fazer
senão demonstrarmos a nossa indignada repulsa. O homem é um mentiroso
compulsivo. Há dois anos ameaçou-nos com o empobrecimento, "única alternativa",
dizia, à soberba que de nós se apossara para vivermos "acima das nossas
possibilidades." Íamos, pois ficar mais pobres do que temos sido. Depois,
como a Fénix que renasce das cinzas, gozaríamos de um cintilante futuro. O rol
de miséria que se seguiu causou-nos infortúnios e desditas sem nome. Agora, o
mesmo homem, possuído de amnésia contumaz, veio afirmar que nenhum político
seria capaz de afirmar tal destino. A SIC, pressurosa e cheia de zelo
informativo, foi aos arquivos e retransmitiu a primeira e a segunda mensagens.
Acaso para avivar a lembrança do desmemoriado ou, simplesmente, para reforçar o
que dele sabemos: transformou a mentira numa banalidade.
O pior de tudo é
que não nos podemos esconder nem fugir deste homem. Ele está em todo o lado,
com rostos diversos e múltiplos, a mesma voz enfática, a mesma mentira
travestida, as mesmas maneiras afáveis e frias. Mentir a nós, que temos cama,
mesa e roupa lavada asseguradas, é o menos. Mentir aos desempregados, aos
velhos, aos miúdos famintos nas escolas, aos moços e moças que não sabem o que
fazer porque lhes foi tirada a mais ínfima parcela de sonho - essa, sim, é uma
mentira monstruosa, a merecer todas as maldições, os maiores dos desprezos, a
mais vil de todas as execrações.
Como é possível que
haja gente, presuntivamente de bem, a apoiar este mentiroso que não só nos
empobreceu materialmente como nos enfraqueceu a alma, nos amolgou o espírito
com perseverança infame, e continua a impelir-nos para uma perdição tão maldosa
que, ela própria, nos escapa; como é possível?
A mentira
multiplicada quebrou a coesão e colocou portugueses contra portugueses, numa
endemia moral que irá prolongar-se. Com extrema dificuldade, os governos que se
seguirão conseguirão repor o que nos indicava como o povo mais lógico, por mais
unido, da Europa. O mentiroso conseguiu o que mais ninguém obteve, com
repressão ou com o montante. Levou-nos até ao desgosto da palavra, porque houve
quem acreditasse na voz de tenor, falsamente casta, e na insistência maviosa
dos temas.
Redignificar a
função, reabilitar a grandeza do falar verdade, é tarefa de resgate incomum; e
não vejo quem disponha da elevação necessária e urgente para tal empreitada. Os
políticos entenderam a facilidade como norma de uma vitória sobre o tempo, e abandonaram,
por incúria e ignorância, as convicções e a consciência de missão. O seu
combate é outro. E no caso português muito mais evidente, pelas debilidades
culturais dos intervenientes. O mentiroso comum é desprezível; o mentiroso
político, abominável: pertence a uma época estimulada pela incerteza, e incapaz
de se opor às estruturas ideológicas que tomaram conta da Europa.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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