Tomás Vasques – Jornal i, opinião
Apareceram os
slogans que sustentaram esta revolução invertida - a expropriação dos pobres
para dar aos ricos: "Viveram acima das suas possibilidades, agora têm de
pagar"
A falência do banco
de investimento Lehman Brothers, há cinco anos, a 15 de Setembro de 2008, é o
símbolo que melhor ilustra o desvario, a extrema ganância e a impunidade que,
durante décadas, caracterizaram o sistema financeiro e bancário, só possível com
a conivência e a cumplicidade de governantes de muitos países e instituições
públicas encarregues da regulamentação e fiscalização de tais desmandos. Mais:
é o símbolo da decadência em que o sistema da "livre concorrência" se
afundou; ou melhor, nos afundou. Foi o tempo em que as vigarices e os crimes
financeiros mais torpes conferiram estatuto de "génios da engenharia
financeira" a gente inqualificável, como foi o caso de um sujeito de nome
Bernard Madoff, um corrector, antigo presidente da bolsa de valores
tecnológicos de Nova Iorque, autor de uma fraude superior a 50 mil milhões de
euros. Depois, atrás da crise nos "mercados do crédito hipotecário de alto
risco", eufemismo usado para disfarçar actividades bancárias criminosas,
que faziam da "nossa" Dona Branca uma senhora respeitável, apesar de
esta ter sido condenada, no tribunal da Boa-Hora, a muitos anos de prisão por
burla agravada, chegou à Europa uma outra crise - a das "dívidas
soberanas".
Esta "nova
crise", decorrente da anterior, teve início no princípio de 2010, depois
dos socialistas gregos, recém-eleitos, terem denunciado falcatruas nas contas
públicas, perpetradas pelos seus antecessores, que colocavam em causa a
capacidade de pagamento das dívidas contraídas pelo Estado grego. Daí para cá, sob
o comando dos conservadores alemães, chefiados pela senhora Merkel, começou um
doloroso processo de desconstrução europeia - desconstrução civilizacional,
democrática e económica. A "economia de casino" que até aqui nos
conduziu, os desmandos e os crimes financeiros de banqueiros e correctores, dos
Madoff e companhia, e à nossa escala, dos Oliveira e Costa e Rendeiro, tinham
que ser pagos, até ao último tostão, com língua de palmo, e com juros
avultados, por quem anda por cá mais a vegetar do que a viver. Mais: pagar as
dívidas do Estado e recapitalizar os bancos, autores de todas estas
"proezas". Apareceram, então, para sustentar o engodo, os slogans que
sustentaram esta revolução invertida - a expropriação dos pobres para dar aos
ricos: "viveram acima das suas possibilidades, agora têm de pagar",
"não há dinheiro, qual das três palavras não perceberam", "é
preciso baixar os salários ainda mais" e muitos outros do mesmo género.
Não é por acaso que os principais defensores destas "ideias" do
governo são banqueiros, como Fernando Ülrich ou o falecido António Borges.
Esta lógica imoral
e infernal, segunda a qual os que menos têm, devem suportar os luxos dos que
mais têm - numa estratégia premeditada, que Dante desconhecia quando escreveu
"O Inferno" - tem levado a esta permanente expropriação de quem mais
precisa: subsídios de natal e férias, salários, indemnizações por despedimento,
reformas e pensões de sobrevivência, impostos e tudo o mais, deixando incólume
as PPP, os contratos swap, as rendas à EDP e tudo o que esteja relacionado com
os autores do grande crime: os bancos e o sistema financeiro. É este o governo
que temos e não há no horizonte a menor brisa de mudança.
PS - Dizem que,
depois da falência do Lehman Brothers, o mundo mudou, mas é mentira. Nada mudou
a não ser a pobreza em que muitos milhões de cidadãos caíram. Um exemplo:
realizou-se há dias uma feira de automóveis, na Alemanha. Entrevistado o
vendedor de um automóvel em exposição, cujo preço ultrapassa largamente os
salários de centenas de pessoas durante toda a vida, o vendedor declarou:
"Claro que se vende. O cliente Bugatti tem em regra 32 carros na
garagem."
Jurista. Escreve à
segunda-feira
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