Mário Soares –
Diário de Notícias, opinião
1 A expansão da
China foi considerável, após a morte de Mao Tse-Tung e a abertura que se seguiu
com Deng Xiaoping. Tratou-se, durante longos anos, de uma contradição
impossível: o comunismo mais duro com o capitalismo sem regras sociais ou
éticas em que só contava o dinheiro.
A China quis
rivalizar com os Estados Unidos, uma vez que com a Rússia há muito tempo estava
zangada. E pôs-se a comprar dólares, sem conta, peso e medida.
Começaram a
aparecer os milionários chineses, sem deixarem de ser comunistas. Mas como se
sabe são os hábitos que fazem os monges. Os chineses capitalistas percorreram o
Mundo, a comprar tudo o que lhes aparecia e a viver um estilo de vida que nada
tinha que ver com o comunismo. Construíram arranha-céus em Xangai e Pequim e
compraram empresas por toda a parte e em todos os continentes. E, sobretudo,
dólares e mais dólares...
Simplesmente,
esqueceram-se que os americanos fabricam dólares e mais dólares, sempre que lhes
são necessários. Infelizmente, o mesmo não aconteceu com o Banco Central
Europeu e com o euro, na zona euro. Se assim fosse, não estávamos em crise
aguda como estamos...
Voltando aos
dólares que os chineses compraram - como me disse um antigo ministro chinês,
que me visitou recentemente - hoje servem-lhes de pouco...
E agora o
Presidente da China, que procura ser um comunista a sério, percebendo que, além
dos milionários, começa a haver - porque as coisas são o que são - uma classe
média importante e ativa, resolveu meter na ordem os milionários, contra o
capitalismo neoliberal, o pior de todos os capitalismos, visto que só respeita
o dinheiro e ignora as pessoas e está, por todo o lado, isto é, por enquanto,
na União Europeia, a criar crises gravíssimas.
Julgo que a
intervenção do Presidente chinês surge tarde de mais. Porque começa a haver, na
China, uma classe média e uma intelectualidade que conta e não está nada
satisfeita, contaminando os mais pobres, que são como se sabe imensos
milhões... A China é hoje um Estado completamente diferente do que foi e muito
complexo.
Como irão
defender-se os milionários chineses que o Presidente quer castigar? Fugirão da
China? Alguns seguramente que sim. Mas os mais visados, certamente que não.
Trata-se de um período muito complexo que importa seguir com atenção. Porque
não interessa só aos chineses mas ao Mundo em geral.
2 Curiosa semana a
que passou
Tive o gosto de
receber o presidente eleito do Porto, Rui Moreira, que teve a amizade de me vir
dar um abraço, lembrando que fui eu a quem ele falou em primeiro lugar, quando
resolveu candidatar-se. E mais. Veio com o meu camarada Manuel Pizarro, que
será o seu vice na Câmara Municipal do Porto. O que achei uma excelente ideia.
Portas que disse ser o CDS que levou Rui Moreira à vitória, mais uma vez
mentiu.
Foi-me muito grato
falar com ambos e fiquei certo de que o Porto vai ser muito beneficiado. O meu
amigo Miguel Veiga teve razão desde a primeira hora.
Também fui dar um
abraço a António Costa no dia em que tomou posse, após a sua esmagadora vitória
eleitoral, a correr porque no mesmo dia tinha na Fundação uma homenagem a
Fernando Vale, uma figura das mais importantes do socialismo democrático,
republicano e maçon. A terceira da série "Vidas com sentido" em que
se presta homenagem a todos os grandes líderes do PS já falecidos. O próximo,
na quinta-feira, será Manuel Mendes, grande escritor e antifascista, amigo da
Acção Socialista, infelizmente bastante esquecido, que morreu antes do 25 de
Abril.
Mas o acontecimento
mais esperado da semana foi o lançamento do livro do ex-primeiro-ministro José
Sócrates, intitulado A confiança no Mundo, sobre a Tortura em Democracia. Mais
de mil entusiastas - socialistas, claro, mas não só - estiveram presentes, num
dia especialmente invernoso e à chuva, muito tempo, para entrarem.
O primeiro a falar
foi o representante da Editora Babel e depois o autor do prefácio, vindo
especialmente do Brasil, Lula da Silva. Fez um discurso de quase uma hora, de
improviso, em que falou de tudo e constituiu uma lição para os socialistas. Se
foi gravado, como julgo, é bom que seja publicado porque será de grande
utilidade para os socialistas europeus e como vencer a crise que nos aflige e à
zona euro.
Mas, claro, o
fundamental da sessão foi o discurso do autor do livro, que é muito
interessante e original. Deve ser lido e meditado. Sócrates estudou imenso
nestes dois anos e meio que passou em França para tirar o mestrado, com alta
classificação, no prestigiado Instituto de Sciences Po.
É hoje uma pessoa
diferente. E vai continuar em Paris para fazer o doutoramento. Sem deixar de
ser político, tornou-se um académico. Sendo um engenheiro licenciado em
Coimbra, é hoje um humanista e um pensador político. Tem hoje uma enorme
bagagem cultural, como ficou provado. O que não deixa de ser importante em
política, nos dias difíceis que correm.
3 Um excelente
exemplo
É indispensável que
os juristas - que não estejam só a serviço do dinheiro - e as pessoas de bem
admirem e sejam solidárias com o Tribunal Constitucional. Porquê? Porque é uma
instituição que fiscaliza a nossa lei suprema - a Constituição - que os
titulares do poder juraram por sua honra defender. A independência que tem
demonstrado, apesar dos ataques, ameaças e pressões que o Governo indevidamente
lhe tem feito, constitui um exemplo a registar. Várias vozes insuspeitas se têm
levantado em defesa do Tribunal Constitucional - é verdade - e, obviamente da
Constituição. O grande constitucionalista Jorge Miranda, que tanto admiro,
assim o escreveu numa excecional entrevista que nos deu a todos no domingo
passado. O atual bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto também tem
falado, com clareza, em favor do Tribunal Constitucional, como Rui Rangel e
Bacelar Gouveia, entre outros magistrados, com acesso à comunicação social.
É certo que a
justiça portuguesa está pelas ruas da amargura. Há inúmeros delinquentes, que o
nosso povo bem conhece e que andam por aí impunemente, como não me tenho
cansado de referir. Alguns até parece que foram escolhidos por isso mesmo, como
é o caso do atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, que conheci
no tempo do impoluto professor Mota Pinto, meu saudoso amigo. Machete
parecia-me então uma pessoa séria. Mas deixou de o ser, como se sabe agora.
Porém, o que é
ainda mais grave é que responsáveis europeus como a presidente do Fundo
Monetário Internacional, a que preside mal a francesa Christine Lagarde, e a
Comissão Europeia, pela voz do seu presidente, Durão Barroso, se permitiram
intrometer-se no nosso Tribunal Constitucional, fazendo pressão sobre ele.
Chegámos ao ponto de um funcionário da União Europeia, representante desta, de
nacionalidade portuguesa, permitir pronunciar-se contra a independência do
Tribunal Constitucional. Ao que o dinheiro obriga e o que dele resulta...
A tudo isto o
Tribunal Constitucional tem resistido em silêncio - como deve - tornando-se um
fator de independência e de seriedade.
É um exemplo para
nós portugueses - que tanto sofremos, com o atual Governo, que está a destruir
o nosso querido País - e merece a solidariedade de todas as pessoas sérias. A
nossa Justiça é má, em muitos casos não existe, mas o Tribunal Constitucional,
com a sua independência e seriedade, é um bom exemplo para todos nós.
O problema é que o
atual Governo não acredita na nossa Constituição, que jurou respeitar. Veremos
se o Presidente da República que tem andado tão ausente, para não ser
perguntado quanto à defesa da Constituição e do Orçamento (nem se pronunciou
sobre ele no Panamá, ao lado do seu protegido primeiro-ministro), terá agora a
ousadia de dizer que a Constituição não se come, como disse Passos Coelho?
Engana-se redondamente. Porque a Constituição, que só pode ser revista por mais
de dois terços no Parlamento - o que não é o caso - estabelece os direitos dos
cidadãos, que não podem nem devem ser tratados desigualmente, respeita os
sindicatos, o Estado social e o Estado de direito, tudo o que o Governo quer
destruir, como aliás, a própria democracia.
Ameaçar o Tribunal
Constitucional como o Governo tem feito, e alguns dos que com ele procuram
ganhar dinheiro, é algo de inaceitável. Porque implica negativamente com a
Constituição e com a democracia. Como vai o Presidente da República, perante
tal jogo, reagir em favor dos seus protegidos, tendo jurado a Constituição?
O atual Governo
nunca diz o que faz nem explica as condições e sarilhos em que está metido.
Depois de destruir o Estado, anda desde janeiro a dizer que vai apresentar um
guião sobre a reforma do Estado, que Paulo Portas nunca fez nem fará. Também
não explica o que se passa com o erário público e os dinheiros que o Governo
gasta com os membros deste Governo que são 54 (ministros e secretários de
Estado), chefes de gabinete e inúmeros assessores. Para quê? Os automóveis que
todos têm e as viagens que fazem permanentemente com os seus amigos e
assessores. Nada do que gastam é conhecido. Mas um dia será.
Quando se souber -
e entre o povo empobrecido, muitas pessoas passam fome -, a revolta que existe
hoje já praticamente todos os dias pode levar a uma revolução. O Presidente da
República não terá consciência disso? Não será por isso que tem estado agora
ausente tanto tempo para não falar aos portugueses?
Por isso, o mais
depressa possível, temos de defender a Constituição e salvar a democracia. Sob
pena de ficarmos com um País cada vez mais empobrecido e sem expressão no
Mundo. Que desgraça! Por isso todos os portugueses sérios gritam: Governo rua.
Todos os dias e por todo o lado. Com o Presidente calado. Nunca se viu nada
assim.
4 A Igreja
Portuguesa
A Igreja portuguesa
tem estado bastante silenciosa. Como se Portugal não estivesse a ser destruído
aos poucos, pelo atual Governo.
Porquê? A cerimónia
de Fátima de 13 de outubro teve uma enorme multidão e um representante de Sua
Santidade o Papa Francisco. A grande maioria dos peregrinos eram pobres, sem
emprego. Por isso, muitos rezaram por um tempo melhor.
Contudo, ao que se
disse, o Governo ameaçou ir buscar algum dinheiro a Fátima. Mas não pôde ir tão
longe. O Conselho Episcopal falou contra a situação crítica do nosso País e
falou bem, Mas quanto ao Patriarca - o emérito e o atual - o silêncio foi a
regra. O primeiro falou contra os sindicatos e as oposições e de algum modo
disse que era necessário proteger o Governo. Como se a política de austeridade
deste Governo fosse uma fatalidade e não mais um erro intolerável, como tem
sido. Com a destruição do nosso Estado e o empobrecimento nunca visto das
pessoas.
Há muitos
portugueses empobrecidos que têm medo de falar. Mas a Igreja, com o sentido da
pobreza que deve ter, não é saudável que não o faça.
É certo que a
Igreja portuguesa apoiou o salazarismo e a sua estúpida política colonial. Por
isso surgiram os católicos progressistas e a Igreja foi respeitada e protegida
após o 25 de Abril. Tornou-se, de resto, uma Igreja aberta e progressista, em
comparação com a Igreja espanhola.
Quer agora voltar
atrás, para que o atual Governo não lhe vá aos dinheiros de Fátima, como a
outros bens, casas, etc.? Que grande erro seria!
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