quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A CHINA JÁ NÃO É O QUE FOI

 


Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
 
1 A expansão da China foi considerável, após a morte de Mao Tse-Tung e a abertura que se seguiu com Deng Xiaoping. Tratou-se, durante longos anos, de uma contradição impossível: o comunismo mais duro com o capitalismo sem regras sociais ou éticas em que só contava o dinheiro.
 
A China quis rivalizar com os Estados Unidos, uma vez que com a Rússia há muito tempo estava zangada. E pôs-se a comprar dólares, sem conta, peso e medida.
 
Começaram a aparecer os milionários chineses, sem deixarem de ser comunistas. Mas como se sabe são os hábitos que fazem os monges. Os chineses capitalistas percorreram o Mundo, a comprar tudo o que lhes aparecia e a viver um estilo de vida que nada tinha que ver com o comunismo. Construíram arranha-céus em Xangai e Pequim e compraram empresas por toda a parte e em todos os continentes. E, sobretudo, dólares e mais dólares...
 
Simplesmente, esqueceram-se que os americanos fabricam dólares e mais dólares, sempre que lhes são necessários. Infelizmente, o mesmo não aconteceu com o Banco Central Europeu e com o euro, na zona euro. Se assim fosse, não estávamos em crise aguda como estamos...
 
Voltando aos dólares que os chineses compraram - como me disse um antigo ministro chinês, que me visitou recentemente - hoje servem-lhes de pouco...
 
E agora o Presidente da China, que procura ser um comunista a sério, percebendo que, além dos milionários, começa a haver - porque as coisas são o que são - uma classe média importante e ativa, resolveu meter na ordem os milionários, contra o capitalismo neoliberal, o pior de todos os capitalismos, visto que só respeita o dinheiro e ignora as pessoas e está, por todo o lado, isto é, por enquanto, na União Europeia, a criar crises gravíssimas.
 
Julgo que a intervenção do Presidente chinês surge tarde de mais. Porque começa a haver, na China, uma classe média e uma intelectualidade que conta e não está nada satisfeita, contaminando os mais pobres, que são como se sabe imensos milhões... A China é hoje um Estado completamente diferente do que foi e muito complexo.
 
Como irão defender-se os milionários chineses que o Presidente quer castigar? Fugirão da China? Alguns seguramente que sim. Mas os mais visados, certamente que não. Trata-se de um período muito complexo que importa seguir com atenção. Porque não interessa só aos chineses mas ao Mundo em geral.
 
2 Curiosa semana a que passou
 
Tive o gosto de receber o presidente eleito do Porto, Rui Moreira, que teve a amizade de me vir dar um abraço, lembrando que fui eu a quem ele falou em primeiro lugar, quando resolveu candidatar-se. E mais. Veio com o meu camarada Manuel Pizarro, que será o seu vice na Câmara Municipal do Porto. O que achei uma excelente ideia. Portas que disse ser o CDS que levou Rui Moreira à vitória, mais uma vez mentiu.
 
Foi-me muito grato falar com ambos e fiquei certo de que o Porto vai ser muito beneficiado. O meu amigo Miguel Veiga teve razão desde a primeira hora.
 
Também fui dar um abraço a António Costa no dia em que tomou posse, após a sua esmagadora vitória eleitoral, a correr porque no mesmo dia tinha na Fundação uma homenagem a Fernando Vale, uma figura das mais importantes do socialismo democrático, republicano e maçon. A terceira da série "Vidas com sentido" em que se presta homenagem a todos os grandes líderes do PS já falecidos. O próximo, na quinta-feira, será Manuel Mendes, grande escritor e antifascista, amigo da Acção Socialista, infelizmente bastante esquecido, que morreu antes do 25 de Abril.
 
Mas o acontecimento mais esperado da semana foi o lançamento do livro do ex-primeiro-ministro José Sócrates, intitulado A confiança no Mundo, sobre a Tortura em Democracia. Mais de mil entusiastas - socialistas, claro, mas não só - estiveram presentes, num dia especialmente invernoso e à chuva, muito tempo, para entrarem.
 
O primeiro a falar foi o representante da Editora Babel e depois o autor do prefácio, vindo especialmente do Brasil, Lula da Silva. Fez um discurso de quase uma hora, de improviso, em que falou de tudo e constituiu uma lição para os socialistas. Se foi gravado, como julgo, é bom que seja publicado porque será de grande utilidade para os socialistas europeus e como vencer a crise que nos aflige e à zona euro.
 
Mas, claro, o fundamental da sessão foi o discurso do autor do livro, que é muito interessante e original. Deve ser lido e meditado. Sócrates estudou imenso nestes dois anos e meio que passou em França para tirar o mestrado, com alta classificação, no prestigiado Instituto de Sciences Po.
 
É hoje uma pessoa diferente. E vai continuar em Paris para fazer o doutoramento. Sem deixar de ser político, tornou-se um académico. Sendo um engenheiro licenciado em Coimbra, é hoje um humanista e um pensador político. Tem hoje uma enorme bagagem cultural, como ficou provado. O que não deixa de ser importante em política, nos dias difíceis que correm.
 
3 Um excelente exemplo
 
É indispensável que os juristas - que não estejam só a serviço do dinheiro - e as pessoas de bem admirem e sejam solidárias com o Tribunal Constitucional. Porquê? Porque é uma instituição que fiscaliza a nossa lei suprema - a Constituição - que os titulares do poder juraram por sua honra defender. A independência que tem demonstrado, apesar dos ataques, ameaças e pressões que o Governo indevidamente lhe tem feito, constitui um exemplo a registar. Várias vozes insuspeitas se têm levantado em defesa do Tribunal Constitucional - é verdade - e, obviamente da Constituição. O grande constitucionalista Jorge Miranda, que tanto admiro, assim o escreveu numa excecional entrevista que nos deu a todos no domingo passado. O atual bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto também tem falado, com clareza, em favor do Tribunal Constitucional, como Rui Rangel e Bacelar Gouveia, entre outros magistrados, com acesso à comunicação social.
 
É certo que a justiça portuguesa está pelas ruas da amargura. Há inúmeros delinquentes, que o nosso povo bem conhece e que andam por aí impunemente, como não me tenho cansado de referir. Alguns até parece que foram escolhidos por isso mesmo, como é o caso do atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, que conheci no tempo do impoluto professor Mota Pinto, meu saudoso amigo. Machete parecia-me então uma pessoa séria. Mas deixou de o ser, como se sabe agora.
 
Porém, o que é ainda mais grave é que responsáveis europeus como a presidente do Fundo Monetário Internacional, a que preside mal a francesa Christine Lagarde, e a Comissão Europeia, pela voz do seu presidente, Durão Barroso, se permitiram intrometer-se no nosso Tribunal Constitucional, fazendo pressão sobre ele. Chegámos ao ponto de um funcionário da União Europeia, representante desta, de nacionalidade portuguesa, permitir pronunciar-se contra a independência do Tribunal Constitucional. Ao que o dinheiro obriga e o que dele resulta...
 
A tudo isto o Tribunal Constitucional tem resistido em silêncio - como deve - tornando-se um fator de independência e de seriedade.
 
É um exemplo para nós portugueses - que tanto sofremos, com o atual Governo, que está a destruir o nosso querido País - e merece a solidariedade de todas as pessoas sérias. A nossa Justiça é má, em muitos casos não existe, mas o Tribunal Constitucional, com a sua independência e seriedade, é um bom exemplo para todos nós.
 
O problema é que o atual Governo não acredita na nossa Constituição, que jurou respeitar. Veremos se o Presidente da República que tem andado tão ausente, para não ser perguntado quanto à defesa da Constituição e do Orçamento (nem se pronunciou sobre ele no Panamá, ao lado do seu protegido primeiro-ministro), terá agora a ousadia de dizer que a Constituição não se come, como disse Passos Coelho? Engana-se redondamente. Porque a Constituição, que só pode ser revista por mais de dois terços no Parlamento - o que não é o caso - estabelece os direitos dos cidadãos, que não podem nem devem ser tratados desigualmente, respeita os sindicatos, o Estado social e o Estado de direito, tudo o que o Governo quer destruir, como aliás, a própria democracia.
 
Ameaçar o Tribunal Constitucional como o Governo tem feito, e alguns dos que com ele procuram ganhar dinheiro, é algo de inaceitável. Porque implica negativamente com a Constituição e com a democracia. Como vai o Presidente da República, perante tal jogo, reagir em favor dos seus protegidos, tendo jurado a Constituição?
 
O atual Governo nunca diz o que faz nem explica as condições e sarilhos em que está metido. Depois de destruir o Estado, anda desde janeiro a dizer que vai apresentar um guião sobre a reforma do Estado, que Paulo Portas nunca fez nem fará. Também não explica o que se passa com o erário público e os dinheiros que o Governo gasta com os membros deste Governo que são 54 (ministros e secretários de Estado), chefes de gabinete e inúmeros assessores. Para quê? Os automóveis que todos têm e as viagens que fazem permanentemente com os seus amigos e assessores. Nada do que gastam é conhecido. Mas um dia será.
 
Quando se souber - e entre o povo empobrecido, muitas pessoas passam fome -, a revolta que existe hoje já praticamente todos os dias pode levar a uma revolução. O Presidente da República não terá consciência disso? Não será por isso que tem estado agora ausente tanto tempo para não falar aos portugueses?
 
Por isso, o mais depressa possível, temos de defender a Constituição e salvar a democracia. Sob pena de ficarmos com um País cada vez mais empobrecido e sem expressão no Mundo. Que desgraça! Por isso todos os portugueses sérios gritam: Governo rua. Todos os dias e por todo o lado. Com o Presidente calado. Nunca se viu nada assim.
 
4 A Igreja Portuguesa
 
A Igreja portuguesa tem estado bastante silenciosa. Como se Portugal não estivesse a ser destruído aos poucos, pelo atual Governo.
 
Porquê? A cerimónia de Fátima de 13 de outubro teve uma enorme multidão e um representante de Sua Santidade o Papa Francisco. A grande maioria dos peregrinos eram pobres, sem emprego. Por isso, muitos rezaram por um tempo melhor.
 
Contudo, ao que se disse, o Governo ameaçou ir buscar algum dinheiro a Fátima. Mas não pôde ir tão longe. O Conselho Episcopal falou contra a situação crítica do nosso País e falou bem, Mas quanto ao Patriarca - o emérito e o atual - o silêncio foi a regra. O primeiro falou contra os sindicatos e as oposições e de algum modo disse que era necessário proteger o Governo. Como se a política de austeridade deste Governo fosse uma fatalidade e não mais um erro intolerável, como tem sido. Com a destruição do nosso Estado e o empobrecimento nunca visto das pessoas.
 
Há muitos portugueses empobrecidos que têm medo de falar. Mas a Igreja, com o sentido da pobreza que deve ter, não é saudável que não o faça.
 
É certo que a Igreja portuguesa apoiou o salazarismo e a sua estúpida política colonial. Por isso surgiram os católicos progressistas e a Igreja foi respeitada e protegida após o 25 de Abril. Tornou-se, de resto, uma Igreja aberta e progressista, em comparação com a Igreja espanhola.
 
Quer agora voltar atrás, para que o atual Governo não lhe vá aos dinheiros de Fátima, como a outros bens, casas, etc.? Que grande erro seria!
 

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