quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Brasil: Bolsa Família reduziu pobreza, mas inclusão social é questionável

 

Deutsche Welle
 
Em uma década, principal programa dos governos do PT conseguiu, usando 0,5% do PIB, reduzir miséria em 28%. Mas falta de ações paralelas, como ajuda à inserção de beneficiados no mercado de trabalho, é alvo de críticas.
 
Quando, em 2003, foi lançado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Bolsa Família dividiu a opinião dos brasileiros. Para os críticos, o programa era uma medida assistencialista que não colaboraria, de fato, para a inserção social. Para seus defensores, era um projeto de transferência de renda capaz de levar a uma revolução social no Brasil.
 
Uma década depois, os números são positivos. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Bolsa Família foi responsável por reduzir em 28% a extrema pobreza ao longo de dez anos. Atualmente, o programa atende a cerca de 13,8 milhões de famílias – o equivalente a 50 milhões de indivíduos ou um quarto da população brasileira.
 
"O Bolsa Família atende às necessidades de alimentação das famílias mais pobres e move, principalmente, a economia local de pequenas cidades, trazendo impactos sobre a qualidade de vida", afirma Marcel Guedes Leite, economista da PUC-SP. "É um programa relativamente barato, que abrange uma população bem ampla e não utiliza nem 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano."
 
O investimento do governo no Bolsa Família previsto em 2013 é de cerca de 24 bilhões de reais. O valor médio do auxílio passou de 73,70 reais em outubro de 2003 para 152,35 reais em setembro deste ano.
 
Guedes Leite diz ainda que, dos cerca 5.600 municípios do Brasil, aproximadamente 2.300 têm menos de 5 mil habitantes e não têm, geralmente, estrutura econômica para gerar ocupação para a sua população. E se a dificuldade de as famílias encontrarem meios de sobrevivência nos municípios pequenos já é grande, ela é maior ainda nos municípios mais pobres. E é nesses locais que o Bolsa Família teve uma grande importância nesta última década.
 
"Há estatísticas que mostram que alguns municípios recebem mais recursos do Bolsa Família do que do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Isso mostra o quanto esses municípios eram miseráveis e dependem da transferência do governo federal. Senão, eles não subsistem", diz Guedes Leite.
 
Demanda reprimida
 
Segundo o livro Programa Bolsa Família – uma década de inclusão e cidadania, lançado nesta quarta-feira (30/10) pelo Ipea, 72% das famílias inscritas no programa são extremamente pobres, e 64% dos responsáveis pelas famílias não chegaram a completar o ensino fundamental. A maioria dos benefícios é recebida por habitantes do Nordeste do país (50%), especialmente dos estados do Maranhão e do Piauí. Apenas 38% têm, ao mesmo tempo, acesso a água tratada e coleta de esgoto.
 
"Qualquer adição de renda que essas famílias recebem acabam se transformando num aumento de consumo. E isso vai repercutir sobre a economia local", afirma Claudia Satie Hamasaki, professora de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Essa orientação de consumo local acaba tendo um efeito multiplicador dessa renda adicional sobre a economia local, principalmente nas regiões mais afastadas."
 
Para a especialista, o impacto é maior nos municípios menores, já que cidades têm custos de vida diferentes e uma família considerada pobre em São Paulo pode não necessariamente receber o mesmo status no sertão nordestino. "Setenta reais a mais na renda em São Paulo não significa o mesmo que no Piauí. Pobre em São Paulo não é pobre na região do Nordeste, e pobre lá pode ser considerado miserável aqui", explica.
 
Os especialistas, porém, dizem que a inclusão social promovida pelo Bolsa Família não pode ser avaliada no curto prazo e afirmam ser necessário esperar um ciclo maior. Eles estimam que daqui a cerca de cinco anos poderá ser avaliado se as famílias beneficiárias do programa obtiveram melhores condições de vida.
 
Parte dos questionamentos ao Bolsa Família se deve ao fato de o governo federal não disponibilizar para as famílias programas de inclusão no mercado de trabalho, como a qualificação de mão de obra. Outra crítica é que, apesar de exigir frequência escolar dos beneficiados, não há medidas paralelas para melhorar a qualidade do ensino.
 
"Sinto falta de algumas políticas de inclusão. Assim como houve políticas para a distribuição do benefício, deveria haver programas de inserção no mercado de trabalho", opina Guedes Leite. "E isso a gente não viu ainda, não foi criado até o momento."
 
IDH alavancado
 
Especialistas dizem que os requisitos para que as famílias recebam o benefício é um dos pontos positivos do programa. Para isso, as crianças devem estar matriculadas na escola e terem frequência de, no mínimo, 85%. Além disso, as mulheres grávidas devem estar em dia com o pré-natal e as crianças, com a carteira de vacinação.
 
E, como resultado, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – que considera a renda, educação e saúde – teve um salto no período de dez anos. De acordo com o Ipea, em 2000, 41% dos municípios brasileiros apresentaram IDH muito baixo. Em 2010, esse patamar foi reduzido para 0,6%.
 
"Com as condicionalidades [requisitos] você dá uma perspectiva futura para as crianças e as torna indivíduos mais aptos para buscar emprego e a entrar numa instituição de ensino superior. Dessa forma, separa-se a família do que seria a armadilha da pobreza, que é pobreza intergeracional", afirma Hamasaki. "Esse é um dos grandes feitos do programa, ele rompeu com esse ciclo."
 
Autoria: Fernando Caulyt – Edição: Rafael Plaisant
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana