quinta-feira, 31 de outubro de 2013

França: A CLAREZA OU A REVOLTA, HOLLANDE DEVE ESCOLHER

 


Slate.fr, Paris – Presseurop – imagem Alex Ballaman
 
Com uma fraca posição nas sondagens, criticado pela esquerda e pela direita e a enfrentar uma forte vaga de protestos sociais, o Presidente francês está encostado à parede. A sua única saída é “desmarxizar” finalmente a esquerda, considera um editorialista. Excertos.
 
 
Já aconteceu. Chegámos ao momento-chave do movimento estratégico iniciado por François Hollande. Este encontra-se sob fogo cruzado, vindo do seu próprio campo e da direita. Conseguirá sobreviver?
 
Penso que é tarefa de François Hollande reagir finalmente à conversão do socialismo francês à social-democracia. Deve desmarxizar a esquerda. Mas [Hollande] herdou um partido que, por culpa de todos os dirigentes socialistas – entre os quais ele próprio –, faz uma análise da crise invertendo os seus termos: uma análise que apela ao regresso da luta de classes! O trabalho “contra” o capital! O Partido Socialista (PS) não avançou para o século XXI: refugiou-se no século XIX. Para ele, a questão central é a desigualdade: é preciso tributar os ricos. O Hollande eleito está rodeado de conselheiros e ministros que pensam isso. Tem um Parlamento no qual muitos deputados pensam isso.
 
Como candidato, percebeu que a crise era sem dúvida mais complexa do que estes raciocínios ociosos. Fez poucas promessas. Ousou dizer que o começo do mandato seria duro e que os frutos só poderiam ser distribuídos depois, na segunda parte. Foi prudente; hesitante, diriam alguns.
 
O problema de François Hollande é não ser um intelectual. É esse o seu drama fundamental. Falta-lhe uma visão. Como é realista e pragmático, compreendeu rapidamente que o motor socialista está morto. Mas, para o substituir, não há nada além de um processo de tentativa e erro e o seu gosto pelos compromissos. Vai tateando as relações de força. Homem de sínteses modestas, falta-lhe uma grande Síntese entre socialismo e modernidade.
 
Vocabulário político do séc. XIX
 
É essa falta que explica que, apesar do seu programa prudente, tenha seguido em duas direções erradas. Rodeado por um aparelho socialista que clama contra as desigualdades, os bancos e o CAC40, não viu de imediato que o principal problema da França era a sua fraca competitividade. As empresas não ganham demasiado dinheiro: ganham demasiado pouco!
 
No entanto, emendou rapidamente a mão, no verão de 2013, com o relatório Gallois [sobre a competitividade da indústria francesa]. O PS engasgou-se! Muitos não se recompuseram e ainda encaram essa “política da oferta” como um “presente” que foi dado ao patronato. Um vocabulário do século XIX.
 
O outro erro é de ordem orçamental. No início, o mesmo motor PS levou a que se aumentassem os impostos, os dos ricos, para reduzir o défice. Tributar os ricos, dar aos outros e tudo iria correr melhor! Além disso, em matéria de redução das despesas, a outra possibilidade de uma política de austeridade, o Presidente tinha pouca margem de manobra. Sendo socialista, não queria atingir os seus eleitores funcionários. E, por outro lado, os economistas aconselhavam-no a agir delicadamente. Com um crescimento nulo em 2012, algumas considerações keynesianas justificadas preconizavam que não se reduzisse demasiado a despesa pública. A França correria o risco de, à semelhança da Itália, cair na recessão. O pedido de um prazo a Bruxelas para regressar às regras de Maastricht era legítimo e foi aceite.
 
Esta política, em que se misturam uma base de preconceito contra os ricos, uma ideologia keynesiana e eleitoralismo, produziu o “choque fiscal” de 2012: 30 mil milhões de impostos. Mas, num país com um recorde de taxas e impostos, acendeu-se a chama da revolta fiscal. Em 2013, um terço dos esforços incidiram sobre a redução das despesas, mas dois terços continuaram a dizer respeito à tributação e, desta vez, não apenas dos ricos, mas de toda a gente, incluindo a classe média.
 
Em 2014, o Governo espera a chegada da retoma, as considerações keynesianas terão menor peso e 80% dos esforços incidirão sobre as economias e 20% sobre os impostos. Em 2015, prometeu Hollande, 100% do rigor orçamental recairá sobre a despesa.
 
Ausência de pedagogia
 
viragem seria total em três anos, mas é demasiado tempo. François Hollande acabaria por chegar a uma linha de política económica sã: a competitividade e a redução estrutural da despesa. Contudo, a “ambiguidade” teria durado demasiado tempo e a “pedagogia” estaria ausente. Temos, por um lado, uma maioria que protesta e vocifera, de manhã à noite, na televisão, contra um Presidente social-democrata, e, por outro, um clima de saturação fiscal que raia a insurreição.
 
Que pode fazer François Hollande? Com risco de atacar pelas costas o PS e a sua maioria, deveria acelerar no novo rumo tomado. A competitividade francesa não foi restabelecida, longe disso, e é preciso ir mais longe. A redução das despesas deveria constituir uma oportunidade de obter ganhos de eficácia nos serviços públicos.
 
Queria ser social-democrata? Que o seja abertamente. Os políticos e os contribuintes já não aguentam mais.
 
Visto da Alemanha
 
Um clima de revolta
 
A França “está na véspera de uma revolta”, adianta o Frankfurter Allgemeine Zeitung, que considera o país “ingovernável”:
 
Os socialistas no poder em Paris não conseguiram impor as suas decisões. Quer se trate da introdução de um imposto ecológico, a tributação dos seguros de vida e da poupança-habitação ou o aumento da fiscalidade das empresas, não foi preciso esperar muito até que uma onda de contestações abalasse o país e, poucos dias depois, o Governo renunciasse às suas medidas. Além de ser acusado de incompetência passou a transmitir uma imagem de fraqueza.
 
O diário alemão estima que o Presidente “François Hollande paga hoje em dia o preço de uma vitória presidencial obtida com a ajuda de um programa totalmente utópico, que prometia que a França iria superar a crise financeira e económica sem exigir sacrifícios aos seus cidadãos.” Existe o risco, acrescenta o FAZ, de os socialistas, que estão na maioria das Câmaras Municipais das grandes cidades, serem esmagados [nas eleições municipais]. [E] nas eleições europeias, a Frente Nacional de Marine Le Pen corre o risco de ocupar a primeira posição, à frente do UMP, o partido de direita da oposição. Os socialistas só viriam depois, segundo as atuais previsões.
 

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