O País (ao)
O caso Kangamba
despoletado no Brasil, no âmbito da “Operação Garina”, pode passar para a
justiça angolana, já que a Procuradoria Geral da República “tomou a iniciativa
de contactar a congénere brasileira no sentido de prestar informações acerca dos
factos imputados aos arguidos”, soube OPAÍS junto da PGR.
Segundo o
Procurador Geral da República, João Maria de Sousa, em declarações a OPAÍS,
“nós enviamos um emissário que trará o processo em mãos”.
João Maria de Sousa
também disse que o processo ainda não chegou a Angola, estando a aguardar pelo
mesmo para a competente apreciação. O mandado de captura expedido pelas
autoridades brasileiras já foi postado no site da Interpol Internacional. Até
ao fecho da presente edição, o bureau da Interpol junto da Direcção Nacional de
Investigação Criminal ainda não tinha recebido qualquer documento oficial sobre
o processo instaurado contra Bento Kangamba. Certo, porém, é que o seu nome e
do alegado sócio Vasco Inácio Republicano Fernando constam na página oficial da
Interpol Internacional como estando a ser procurados para serem julgados no
Brasil.
Cenários para
Kangamba
Entretanto, um
outro magistrado do Ministério Público angolano falou sobre os cenários que se
podem abrir para o caso, face à remissão para a Interpol de um mandado de
captura contra o general Kangamba.
Falando na condição
off the record, o magistrado descreveu a OPAÍS dois cenários prováveis, o
primeiro dos quais é a prisão e extradição para o Brasil, caso viaje para
qualquer país que tenha firmado um acordo nesse sentido.
Ainda nesta senda,
segundo a fonte, as autoridades brasileiras poderiam pedir a países terceiros
para que seja preso e recambiado para o Brasil, onde seria julgado.
Isto decorre do
facto da Constituição da República de Angola proibir a extradição de cidadãos
nacionais.
Segundo explicações
do magistrado, podem desencadear-se outras consequências internamente, como
segundo cenário para o desfecho do caso, que passa pelo julgamento de Kangamba
nos Tribunais angolanos.
Mas, aclarou a
fonte, isto só seria exequível “se os factos imputados como crimes no Brasil
aqui também o forem”. O também presidente do Kabuscorp, está a ser acusado de
tráfico de seres humanos para exploração sexual, cárcere privado e formação de
quadrilha.
A Interpol já
colocou na lista de pessoas procuradas o general angolano Bento dos Santos
Kangamba, acusado pela Polícia Federal do Brasil de liderar uma quadrilha que
traficava mulheres do daquele país para prostituição em Angola, África do Sul,
Áustria e Portugal.
Aquela rede mundial
de polícias publicou no seu sitio uma foto de Kangamba, de 48 anos, natural do
Moxico, de quem se pede a prisão por integrar uma “associação criminosa para a
exploração e tráfico de seres humanos”.
Além do general, o
seu alegado braço-direito, Fernando Vasco Inácio Republicano, também aparece na
lista de procurados.
Na mesma página,
pede-se a quem tiver alguma informação que contacte a polícia nacional ou o
secretariado-geral da Interpol.
Segundo a Polícia
Federal do Brasil, o esquema comandado por Bento dos Kangamba funcionava há
pelo menos 10 anos, período em que movimentou, numa estimativa inicial, mais de
45 milhões de dólares.
Outras fontes
referem, no entanto, que o esquema funcionou durante seis anos apenas, período
em que até 700 mulheres brasileiras viajaram entre Brasil, Angola, África do
Sul, Áustria e Portugal.
Quanto a Bento
Kangamba e o suposto seu braço direito, as autoridades brasileiras esperam
agora pela intervenção da Interpol em virtude de não existir um acordo de
extradição entre Angola e o Brasil, que obrigue Luanda a enviá-los para serem
julgados nos tribunais brasileiros.
O modus operandi
Segundo explicações
dadas à imprensa brasileira, por oficiais da Polícia Federal Brasileira, as
mulheres eram recrutadas no Brasil e atraídas para os destinos turísticos, onde
se entregavam em orgias de “sexo de luxo”.
A remuneração
variava de USD 5 mil até USD 100 mil, sendo esta, segundo a imprensa
brasileira, a quantia paga pelo também conhecido empresário da juventude por
uma semana de sexo.
Kangamba também é
citado pela imprensa brasileira como sendo o responsável pela triagem das
prostitutas.
Advogado comenta
A terminologia
usada no Brasil na tipificação de alguns crimes de que vem acusado o presidente
do Kabuscorp, Bento Kangamba e Luís Republicano lhes pode favorecer, comentou a
este jornal um advogado que falou sob anonimato.
Segundo o
causídico, o crime de formação de quadrilha, que consta da acusação, não é
usual no Código Penal angolano e um eventual julgamento nos tribunais
angolanos, esta acusação poderá ser descartada.
No entendimento da
fonte deste jornal, o direito penal não admite analogias, pois tem de se fazer
uma interpretação extensiva dos factos.
Ao contrário do
Brasil, no ordenamento jurídico angolano, fala-se de associação ilícita, que
pressupõe um ajuntamento de mais de 20 pessoas, assim como de sociedades
secretas, cujos membros geralmente não falam das suas actividades, como vem
plasmado no artigo 328 e seguintes.
Se em relação a
este aspecto não houver lugar a uma eventual condenação, já em relação ao
cárcere há outras considerações a ter em conta.
Na legislação
angolana, tratase de cárcere quando a pessoa fica enclausurada por pelo menos
24 horas, sendo que a sobrepassagem deste tempo é tipificado no código penal
como crime de cativeiro.
Questionado sobre o
facto de as supostas prostitutas brasileiras terem alegadamente vindo
conscientemente, o advogado lembrou que esta circunstância em nada abona, já
que isto pode se dar com recurso a meios coercivos ou brandos, podendo ainda
considerar-se a figura do rapto.
O causídico admite,
por hipótese, que Bento Kangamba e Luis Republicano venham a responder por
outros dois crimes, por encontrar correspondência no código penal vigente em
Angola.
Eugénio Mateus
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