Marcolino Moco* – À Mesa
do Café
Mesmo pensando em
deixar um tom de esperança, como deixo sempre nos meus textos, foi por pouco
que este que aqui escrevo não teve por título “O triunfo da Iniquidade”. É que
antes de mudar de ideias para adoptar este novo título, continuaram a acontecer
coisas inacreditávie no meu país, sob a batuta do Presidente José Eduardo dos
Santos:
1 - O Homem conseguiu
colocar Portugal a seus pés: foi noticiado que duas investigações que corriam
contra seus homens foram pura e simplesmente arquivadas, quando muitos
esperavam que um país da dignidade e maturidade de Portugal não iria, pelo
menos isso, dar sinais tão evidentes e imediatos de cedência, perante chantagem
de um regime autoritário africano;
2 - Perante mais um
escândalo protagonizado por quem um dia chamei de “empresário sem empresa”, o
Presidente Dos Santos matém-se na sua inamovível atitude de proteger
“pierrefalcones”, à custa de um mínimo de honra para o país;
3 - O Presidente
manda o Presidente da Assembleia Nacional retirar um direito que cabe a um
partido político de perorar no hemicíclo;
4 - O Presidente
manda o Tribunal Constitucional “ordenar” que, assim como ele chefe do
Executivo não presta contas a niguém, também os seus “missi dominici” não devem
ser importunados por nada deste mundo, contra decisões anteriores da própria
casa das leis, e, envia supostos juristas para mais uma vez estabelecerem
semelhanças inexistentes com o funcionamento de regimes democráticos como o dos
Estados Unidos da América e o da África do Sul (porque sabe que renomados
juristas portugueses vão corroborá-los e nenhuma voz contraditória competente
será ouvida, nos grandes meios de comunicação em Angola e no Portugal
amordaçado);
Mudei de título
porque houve notícias encorajadoras, que indicam que poderemos vencer a batalha
da retoma do caminho da contrução de um país para todos, sem novo recurso
violência, para gáudio dos “pescadores das águas turvas”, como poderá estar a
acontecer na irmã Moçambique. Não tanto porque aconteceu o caso da soltura
condicionada do jovem “Nito Alves”, por pressão da sociedade nacional e
internacional, que era normal esperar, como mais um facto de limpeza temporária
da face de um regime que se vai tornando cadavez mais cinicamente sanguninário,
mas sobretudo porque parecem começar a esboçar-se as acções “pacíficas mas não
passivas”, para se resolver de forma global o problema actual de Angola, que
consiste no bloqueio dos mecanismos de consolidação da democracia nossa, para
propiciar a agora claramente declarada pelo Presidente “acumulação do capital”,
pela familia presidencial e amigos (alguns forçados), à custa do erário público
e da chantagem a parceiros económicos e comerciais. Para isso me convenceram
especialmente dois factos: uma intervenção inovadora e encorajadora do líder da
UNITA, maior partido da oposição, Isaias Samacuva, e um gesto de resistência da
coligação Casa-CE. Para além da continuação dos actos de coragem dos “Jovens
Revolucionários”, dos esforços do BD e do reconhecimento internacional do
activista Rafael Marques, pelas suas denúncias fundamentadas, contra os puros
actos de espoliação do país. E do Brasil que pensamos não vir a sacrificar o
funcionamento do nível cada mais avançado de consolidadação da sua democracia,
em defesa de efêmeros proveitos, a favor de regimes tetardatários africanos.
Aproveito para dar
um abraço ao grande Pepetela, apesar das críticas que lhe foram dirigidas, nos
últimos dias, por alegadamente ter desvalorizado a detenção do jovem “Nito
Alves”. Pelo que conheço do Pepetela e suas ideias, provavelmente a
interpratação das afirmações terão sido retiradas algo fora do contexto. De
todo o modo, não é de estranhar-se que o homem possa estar cansado de ser
sempre colado a um passado de uma responsabilidade em grande parte colectiva,
sempre que ele quiz dar as suas opiniões positivas em relação ao presente e ao
futuro. No mesmo contexto, admirou-me, por exemplo, que entre as imagens de
supostos assassinos do 27 de Maio, na capa de um livro a publicar brevemente,
estejam estampadas caras de pessoas que ao tempo eram praticamente menores de
idade, apenas arrastados pela corrente dos acontecimentos. Tenho deixado
propostas sobre a questão do 27 de Maio e de outros morticínios que aconteceram
(e infelizmente continuam – para a matança não se aceite que se distingam as
supostamente de menor escala): a única saída para o caso é aquela que tem sido
colocada, até por boa parte das próprias vítimas ou representantes, destes
nefastos acontecimentos: seguir próximo o exemplo sul-africano da “Comissão da
Verdade”, “colocar uma pedra” num passado sobre o qual muitos de nós perderam o
controlo pela explosão inopinada dos acontecimentos. Senão, o que faremos é
continuarmos colados a um passado que sempre nos perseguirá como um fantasma,
em vez de libertarmos vozes poderosas como a do grande Pepetela, a fovor do
Presente e do Futuro. E os pescadores de “águas turvas”, continuarão a proceder
tranquilamente na apanha do seu malfadado “peixe”. Uma lição de Mandela, que
ele próprio cumpriu, é suficientemente esclarecedora e resumo-a nestas palvras:
“A África deve
deixar de recriminar constantemente o passado, para começar a tomar conta do
Presente e do Futuro”.
Pela nossa idade, e
pelas limitações que nos impõem, nem eu nem o Pepetela poderemos, certamente,
reunir os meios ou forças que Mandela reuniu durante a sua produtiva vida, a
favor do avanço da Humanidade. Mas há quem tenha. A juventude tem! Viva a
juventude, em busca de um futuro diferente! Estamos juntos!
*Marcolino Moco
(nascido em 1953) foi o primeiro-ministro de Angola a partir de
02 dezembro de 1992 até 3 de junho de 1996. [1]
Moco foi demitido do cargo pelo presidente José Eduardo dos Santos – Wikipédia
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