Por que o mundo
ocidental - e a mídia corporativa - estão tão apaixonados por Malala? Sua
história é a da "mulher nativa" salva dos "selvagens" de
seu país
Shobhan Saxena –
Carta Maior
Alguém na mídia
ocidental lembra os nomes de Shazia Ramzan e Kainat Riaz? A foto de Abeer Hamza
al-Janabi aparece nas capas das revistas internacionais? Há algum prêmio da paz
batizado em homenagem a Mamana Bibi? Não.
Poucas pessoas na verdade conhecem esses nomes. Shazia e Kainat são duas meninas de 14 anos que no ano passado levaram tiros do Taliban em Swat, no Paquistão, enquanto iam para a escola. Abeer era uma menina iraquiana de 14 anos que foi estuprada por cinco soldados norte-americanos antes de ser assassinada, juntamente com seus pais, irmãos e irmãs. E Mamana Bibi era uma mulher de 68 anos que foi explodida por mísseis lançados de um drone enquanto colhia legumes na horta de sua casa junto com seus netos em um vilarejo do Waziristão do Norte, no Paquistão.
As meninas Shazia e Kainat foram atacadas dentro de um ônibus junto com Malala Yousafzai, que foi indicada ao Prêmio Nobel desse ano. Desde que foi atingida por um tiro na cabeça, em outubro do ano passado, por um atirador do Taliban, Malala tornou-se um ícone global da paz e da educação. Mas as outras duas garotas foram completamente esquecidas, da mesma forma como Abeer desapareceu da mídia. O mundo conhece apenas Malala e seus atos heróicos. Ela é uma cria da mída ocidental, que apagou as memórias de Shazia, Kainat e Abeer.
Por que o mundo ocidental - e a mídia corporativa - estão tão apaixonados por Malala? Por que Christiane Amanpour chama a menina paquistanesa de 16 anos de "a garota mais corajosa do mundo"? Por que líderes mundiais como o presidente dos EUA Barack Obama e o ex-primeiro ministro britânico Gordon Brown reservam todo o tempo do mundo para encontrá-la e para tirar fotos ao lado da menina? Por que ela tem sido premiada em todo o mundo? Ela ganhou até o Prêmio Sakharov, derrotando Edward Snowden, ex-consultor da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA).
Malala é uma menina corajosa. Não há dúvida. Ela desafiou extremistas religiosos armados até os dentes. Mas essa não é a razão pela qual o Ocidente gosta dela. Claro que a proibição do Taliban à educação de meninas na região paquistanesa do Swat, onde Malala nasceu, é um ato bárbaro. Mas há algo igualmente bárbaro acontecendo naquela parte do mundo. São os ataques dos drones da CIA. De 300 ataques de mísseis feitos por drones americanos desde 2004, mais de 2000 civis inocentes, incluindo 200 crianças, morreram nos vilarejos da fronteira paquistanesa-afegã.
Ao viajar pelas capitais ocidentais fazendo discursos, Malala nunca diz uma palavra sobre esses ataques. Ela nunca menciona os meninos e meninas que foram queimados vivos enquanto estudavam em suas escolas. É por isso que o Ocidente ama Malala. Essa menina adolescente é uma cortina conveniente atrás da qual os países ocidentais podem esconder seus crimes de guerra contra cidadãos inocentes. E eles também podem usar os ataques do Taliban como uma boa justificativa para continuar sua interminável guerra contra o terror. No dia em que ela levou o tiro do Taliban, o mundo ocidental (governos, ONGs e mídia) deram-se os braços em uma campanha para tornar Malala um ícone. Afinal de contas, quem poderia ser um modelo melhor para “valores ocidentais” do que uma adolescente muçulmana enfrentando o fundamentalismo muçulmano e quase morrendo como consequência disso?
Na sua pressa em torná-la heroína, a mídia ocidental, liderada pela BBC, para quem Malala costumava escrever um blog, ignorava algumas verdades importantes.
Primeiro, até 2012, quando Malala foi atingida com o tiro, o Taliban já tinha em grande parte se retirado da região do Swat. Portanto, a oposição à educação para meninas era bem menor. O Taliban a atingiu para tentar mostrar que ainda mandava na região.
Em segundo lugar, Malala não era a única pessoa na região do Swat que pregava a importância da educação para meninas. Na verdade, todas as meninas, inclusive Shazia e Kainat, que aam à escola, estavam desafiando o Taliban.
Mas Malala era a única associada com uma organização de mídia (BBC). Depois de ela ser atingida, a BBC começou a repetir a história em toda a sua rede e outros grupos de mídia se uniram ao clamor por Malala. Em questão de semanas, ela havia se tornado uma heroína.
Esse é um caso típico de "fardo do homem branco", a desculpa usada pelos europeus para colonizar grandes regiões da Ásia: para civilizar os "incivilizados". O episódio Malala é a história de uma menina nativa salva pelo homem branco. Os líderes americanos e britânicos podem sentir-se bem sobre si mesmos ao salvarem a "mulher nativa" dos "homens selvagens" de seu país. Isso também lhes dá justificativa para continuar suas ocupações, guerras e ataques de drones.
Ao fazer Malala desfilar como um personagem de circo, o Ocidente tenta cobrir seus crimes de guerra no Paquistão. Um relatório divulgado na semana passada pela Anistia Internacional diz que oficiais dos EUA “responsáveis pela campanha secreta de drones da CIA contra suspeitos de terrorismo no Paquistão podem ter cometido crimes de guerra e deveriam ser submetidos a um julgamento”. Esse não é o primeiro relatório que prova que civis estão sendo assassinados por americanos no Paquistão. Uma investigação conjunta feita pela Stanford Law School e pela New York University School of Law, em setembro de 2012, concluiu que apenas 2% dos mortos pelos mísseis Hellfire eram “terroristas”. A maioria deles foi vítima dos temidos segundos ataques de mísseis que invariavelmente são desferidos após um anterior, matando civis inocentes que correm para ajudar as vítimas logo depois do primeiro ataque. Esses crimes teriam permanecido secretos se não fossem os relatórios da Anistia Internacioal e outros grupos.
Os documentos da NSA revelados por Edward Snowden expuseram outro lado sinistro desses crimes de guerra. Hoje já não é um segredo que as operações de espionagem da NSA tiveram um papel-chave na campanha global de assassinatos arquitetados pela administração Obama. Com a Agência de Segurança Nacional cobrindo o noroeste do Paaquistão com seu cobertor de espionagem – segundo os próprios documentos da NSA - as informações colhidas tem sido usadas pela CIA na sua guerra de drones no Paquistão. É nessa área que centenas de milhares de pessoas vivem sob medo constante de ataques de mísseis desferidos por drones. E tudo isso é sancionado diretamente por Obama.
Quando Malala encontrou Obama e sua família, recentemente, ela mencionou os ataques mortais dos drones ao presidente norte-americano. Mas a declaração oficial divulgada pela Casa Branca não trazia uma palavra sobre isso. Malala tampouco se importou em divulgar uma condenação pública sobre a guerra dos drones americanos no seu país. Parece que, com todo os prêmios que ela ganhou, o Ocidente comprou o seu silêncio.
A mensagem de Malala sobre educação para meninas é importante. Educação é um direito de toda criança, especialmente as meninas do Sul da Ásia. Mas Malala tornou-se um instrumento de propaganda para o Ocidente, que a usa para esconder seus pecados no Paquistão, no Afeganistão e no Iraque. A mídia ocidental que divulga essa história “positiva” não tem tempo ou espaço para as verdadeiras histórias sobre o terror vindo do céu, trazido por aviões sem pilotos. Foi bom que Malala não ganhou o Prêmio Nobel. Teria sido a maior vitória dos EUA na guerra suja dos drones.
Créditos da foto: Pete Souza/TWH
Poucas pessoas na verdade conhecem esses nomes. Shazia e Kainat são duas meninas de 14 anos que no ano passado levaram tiros do Taliban em Swat, no Paquistão, enquanto iam para a escola. Abeer era uma menina iraquiana de 14 anos que foi estuprada por cinco soldados norte-americanos antes de ser assassinada, juntamente com seus pais, irmãos e irmãs. E Mamana Bibi era uma mulher de 68 anos que foi explodida por mísseis lançados de um drone enquanto colhia legumes na horta de sua casa junto com seus netos em um vilarejo do Waziristão do Norte, no Paquistão.
As meninas Shazia e Kainat foram atacadas dentro de um ônibus junto com Malala Yousafzai, que foi indicada ao Prêmio Nobel desse ano. Desde que foi atingida por um tiro na cabeça, em outubro do ano passado, por um atirador do Taliban, Malala tornou-se um ícone global da paz e da educação. Mas as outras duas garotas foram completamente esquecidas, da mesma forma como Abeer desapareceu da mídia. O mundo conhece apenas Malala e seus atos heróicos. Ela é uma cria da mída ocidental, que apagou as memórias de Shazia, Kainat e Abeer.
Por que o mundo ocidental - e a mídia corporativa - estão tão apaixonados por Malala? Por que Christiane Amanpour chama a menina paquistanesa de 16 anos de "a garota mais corajosa do mundo"? Por que líderes mundiais como o presidente dos EUA Barack Obama e o ex-primeiro ministro britânico Gordon Brown reservam todo o tempo do mundo para encontrá-la e para tirar fotos ao lado da menina? Por que ela tem sido premiada em todo o mundo? Ela ganhou até o Prêmio Sakharov, derrotando Edward Snowden, ex-consultor da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA).
Malala é uma menina corajosa. Não há dúvida. Ela desafiou extremistas religiosos armados até os dentes. Mas essa não é a razão pela qual o Ocidente gosta dela. Claro que a proibição do Taliban à educação de meninas na região paquistanesa do Swat, onde Malala nasceu, é um ato bárbaro. Mas há algo igualmente bárbaro acontecendo naquela parte do mundo. São os ataques dos drones da CIA. De 300 ataques de mísseis feitos por drones americanos desde 2004, mais de 2000 civis inocentes, incluindo 200 crianças, morreram nos vilarejos da fronteira paquistanesa-afegã.
Ao viajar pelas capitais ocidentais fazendo discursos, Malala nunca diz uma palavra sobre esses ataques. Ela nunca menciona os meninos e meninas que foram queimados vivos enquanto estudavam em suas escolas. É por isso que o Ocidente ama Malala. Essa menina adolescente é uma cortina conveniente atrás da qual os países ocidentais podem esconder seus crimes de guerra contra cidadãos inocentes. E eles também podem usar os ataques do Taliban como uma boa justificativa para continuar sua interminável guerra contra o terror. No dia em que ela levou o tiro do Taliban, o mundo ocidental (governos, ONGs e mídia) deram-se os braços em uma campanha para tornar Malala um ícone. Afinal de contas, quem poderia ser um modelo melhor para “valores ocidentais” do que uma adolescente muçulmana enfrentando o fundamentalismo muçulmano e quase morrendo como consequência disso?
Na sua pressa em torná-la heroína, a mídia ocidental, liderada pela BBC, para quem Malala costumava escrever um blog, ignorava algumas verdades importantes.
Primeiro, até 2012, quando Malala foi atingida com o tiro, o Taliban já tinha em grande parte se retirado da região do Swat. Portanto, a oposição à educação para meninas era bem menor. O Taliban a atingiu para tentar mostrar que ainda mandava na região.
Em segundo lugar, Malala não era a única pessoa na região do Swat que pregava a importância da educação para meninas. Na verdade, todas as meninas, inclusive Shazia e Kainat, que aam à escola, estavam desafiando o Taliban.
Mas Malala era a única associada com uma organização de mídia (BBC). Depois de ela ser atingida, a BBC começou a repetir a história em toda a sua rede e outros grupos de mídia se uniram ao clamor por Malala. Em questão de semanas, ela havia se tornado uma heroína.
Esse é um caso típico de "fardo do homem branco", a desculpa usada pelos europeus para colonizar grandes regiões da Ásia: para civilizar os "incivilizados". O episódio Malala é a história de uma menina nativa salva pelo homem branco. Os líderes americanos e britânicos podem sentir-se bem sobre si mesmos ao salvarem a "mulher nativa" dos "homens selvagens" de seu país. Isso também lhes dá justificativa para continuar suas ocupações, guerras e ataques de drones.
Ao fazer Malala desfilar como um personagem de circo, o Ocidente tenta cobrir seus crimes de guerra no Paquistão. Um relatório divulgado na semana passada pela Anistia Internacional diz que oficiais dos EUA “responsáveis pela campanha secreta de drones da CIA contra suspeitos de terrorismo no Paquistão podem ter cometido crimes de guerra e deveriam ser submetidos a um julgamento”. Esse não é o primeiro relatório que prova que civis estão sendo assassinados por americanos no Paquistão. Uma investigação conjunta feita pela Stanford Law School e pela New York University School of Law, em setembro de 2012, concluiu que apenas 2% dos mortos pelos mísseis Hellfire eram “terroristas”. A maioria deles foi vítima dos temidos segundos ataques de mísseis que invariavelmente são desferidos após um anterior, matando civis inocentes que correm para ajudar as vítimas logo depois do primeiro ataque. Esses crimes teriam permanecido secretos se não fossem os relatórios da Anistia Internacioal e outros grupos.
Os documentos da NSA revelados por Edward Snowden expuseram outro lado sinistro desses crimes de guerra. Hoje já não é um segredo que as operações de espionagem da NSA tiveram um papel-chave na campanha global de assassinatos arquitetados pela administração Obama. Com a Agência de Segurança Nacional cobrindo o noroeste do Paaquistão com seu cobertor de espionagem – segundo os próprios documentos da NSA - as informações colhidas tem sido usadas pela CIA na sua guerra de drones no Paquistão. É nessa área que centenas de milhares de pessoas vivem sob medo constante de ataques de mísseis desferidos por drones. E tudo isso é sancionado diretamente por Obama.
Quando Malala encontrou Obama e sua família, recentemente, ela mencionou os ataques mortais dos drones ao presidente norte-americano. Mas a declaração oficial divulgada pela Casa Branca não trazia uma palavra sobre isso. Malala tampouco se importou em divulgar uma condenação pública sobre a guerra dos drones americanos no seu país. Parece que, com todo os prêmios que ela ganhou, o Ocidente comprou o seu silêncio.
A mensagem de Malala sobre educação para meninas é importante. Educação é um direito de toda criança, especialmente as meninas do Sul da Ásia. Mas Malala tornou-se um instrumento de propaganda para o Ocidente, que a usa para esconder seus pecados no Paquistão, no Afeganistão e no Iraque. A mídia ocidental que divulga essa história “positiva” não tem tempo ou espaço para as verdadeiras histórias sobre o terror vindo do céu, trazido por aviões sem pilotos. Foi bom que Malala não ganhou o Prêmio Nobel. Teria sido a maior vitória dos EUA na guerra suja dos drones.
Créditos da foto: Pete Souza/TWH
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