Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
"Imperdoável"
é o nome de um belo "western" de Clint Eastwood, ator e realizador
premiado com vários "prémios" por este filme extraordinário de 1992,
que conta a história da indignação de uma prostituta desfigurada cobardemente
por um "cowboy" que consegue escapar à justiça graças a um xerife que
o protege em retribuição de uma velha amizade. Escandalizadas, as prostitutas
resolvem quotizar-se para oferecer uma valiosa recompensa pela captura do
desprezível bandido, que de outra forma ficaria impune. Toda a mitologia
fabricada em Hollywood de "cowboys" indómitos e de heroicos
"justiceiros" é "desmontada" ao longo deste filme cujo
revisitação não poderia ser mais oportuna! Imperdoável é o comportamento de um
grupo de personalidades públicas que persistem na tentativa de pressionar as
decisões do Tribunal Constitucional, grupo a que recentemente se vieram somar
as figuras de José Manuel Durão Barroso e de José Pedro Aguiar-Branco.
O primeiro é ainda
presidente da Comissão Europeia, cargo a que acedeu quando "saltou"
da chefia do Governo português para o governo da União, depois de ter feito
declarações bombásticas sobre o estado do país cujo governo se preparava para
abandonar. Ficou célebre a sua proclamação, já lá vão mais de dez anos, de que
Portugal estava "de tanga". Disse, e foi-se embora. Mas esta semana,
em Bruxelas, segundo a edição de ontem do "Jornal de Notícias",
"durante uma conferência de imprensa, ao lado do primeiro-ministro, Pedro
Passos Coelho, no final de um encontro entre o Governo português e o colégio de
comissários", Durão Barroso anunciou que a eventual inconstitucionalidade
do Orçamento de Estado para 2014 "pode pôr em risco o regresso de Portugal
aos mercados" e obrigar à substituição das medidas ali previstas pelo
Governo, por outras ainda mais penosas para os portugueses e mais prejudiciais
para o crescimento da economia. Claro que o presidente da Comissão logo se
apressou a desmentir a menor intenção de interferir com a independência dos
tribunais...
O outro é o atual
ministro da Defesa que, dois anos e meio depois de ter iniciado as suas lides
governamentais, descobriu a urgência da reforma do Estado e da revisão da
Constituição, como remédio contra a "tentação de um Estado
totalitário"! Para o ministro da Defesa, o "que cria as
promiscuidades (...), as clientelas (...) e as dependências" que
enfraquecem a sociedade e dão corpo à ameaça totalitária não é a impunidade
daqueles que obtiveram ganhos absurdos e se aproveitaram da Sociedade Lusa de
Negócios, do BPN e mil e um outros estratagemas para lançar mão de isenções,
subvenções estatais, cargos públicos, funções privadas e acessos privilegiados
aos "fundos europeus"! Nem sequer a circunstância de permanecerem impunes
e de continuarem a ocupar relevantes posições na República. Nada disso! A
"ameaça totalitária", segundo José Pedro Aguiar-Branco, esconde-se na
ideia do chamado "Estado social" - ou seja, no subsídio de
desemprego, no rendimento social de inserção, na segurança social, na proibição
do despedimento sem justa causa, na saúde, na educação, no abono de família...
Infelizmente, o ministro não teve oportunidade de nos esclarecer com algum
rigor sobre quais os aspetos da Lei Fundamental que gostaria de ver revistos e
abandonou a sessão "sem prestar declarações aos jornalistas".
É claro que estes
comportamentos subversivos do Estado de direito e do princípio constitucional
da separação dos poderes - gravemente atentatórios da independência do poder
judicial e do exercício imparcial da missão específica do Tribunal
Constitucional de "fiscalização da constitucionalidade das leis" -
eram facilmente prevenidos se o Presidente da República requeresse o controlo
preventivo da constitucionalidade deste Orçamento. Não resistimos, enfim, a
evocar "Kid", o terrível bandido que se associa a Clint Eastwood na
caça ao "prémio" oferecido pelas prostitutas, e que por fim confessa
que é míope e que nunca matou ninguém...
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