Financial
Times, Londres – Presseurop – imagem Patrick
Chappatte
Desde o início da
crise financeira, o Executivo de Atenas tem aplicado contra vontade as medidas
de austeridade. Mas, hoje, o Governo, fragilizado no Parlamento, tem cada vez
mais razões – inclusive económicas – para dizer “não” aos credores.
O que acontece se
um país sujeito a um programa de resgate decidir finalmente dizer Não?
Esta é uma pergunta
que alguns funcionários da chamada “troika” de credores internacionais
começaram a fazer a si próprios em relação à Grécia. No poder há mais de um
ano, marcado pela resistência às exigências de reforma, o Governo de coligação
grego continua a afirmar que não tolerará mais nenhumas medidas de austeridade.
Em muitos aspetos,
a Grécia
perdeu a capacidade de causar choque. Praticamente toda a sua dívida é detida
por aqueles que lhe prestaram auxílio – governos europeus, instituições da zona
euro e Fundo Monetário Internacional – o que quer dizer que o conjunto mais
vasto dos mercados financeiros pouca atenção lhe presta.
E os impasses entre
o Governo de Atenas e os supervisores do resgate tornaram-se tão triviais que
deixaram de ser registados na maioria dos radares oficiais, inclusive em locais
como Bruxelas e Berlim, onde os decisores políticos estão mais familiarizados
com as contingências do desempenho grego.
Mas, se a mal
disfarçada irritação que se notou nos últimos dias entre os negociadores de
alto nível significa alguma coisa, então, talvez haja uma mudança de natureza,
e não apenas de grau, na atual ronda de conversações, que se arrasta há dois
meses.
Riscos políticos
À primeira vista, a
discussão centra-se num tópico
já conhecido. O projeto de orçamento do Governo grego para 2014, que tem
estar concluído antes do pagamento da próxima tranche de ajuda, prevê um défice
orçamental de cerca de 1,5 mil milhões de euros. O programa de privatizações,
que é motivo de conflito, terá de ser revisto. As reformas estruturais, como o
levantamento da moratória sobre a execução de hipotecas, também têm de ser
acordadas.
Contudo, segundo
aqueles que trabalham há anos no programa para a Grécia, parece estar a
verificar-se uma mudança mais fundamental. O Governo de Atenas, que nunca
mostrou grande entusiasmo pelas reformas, tem ainda menos razões para cooperar.
“Claramente, o que
aconteceu foi que o número de vítimas políticas está a tornar-se mais
evidente”, declarou um negociador de alto nível da troika. “Há apenas esta vaga
de oposição.”
Sem dúvida que, boa
parte disso é “fadiga das reformas”, que atingiu a Grécia e outros países
resgatados, praticamente logo depois de os respetivos resgates serem postos em
prática. Mas, em Atenas, os cálculos começaram a ser feitos de uma maneira que
alguns receiam tenha enfraquecido os incentivos a um acordo.
Para o Governo
grego, o fator mais óbvio a ter em conta é de ordem política. Apesar de ter
sobrevivido, este mês, a mais uma moção
de confiança, a sua maioria parlamentar continua a diminuir, resumindo-se
agora a apenas quatro votos, num Parlamento com 300 assentos.
E, ao contrário do
que se passa em Portugal, onde o Governo de coligação sobreviveu recentemente a
uma experiência de quase morte, a oposição grega não é um partido tradicional
que, no passado, apoiou o resgate. O Syriza, de extrema-esquerda, intimidou
políticos de esquerda de todos os quadrantes – incluindo apoiantes do PASOK, o
partido tradicional do centro-esquerda e membro da coligação governamental –,
levando-os a opor-se ao programa.
O Syriza
classifica-se constantemente como o maior partido da Grécia, enquanto o PASOK
se encontra em agonia, repetidamente atrás do partido neonazi Aurora Dourada.
Uma queda do Governo de coligação poderá muito bem significar o fim do programa
de resgate, tal como o conhecemos.
Incentivos mudaram
Mas há ainda uma
mudança maior, embora menos notada, na situação da Grécia. O Governo está a
receber mais dinheiro do que gasta, não contando com os pagamentos de juros da
dívida nacional. O atual “excedente orçamental primário” significa que cada
dólar adicional de imposto arrancado aos eleitores gregos se destina a pagar
aos credores.
Apesar de os
funcionários da troika não estarem de acordo quanto a se será isso que está por
trás da inflexibilidade recém-adquirida, historicamente, os governos que
recebem ajuda internacional tornam-se menos cooperantes depois de puderem pagar
na íntegra as suas atividades diárias. Na verdade, se pudesse contar com um
banco central próprio para apoiar o setor financeiro nacional, seriam poucos os
incentivos para que o Governo de Atenas continuasse a pagar fosse o que fosse à
UE e ao FMI.
Os incentivos
também mudaram na zona euro. Muitos consideram que os mecanismos e guarda-fogos
da zona euro impedirão que a crise grega infete o resto [dos países] da moeda
única. O próximo grande pagamento da dívida grega é ao Banco Central Europeu e
está previsto para maio. Até lá, há muito poucas razões para disponibilizar
qualquer ajuda à Grécia.
No interior da
troika e nos Ministérios das Finanças nacionais, algumas pessoas sempre
pensaram que a saída
da Grécia da zona euro era inevitável. Se não encontrarem novos motivos
para aceitar o compromisso, os governantes de Atenas e os seus credores
oficiais poderão ver os seus piores receios tornarem-se realidade.
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