José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Há uma exigência
ética essencial no tempo que estamos a viver: ouvir o clamor dos pobres e
devolver-lhe o que lhes cabe. A advertência feita por Francisco, o Papa, na sua
exortação apostólica "Evangelii Gaudium" (EG) coloca um critério
claro na condução do nosso quotidiano: "Assumir a opção pelos últimos, por
aqueles que a sociedade descarta e deita fora" (EG 195) como prioridade.
Estar com os
últimos, fazer deles a razão de ser das nossas escolhas, impõe coisas difíceis
a que a bolsa de valores deste tempo não dá cotações altas. Impõe, desde logo,
pôr em causa o endeusamento da propriedade como limite das possibilidades das
políticas. Ao contrário do pensamento que tem norteado o desmantelamento do
contrato social na Europa, para o qual o que é da titularidade dos pobres é
frágil por natureza e o que é da titularidade dos ricos é sagrado por
definição, Francisco coloca a propriedade privada como realidade subordinada ao
destino universal dos bens: "A posse privada dos bens justifica-se para
cuidar deles e os fortalecer, de modo a servirem melhor o bem comum" (EG,
189). Estar com os últimos como princípio de vida impõe, em segundo lugar,
fazer do reconhecimento dos seus direitos o nosso compromisso maior: "Não
se trata apenas de garantir a comida ou um decoroso sustento para todos, mas
(...) educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho, porque
no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e
engrandece a dignidade da sua vida" (EG 192). Estar com os últimos e
tornar a sua dignidade em referência primeira impõe, enfim, desfetichizar o
mercado e devolvê-lo à sua função instrumental: "Os planos de assistência,
que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas
provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos
pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação
financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se
resolverão os problemas do mundo e, na verdade, problema algum. A desigualdade
é a raiz dos males sociais" (EG, 202). por isso mesmo, "a economia
não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se
pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando
assim novos excluídos" (EG 204).
Neste tempo em que
a pobreza e a saída dela são estigmatizadas como responsabilidades pessoais,
estar com os últimos como projeto de vida faz da política o seu campo de
materialização privilegiado. Assim entendida, a política é o avesso de uma
carreira. A política como serviço aos últimos não se aprende nas universidades
de verão das jotas nem dá direito a promoção social. Pelo contrário, a política
como serviço à opção pelos últimos só dá dores de cabeça e estraga agendas
sociais perfumadas e prestigiantes.
A política que se
faz para afirmar a dignidade dos últimos tem um programa e é dele que cuida.
Tudo o mais é instrumental relativamente a esta opção fundamental: os partidos
e as alianças, as ruturas e as convergências, os governos e a rua, as palavras
e os gestos, a lei e os movimentos. O único que lhe está interditado é
esquecer-se de que é sempre o clamor dos pobres que lhe dá razão de ser.
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