Orlando Castro
A justiça é, cada
vez mais, aquilo que os governantes, eleitos ou não, querem que ela seja. Os
que mandam no nosso país resolveram ordenar que a justiça, a portuguesa no
caso, arquivasse os processos que tinha em curso sobre eventuais crimes cometidos
por altos dignitários do regime. Assim aconteceu. Por cá, país onde a democracia
tem características muito peculiares, sabe-se que até prova em contrário todos
são culpados.
E é neste contexto
que Rafael Marques vai ser julgado, no Tribunal Provincial de Luanda, em nove
queixas-crime intentadas contra si por generais angolanos e uma empresa. Nada
de novo. Essa coisa de se achar que existe por cá um Estado de Direito e que
ninguém está acima da lei é, reconheça-se, um delírio que oscila entre uma
peregrina ingenuidade e uma atávica tentação pela cadeia alimentar dos
jacarés.
Os generais em
questão não gostaram de ler (o que só por si é um bom princípio) o que Rafael
Marques escreveu no livro, publicado em Portugal, “Diamantes de Sangue:
Tortura e Corrupção em Angola”.
Rafael Marques
esclareceu à Lusa (agência que, não se sabe muito bem durante quanto mais
tempo, ainda vai ouvindo algumas vozes que não são do regime) que a notificação
que recebeu é a resposta ao pedido de arquivamento das queixas por calúnia e
difamação, enviado em Dezembro passado, por ter sido ultrapassado o prazo
legal para ser constituído arguido.
“Os prazos prescreveram
e ao invés de responderem à petição (de arquivamento), ignoraram-na e
remeteram (os processos) para o tribunal, para julgamento”, conta Rafael
Marques. De facto, também em matéria de justiça, o rei não só vai nu como
garante que usa roupas de Hugo Boss e Ermenegildo Zegna.
No livro, o autor
acusou de “crimes contra a humanidade” os generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa”,
ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente angolano; Carlos
Hendrick Vaal da Silva, inspector-geral do Estado-Maior General das Forças
Armadas Angolanas (FAA); Armando da Cruz Neto, ex-Chefe do Estado-Maior
General das FAA; Adriano Makenzi, chefe da Direcção Principal de Preparação de
Tropas e Ensino das FAA.
João de Matos,
ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA; Luís Faceira, ex-chefe do
Estado-Maior do Exército das FAA e António Faceira, ex-chefe da Divisão de
Comandos, são outros nomes apontados por Rafael Marques.
Publicado em
Portugal em Setembro de 2011, o livro resultou de uma investigação iniciada em
2004 e documenta casos de homicídio e tortura contra os habitantes na região
diamantífera das Lundas. A empresa que figura entre os queixosos é a sociedade
mineira ITM Minning Limited.
Folha 8, 17 janeiro
2014
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