domingo, 12 de janeiro de 2014

Portugal: DO MALDITO PEC IV AO BENDITO PEC V

 

Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
 
No princípio, era a urgência premente de um programa de resgate! Quando o Governo finalmente acabou por se render, em maio de 2011, o entusiasmo foi tal que até o PSD e o CDS, ainda na Oposição, fizeram questão de assinar também o tão ansiado memorando de entendimento. O PSD anunciava então pela voz do futuro primeiro-ministro que pretendia até "ir para além" dos compromissos assumidos perante a santíssima troika.
 
O programa de resgate ofereceu o álibi perfeito para o PSD ganhar as eleições desse ano e se permitir violar de seguida todas as promessas feitas durante a campanha eleitoral. O novo Governo estava, enfim, habilitado a executar o seu programa oculto sem precisar sequer de explicar ao povo os seus verdadeiros objetivos políticos nem de assumir as responsabilidades pelas suas devastadoras consequências.
 
O entusiasmo com o programa de resgate, porém, não iria durar muito. A promessa redentora inicial rapidamente se transformou no fantasma apocalíptico do segundo resgate! Se o primeiro resgate tinha servido para ganhar as eleições, esperava-se agora que o espetro do segundo pudesse servir para as bloquear. No verão de 2013, a antecipação das eleições parecia inevitável perante o falhanço patente das políticas de austeridade, um fracasso explicitamente assumido na carta de demissão do ministro das Finanças e confirmado pela demissão subsequente do ministro dos Negócios Estrangeiros, chefe do segundo partido da coligação. Todavia, quando já era dada como certa a queda do Governo, por arrojada pirueta, o ministro demissionário convertia-se no vice-primeiro-ministro atual e tudo se recompunha: um sucesso acrobático iria dispensar a chamada do povo às urnas. A democracia era autorizada a subsistir entre parêntesis.
 
Uma vez afastado o risco imediato de antecipação das eleições legislativas, o espetro do segundo resgate tornou-se inútil e, por isso, Governo e presidente precipitaram-se a afiançar que o novo resgate era uma hipótese já ultrapassada. E foi assim que passamos à terceira fase, aquela em que atualmente nos encontramos - a fase do programa cautelar e do futuro depois da troika, da urgência de discutir as "cautelas" e de amarrar o "futuro" a consensos alargados, como asseveram o presidente, o Governo e a sua maioria parlamentar. Três anos mais tarde, regressamos aos Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC). Esquecido o maldito PEC IV, anunciou-se o bendito PEC V. E em que consiste o novo PEC? É fácil de prever que, havendo programa cautelar em 2014, o seu conteúdo irá depender de duas incógnitas: - da indulgência da avaliação final que a troika fizer de uma governação incompetente mas submissa e, sobretudo, do fôlego de que os responsáveis europeus forem capazes para reformar uma união monetária cujas disfuncionalidades e perversões, paradoxalmente, nunca inquietaram os nossos governantes atuais.
 
O que verdadeiramente importa é romper com este jogo viciado de manipulação da representação democrática, de empobrecimento generalizado e de menorização cívica, de submissão servil aos interesses da alta finança, dos especuladores e grandes grupos económicos. Urgente é a construção de uma alternativa política. É uma tarefa que começa por desafiar os sociais-democratas e a esquerda europeia ainda em busca de exemplos inspiradores. É uma tarefa a cumprir em múltiplas frentes. Pelo envolvimento dos cidadãos na definição das orientações programáticas e nas propostas de governo. Pelo restabelecimento de uma forte relação com a sociedade capaz de combater a desconfiança dos cidadãos face à promiscuidade entre a política e os interesses e de contrariar as tentações corporativas de hegemonia dos aparelhos partidários que afasta os eleitores dos eleitos e transforma a alternância democrática em mera rotação de anódinos figurantes. Pela reforma do sistema político e da administração territorial, em nome dos valores da subsidiariedade, da descentralização e do cumprimento do imperativo constitucional da criação das regiões administrativas. Pela defesa do Estado de direito, da justiça e da democracia, hoje confrontados com a ameaça global de uma competitividade económica cruel, desumana e degradante.
 

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