Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
No princípio, era a
urgência premente de um programa de resgate! Quando o Governo finalmente acabou
por se render, em maio de 2011, o entusiasmo foi tal que até o PSD e o CDS,
ainda na Oposição, fizeram questão de assinar também o tão ansiado memorando de
entendimento. O PSD anunciava então pela voz do futuro primeiro-ministro que
pretendia até "ir para além" dos compromissos assumidos perante a
santíssima troika.
O programa de
resgate ofereceu o álibi perfeito para o PSD ganhar as eleições desse ano e se
permitir violar de seguida todas as promessas feitas durante a campanha
eleitoral. O novo Governo estava, enfim, habilitado a executar o seu programa
oculto sem precisar sequer de explicar ao povo os seus verdadeiros objetivos
políticos nem de assumir as responsabilidades pelas suas devastadoras
consequências.
O entusiasmo com o
programa de resgate, porém, não iria durar muito. A promessa redentora inicial
rapidamente se transformou no fantasma apocalíptico do segundo resgate! Se o
primeiro resgate tinha servido para ganhar as eleições, esperava-se agora que o
espetro do segundo pudesse servir para as bloquear. No verão de 2013, a
antecipação das eleições parecia inevitável perante o falhanço patente das
políticas de austeridade, um fracasso explicitamente assumido na carta de
demissão do ministro das Finanças e confirmado pela demissão subsequente do
ministro dos Negócios Estrangeiros, chefe do segundo partido da coligação.
Todavia, quando já era dada como certa a queda do Governo, por arrojada
pirueta, o ministro demissionário convertia-se no vice-primeiro-ministro atual
e tudo se recompunha: um sucesso acrobático iria dispensar a chamada do povo às
urnas. A democracia era autorizada a subsistir entre parêntesis.
Uma vez afastado o
risco imediato de antecipação das eleições legislativas, o espetro do segundo
resgate tornou-se inútil e, por isso, Governo e presidente precipitaram-se a
afiançar que o novo resgate era uma hipótese já ultrapassada. E foi assim que
passamos à terceira fase, aquela em que atualmente nos encontramos - a fase do
programa cautelar e do futuro depois da troika, da urgência de discutir as
"cautelas" e de amarrar o "futuro" a consensos alargados,
como asseveram o presidente, o Governo e a sua maioria parlamentar. Três anos
mais tarde, regressamos aos Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Esquecido o maldito PEC IV, anunciou-se o bendito PEC V. E em que consiste o
novo PEC? É fácil de prever que, havendo programa cautelar em 2014, o seu
conteúdo irá depender de duas incógnitas: - da indulgência da avaliação final
que a troika fizer de uma governação incompetente mas submissa e, sobretudo, do
fôlego de que os responsáveis europeus forem capazes para reformar uma união
monetária cujas disfuncionalidades e perversões, paradoxalmente, nunca
inquietaram os nossos governantes atuais.
O que
verdadeiramente importa é romper com este jogo viciado de manipulação da
representação democrática, de empobrecimento generalizado e de menorização
cívica, de submissão servil aos interesses da alta finança, dos especuladores e
grandes grupos económicos. Urgente é a construção de uma alternativa política.
É uma tarefa que começa por desafiar os sociais-democratas e a esquerda
europeia ainda em busca de exemplos inspiradores. É uma tarefa a cumprir em
múltiplas frentes. Pelo envolvimento dos cidadãos na definição das orientações
programáticas e nas propostas de governo. Pelo restabelecimento de uma forte
relação com a sociedade capaz de combater a desconfiança dos cidadãos face à
promiscuidade entre a política e os interesses e de contrariar as tentações
corporativas de hegemonia dos aparelhos partidários que afasta os eleitores dos
eleitos e transforma a alternância democrática em mera rotação de anódinos
figurantes. Pela reforma do sistema político e da administração territorial, em
nome dos valores da subsidiariedade, da descentralização e do cumprimento do
imperativo constitucional da criação das regiões administrativas. Pela defesa
do Estado de direito, da justiça e da democracia, hoje confrontados com a
ameaça global de uma competitividade económica cruel, desumana e degradante.
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